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research

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architexts ISSN 1809-6298


abstracts

português
Quatro edifícios modernos em Vitória ES formam o recorte por sua conservação. Só um é salvaguardado. Seria pertinente a tutela dos demais? Responde-se com método analítico-descritivo; fundamentos e legislação tutelar nos PDUs da cidade.

english
Four modern buildings in Vitória ES are the sample of this conservation study. Only one has safeguard. Would it be correct to safeguard the other three? Analytic descriptive method, foundation and safeguard urban legislation were adopted.

español
Cuatro edificios modernos en Vitória ES son la muestra de este estudio de conservación. Solo uno tiene salvaguarda. ¿Sería correcto salvaguardiar los otros tres? Se utiliza método analítico descriptivo, fundamento y legislación urbanística de salvaguardia


how to quote

LORDELLO, Eliane; BELLINI, Anna Karine. Conservação e possibilidades de ressignificação no Centro de Vitória ES. Arquitextos, São Paulo, ano 22, n. 264.01, Vitruvius, maio 2022 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/22.264/8488>.

Situando o modernismo capixaba

Este artigo enfoca a conservação dos edifícios Ouro Verde, Michelini, Rural Bank, e Repartições Públicas, situados na avenida Jerônimo Monteiro, Centro de Vitória ES.

Vista aérea avenida Jerônimo Monteiro, Vitória ES
Foto divulgação [Google Earth]

Os quatro edifícios estão situados na avenida Jerônimo Monteiro.

Mapa de localização dos edifícios Michelini, Ouro Verde, Rural Bank e das Repartições Públicas, Vitória ES
Imagem divulgação, 2022 [Sedec/GPU/CRU]

Em seu porte os quatro edifícios ainda se sobressaem na avenida, apesar de majoritariamente verticalizada na atualidade.

Avenida Jerônimo Monteiro, Centro, Vitória ES
Foto divulgação [Google Earth]

Construídos entre as décadas de 1950 e 1970, mais altos que as edificações contemporâneas das cercanias, eles apresentam em comum as seguintes características: partido arquitetônico concebido no pensamento “forma segue função”; programas multifuncionais, abrigando comércio e serviços; soluções e linhas modernas afins, desprovidas de adornos. As ilustrações a seguir reproduzidas mostram os quatro prédios: o Edifício Michelini; o Edifício Ouro Verde; o Edifício Rural Bank; Edifício das Repartições Públicas.

Edifício Michelini: da esquerda para a direita — fachadas para a praça Costa Pereira e avenida Jerônimo Monteiro, Vitória ES
Imagem divulgação, 2022 [Sedec/GPU/CRU]

Edifício Ouro Verde: fachada para a avenida Jerônimo Monteiro, Vitória ES
Imagem divulgação, 2022 [Sedec/GPU/CRU]

Edifício Rural Bank: da esquerda para a direita — fachada para a avenida Jerônimo Monteira; fachada para a praça Oito de Setembro; fachada para a avenida Governador Bley, Vitória ES
Imagem divulgação, 2022 [Sedec/GPU/CRU]

Edifício das Repartições Públicas, fachada esquemática para a avenida Jerônimo Monteiro, Vitória ES
Imagem divulgação, 2022 [Sedec/GPU/CRU]

A seguir, uma síntese dos principais dados físicos relativos a estes prédios:

projeto
Edifício Michelini
autor
Elio de Almeida Viana (primeiro projeto) e Alfredo Simões (projeto definitivo)
ano
1955
número de pavimentos
12
construtor
Carvalho B. Hosken Engenheiros Construtores
titularidade original
Particular

Edifício Michelini, fachada para a praça Costa Pereira, Vitória ES
Sedec/GPU/CRU [Foto divulgação, 2019]

Edifício Michelini, fachada para a avenida Jerônimo Monteiro, Vitória ES
Foto divulgação, 2019 [Sedec/GPU/CRU]

projeto
Edifício Ouro Verde
autor
Marcello Vivacqua (1928-1994)
ano
1955
número de pavimentos
10
construtor
Engenheiro Maurício Gorender
titularidade original
Particular

Edifício Ouro Verde, fachada para a avenida Jerônimo Monteiro, Vitória ES
Foto divulgação, 2019 [Sedec/GPU/CRU]

projeto
Edifício Rural Bank
autor
Dirceu Carneiro
ano
1962
número de pavimentos
22
construtor
Chrisógono Teixeira da Cruz
titularidade original
Público

Edifício Rural Bank, Vitória ES
Foto divulgação, 2019 [Sedec/GPU/CRU]

projeto
Edifício das Repartições Públicas
autor
Ary Garcia Roza
ano
1951
número de pavimentos
9
construtor
não identificado
titularidade original
Público

Edifício das Repartições Públicas, Vitória ES
Foto divulgação, 2019 [Sedec/GPU/CRU]

O que esses edifícios têm em comum: o fato de terem sido projetados nas décadas de 1950 e 1960, por arquitetos de formação modernista, a maioria deles graduados no Rio de Janeiro, de serem catalogados na Municipalidade como de interesse de preservação.

Mas em que pesem as similitudes, até o presente apenas o edifício Michelini teve processo de salvaguarda aprovado (processo número 819951/2018, Resolução de Identificação número 02/2020). As razões para isso residem no ineditismo do Michelini ao seu tempo, senão vejamos: a legibilidade de sua estrutura, seu arrojo em ser o mais alto edifício do entorno da praça Costa Pereira, o fato de ser o primeiro edifício galeria do bairro do Centro da Cidade, ser parte relevante do acervo arquitetônico modernista de Elio Viana (primeiro projeto) e Alfredo Simões (segundo projeto) na capital capixaba.

A possibilidade e a pertinência de uma salvaguarda para tais edifícios é o que suscita o estudo de caso, cingido com base nos seguintes critérios:

  • A localização na principal avenida moderna da cidade;
  • O uso funcional misto, de comércio e de serviço;
  • O fato de se destacarem como os primeiros projetos de arquitetos modernistas no Centro da Cidade;
  • O papel de representantes da verticalização modernista no Centro da Cidade.

A historiografia da Arquitetura Moderna Brasileira durante muito tempo concentrou-se na questão da origem do movimento: a escola carioca ou a paulista? (1). A legitimidade do debate baseava-se no conceito de difusão e de influência, muito adotado na história da arte e que implica numa visão hierárquica de centros maiores e melhores, de onde se espraiariam os exemplos menores. Esta foi a visão adotada por Yves Bruand (2), a partir dos depoimentos obtidos à época, no Brasil, para o livro que segue sendo uma referência na área.

Reconhecendo a completude do livro de Bruand, mas combatendo a visão de uma modernidade construída a partir de escolas do Sudeste e à margem dessas disputas, a visão de modernidades plurais, decorrente de fluxos, que propôs Hugo Segawa (3), autorizava outras leituras.

No Docomomo internacional de 2002, em Paris, o conceito de recepção, oriundo da crítica literária, ofereceu uma alternativa conceitual à ideia de difusão e influência, abrindo novas perspectivas analíticas, conforme salientaram Sonia Marques e Guilah Naslavsky (4). Sem revisões no campo conceitual, as publicações mais recentes como as de Maria Alice Junqueira Bastos e Ruth Verde Zein (5) colocam-se geralmente como releituras, e, às vezes, adotam o conceito de campo ampliado, consoante Jean-Louis Cohen e Hal Foster (6), para estender a periodização da modernidade e incluir novos exemplares (7).

No presente artigo, considera-se que a vinda para Vitória de arquitetos formados no Rio de Janeiro, que aqui iniciaram suas atuações profissionais pautados pela modernidade aprendida e vivida na capital fluminense influiu na introdução do repertório moderno na cidade.

A avenida moderna, lócus da modernidade arquitetônica

Abordando agora o lócus deste artigo, para tratar do modernismo no Centro de Vitória, cumpre iniciar por um breve histórico da primeira avenida da cidade, ao seu tempo dita “moderna”, e ainda hoje a sua principal artéria: a Jerônimo Monteiro. Originalmente chamada de rua da Alfândega, pela proximidade com a sede do serviço alfandegário, em 1872 esse logradouro foi denominado rua Conde D’Eu.

Proclamada a República, teve seu nome retornado para rua da Alfândega. A partir de 1920, estendendo-se então da Escadaria Bárbara Lindenberg (do Palácio do Governo do Estado) à praça Costa Pereira, passou a chamar-se avenida Jerônimo Monteiro (8), em homenagem ao ex-Governador do Estado (gestão 1908 a 1912).

Sobre a ocupação da avenida no curso de 1915 a 1940, o historiador Elmo Elton (9) cita notáveis negócios, especialmente comerciais e de serviços. Para aquinhoar a importância da avenida, vale recorrer a um dos documentos denominados Inventário do Imóvel de Interesse de Preservação, desenvolvidos pela equipe da Coordenação de Revitalização Urbana da Secretaria Municipal de Desenvolvimento da Cidade e Habitação. Exemplifica-se, aqui, com o inventário do Edifício Michelini, imóvel identificado como de Interesse de Preservação, codificado como I 146, no Programa de Identificação de Imóveis da Coordenação de Revitalização Urbana da Gerência de Projetos Urbanísticos da Secretaria Municipal de Desenvolvimento da Cidade e Habitação — Sedec/GPU/CRU.

“Um novo momento se apresentou com os governos desenvolvimentistas da segunda metade do século 20, expresso pela inserção dos primeiros edifícios modernistas na paisagem da cidade. O entorno da praça Costa Pereira e os novos terrenos oriundos dos aterros realizados ao longo das margens da Baía de Vitória, receberam a nova tipologia arquitetônica que marcou o início da verticalização no Centro da Cidade” (10).

Posteriormente, no tecido que veio a ser rasgado pela avenida moderna, vieram a se implantar os primeiros edifícios verticalizados modernistas da cidade. Para isso, foi decisiva a entrada de jovens arquitetos no mercado profissional de arquitetura em Vitória. Assim como observado na capital, no Espírito Santo, o Movimento Moderno situa-se na segunda metade do século 20.

Diante do exposto, esta pesquisa centra-se nas seguintes perguntas: seria pertinente, ou não, a tutela municipal desses edifícios? Que instrumentos poderiam intervir na conservação integrada e eventual ressignificação dos edifícios em questão?

No campo teórico, cumpre adiantar que o conceito de conservação integrada adotado aqui é o formulado por Jukka Jokilehto: a que “é alcançada pela aplicação de técnicas de restauração sensíveis e pela escolha correta de funções apropriadas no contexto de áreas históricas, levando em conta a pluralidade de valores, tanto econômicos como culturais, e visando julgamentos equilibrados” (11). Igualmente, entende-se a conservação integrada como um fator para o desenvolvimento culturalmente sustentável, que, conforme Jokilehto, “implica desenvolvimento baseado em valores e ideias compartilhados e nos padrões intelectuais, morais e estéticos da comunidade” (12).

Consoante o referencial de Jokilehto, e movido pelas questões já citadas, este artigo visa verificar a adequação do Programa de Identificação de Imóveis da Prefeitura de Vitória na salvaguarda dos quatro prédios, sua eficácia, e refletir sobre a necessidade de uma eventual ressignificação dos imóveis.

Para tanto, acionam-se os seguintes recursos: 1. O estudo do quarteto das edificações da avenida Jerônimo Monteiro na historiografia do Modernismo no Sudeste; 2. A análise da qualidade arquitetônica do acervo e de sua contribuição para o patrimônio arquitetônico da cidade; 3. Os ganhos ou perdas decorrentes de medidas tutelares municipais para a conservação e ressignificação do recorte.

Seguida essa metodologia, conclui-se pelo comentário sobre a eficácia dos parâmetros legais para a conservação dos quatro prédios, e as decorrentes possibilidades para suas ressignificações no âmbito do Centro da Cidade.

O modernismo arquitetônico no Sudeste e sua entrada no Centro de Vitória

Nas capitais do Sudeste houve um clima cultural para preparar o ambiente modernista: em São Paulo, projetos inovadores como os de Warchavchik foram efetivamente construídos segundo o ideário modernista; no Rio de Janeiro, um prédio modernista icônico, o atual Edifício Capanema, projetado por nomes luminares brasileiros da arquitetura e do urbanismo modernos, e com a participação de Le Corbusier; em Minas Gerais, um conjunto exemplar do pensamento e da estética modernistas na arquitetura, na pintura, na escultura, no paisagismo e na azulejaria — o conjunto da Pampulha, hoje Patrimônio Mundial pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura — Unesco (13).

Em Vitória, não aconteceu nada da natureza do que foi citado acima sobre as capitais destacadas. Aqui, para a instauração do atual acervo modernista, foi determinante o efeito da construção de prédios públicos com novas linhas, técnicas e mão de obra, como explica Teixeira:

“A construção de prédios públicos promoveu a verticalização e difundiu o uso do concreto armado no Espírito Santo. Funcionou como um experimento de laboratório, que pode ter servido para abrir caminho para a chegada da iniciativa privada. Admite-se que esse tipo de construção promoveu, em novas bases, o adestramento de trabalhadores e engenheiros e serviu para testar a regularidade do fornecimento de material de construção para as obras” (14).

Além disso, a volta a Vitória de jovens que, em sua maioria, foram estudar Arquitetura na então Faculdade Nacional de Arquitetura da Universidade do Brasil (atual Universidade Federal do Rio de Janeiro — UFRJ) foi um fator importante para surgimento do Modernismo capixaba.

Entre esses estudantes, estavam: Elio de Almeida Viana, Maria do Carmo Novaes Schwab, Marcello Vivacqua e Dirceu Carneiro. Esses profissionais recém-formados ajudaram a propiciar a entrada do Modernismo no acervo arquitetônico da capital capixaba, até então majoritariamente eclético. A participação desses arquitetos no processo de entrada do movimento no Espírito Santo é assim aquilatada em estudo de Clara Miranda:

“A Arquitetura Moderna foi introduzida no ES mediante atuação de profissionais que, em sua maioria, se formaram no Rio de Janeiro. A difusão significativa dessa arquitetura ocorreu na gestão do governador Jones Santos Neves (1951-1955), que visava à criação de condições de industrialização e modernização do ES. Partidário de Vargas, Jones alinhou-se com o princípio de racionalização da Arquitetura Moderna. O governo Santos Neves se cercou de um staff de assessores competentes, entre eles, os arquitetos Francisco Bolonha, Ary Garcia Roza, Elio de Almeida Viana e Marcello Vivacqua. Após o governo de Jones, ainda atuaram na Divisão de Obras Públicas do Estado Maria do Carmo Novaes Schwab e Dirceu Carneiro, que integraram o grupo capixaba de arquitetos modernos que operou até os anos 1980-1990” (15).

Ainda sobre os governos que se alinharam com o modernismo em arquitetura, vale citar o de Carlos Lindenberg, como explica o documento Inventário do Imóvel de Interesse de Preservação, no excerto abaixo reproduzido.

“Na intenção de diversificar a economia, Carlos Lindenberg e Jones Santos Neves, governadores do Estado na década de 1950, assumem como linguagem arquitetônica a arquitetura modernista, modificando a paisagem urbana através da verticalização do cenário capixaba” (16).

Por fim, cabe situar temporalmente a formação desses arquitetos na Faculdade Nacional de Arquitetura, no Rio de Janeiro: Elio de Almeida Viana ali estudou entre 1943 e 1947; Maria do Carmo Schwab entre 1949 e 1953; e Marcello Vivacqua se graduou em 1952. Destaca-se que os prédios que serão adiante analisados, das décadas 1950 a 1970, foram construídos desde o início dos anos 1950, portanto, pouco tempo depois da formatura de alguns de seus arquitetos.

Situada em um arquipélago, Vitória é uma cidade de água e pedras que cresceu por aterros ganhos ao mar. Com o seu Centro não foi diferente disso. A implantação inicial da cidade beirou a Baía de Vitória e adaptou-se ao relevo, marcado, sobretudo, pelo Maciço Central. Muito posteriormente, o lugar histórico foi ampliado com aterros, como o da Esplanada Capixaba.

Isso posto, passa-se à caracterização arquitetônica dos prédios do recorte, seguindo a ordem cronológica de seus anos de construção. O roteiro de descrição é desenvolvido pelos seguintes tópicos: breve histórico; caracterização arquitetônica; estado atual; código do edifício no Programa de Identificação de Imóveis desenvolvido na Sedec/GPU/CRU.

Edifício Michelini: breve histórico

Antigo Palácio do Café, ou Centro de Comércio do Café, insere-se na história da riqueza da indústria no Espírito Santo, tal como outrora, a riqueza do café propiciara um acervo do Ecletismo em Vitória e no interior do estado. Inicialmente projetado por Elio de Almeida Viana (1921-2009), este prédio foi terminado em 1962, conforme um segundo projeto, datado de 1955, de autoria de Alfredo Simões. Simões aproveitou soluções de planta do projeto inicial de Viana, em especial a galeria e a relação do pavimento térreo com a praça Costa Pereira e a avenida. Já a solução de fachadas é bem diferente, pois os pavimentos superiores aos pavimentos-tipo, foram acrescentados no projeto de Simões, sendo o prédio hoje existente resultado desse segundo projeto.

Caracterização arquitetônica

Esta caracterização se pauta pelos seguintes aspectos, ordenadores da abordagem para todos os prédios do recorte: volumetria; plástica; ritmo; outros aspectos relevantes. A primeira análise do edifício Michelini é a de sua fachada para a praça Costa Pereira.

O edifício tem doze pavimentos, é prismático, conformado por um eixo central, constituído por uma galeria que cruza o prédio interligando dois logradouros importantes do Centro da Cidade: a praça Costa Pereira e a avenida Jerônimo Monteiro. Sua cobertura é em telhado na forma de borboleta, visível do exterior da construção.

Com duas fachadas, uma para cada logradouro, o prédio tem duas concepções plásticas distintas. Na fachada para a praça Costa Pereira, encontram-se materiais largamente usados no modernismo, tais como concreto aparente (brises), esquadrias de vidro liso transparente, sendo as da parte mais baixa do corpo principal protegidas por brises horizontais.

Na fachada para a praça Costa Pereira, a composição é tripartite: pilotis/corpo principal/coroamento, cada qual com uma modulação diferente — o térreo em pórtico de mármore preto; o corpo principal com brises verticais acompanhando a largura das janelas; o coroamento com grelha quadriculada, acompanhando o desenho das esquadrias, protegendo da mais forte insolação. Entre os brises verticais e as grelhas, há uma faixa de elementos vazados tubulares.

O prédio foi projetado como um edifício galeria, o primeiro desta tipologia na cidade.

Fachada do edifício Michelini para a praça Costa Pereira, Vitória ES
Foto divulgação, 2019 [Sedec/GPU/CRU]

Edifício Michelini, galeria do para a praça Costa Pereira, Vitória ES
Foto divulgação, 2019 [Sedec/GPU/CRU]

A segunda análise é para a fachada da avenida Jerônimo Monteiro.

Conforme o já citado volume prismático do edifício de 12 pavimentos, a volumetria não se altera na sua face para a avenida. A composição, aqui, não desvela o pavimento de cobertura. Além disso, não há ressaltos nem prismas recuados, mantendo-se esta fachada laminar.

Totalmente diverso do tratamento da fachada para a Costa Pereira é o de sua face para a avenida Jerônimo Monteiro. Esta face tem nos vãos de esquadrias o fator de texturização: são esquadrias de madeira, de dimensões horizontais maiores que as verticais, formando retângulos que têm seus peitoris de alvenaria pintados na cor amarela.

Além disso, o prédio é pautado pela relação cheios x vazios, com o uso de esquadrias mais horizontais, marcando o ritmo da composição, que, não desvelando o pavimento de cobertura, mostra-se com tratamento uniforme do pano da fachada.

Por sua composição bipartida, seus grandes vãos de esquadrias e desprovida de tratamento diferenciado de texturas, a fachada para a avenida Jerônimo Monteiro dá a falsa impressão de ser da época atual.

Edifício Michelini, fachada para a avenida Jerônimo Monteiro, Vitória ES
Foto divulgação, 2021 [Sedec/GPU/CRU]

Estado atual

Hoje em dia, o prédio está em funcionamento e apresenta estado regular de conservação, necessitando de pintura.

Catalogação na Prefeitura

No Programa de Identificação de Imóveis da Sedec/GPU/CRU, o Edifício Michelini é identificado como de interesse de preservação, sendo o seu código o I 146.

Edifício Ouro Verde: breve histórico

Denominado pela alcunha do café no Espírito Santo, “Ouro Verde”, seu primeiro projeto seguia o estilo Protomoderno, traçado pelo projetista Joel da Escossia (sic), aprovado em 25 de janeiro de 1952. Posteriormente, em 22 de novembro de 1955, foi aprovado novo projeto, este de linhas modernistas, por Marcello Vivacqua, o qual será detalhado no tópico seguinte.

Caracterização arquitetônica

O projeto de Vivacqua previa um prédio de dez andares, sendo o térreo uma loja, e os andares superiores, pavimentos-tipo de salas, sua composição é bipartida: térreo e corpo central com pavimentos-tipo. Adaptada ao terreno na forma de losango, pouco convencional no tecido da cidade, o edifício evidencia o modus operandi da construção modernista, ali implantada sobre os terrenos estreitos que marcam a configuração das quadras na avenida Jerônimo Monteiro.

Sua única fachada, a da avenida Jerônimo Monteiro, é pintada na cor verde, em consonância com o nome do edifício, e apresenta esquadrias de vidros lisos, transparentes.

Com a fachada destituída de ornamentos, marcadas por janelas em fita (fenêtre en longueur, de influência corbusiana) protegidas por brises sinuosos, horizontais, faz pensar no edifício Niemeyer (Belo Horizonte, 1954-1960), projetado por Oscar Niemeyer

A presença de quebra-sóis (brise-soleil, também influxo corbusiano) demonstra a preocupação modernista em dotar o espaço de luz natural e protegê-lo das radiações solares diretas, promovendo o melhor aproveitamento das condições naturais. Veja-se que no caso deste prédio, os quebra-sóis são os elementos curvos que concedem sinuosidade à fachada para a avenida Jerônimo Monteiro.

Edifício Ouro Verde, fachada para a avenida Jerônimo Monteiro, Vitória ES
Foto Eliane Lordello, 2021 [Sedec/GPU/CRU]

Estado atual

Na atualidade, o prédio se encontra em bom estado de conservação, ocupado e em funcionamento. Sua fachada inteiramente voltada para essa avenida ainda se destaca, graças à marcante sinuosidade dos brises, não usados em outros prédios modernistas do entorno.

Catalogação na Prefeitura

No Programa de Identificação de Imóveis, o Ouro Verde é pré-identificado como de interesse de preservação, codificado como P090.

Edifício Rural Bank: breve histórico

Projetado por Dirceu Carneiro em 1962, tendo como construtor o engenheiro Chrisógono Teixeira da Cruz, o prédio foi inaugurado em 30 de dezembro de 1967. Comemorou cinquenta anos de existência em 2017, com profissionais que ainda nele atuavam desde sua inauguração, como o dentista Cleto José Firme da Silva (17). Ocupando toda a extensão do lado menor da praça Oito de Setembro, entre as Avenidas Jerônimo Monteiro e Governador Bley, o prédio inaugurou a verticalização do local, e com suas monumentais situação e dimensão, se sobressai ao marco da praça — o Relógio tombado pelo Conselho Estadual de Cultura.

Edifício Rural Bank e relógio: foto anterior à reforma da praça Oito de Setembro
Imagem divulgação, s/d [Instituto Jones dos Santos Neves]

Caracterização arquitetônica

O edifício tem 22 pavimentos, voltados para três logradouros: avenida Jerônimo Monteiro, praça Oito de Setembro, avenida Governador Bley.

Portanto, tem três fachadas, e essas são bastante diferentes entre si, valorizando o prisma, com arestas vivas, e outras com concordâncias curvilíneas. O partido arquitetônico é tripartido, com térreo em pilotis, mezanino em todas as faces, e corpo principal com grelhas de esquadrias de dimensões horizontais predominantes.

A face para a avenida Jerônimo Monteiro é marcada por brises horizontais, e revestimento em pastilhas verdes. A face para a praça Oito de Setembro é pautada pela relação das esquadrias com a estrutura, criando um jogo de cheios (estrutura), marcados pela cor verde das pastilhas, e vazios (esquadrias) transparentes. A face para a avenida Governador Bley é também marcada pela estrutura, aqui na cor marrom, e pelas esquadrias em vidros transparentes.

Pautado pela tripartição da volumetria e marcado também pelos brises, as esquadrias e o uso das cores, o ritmo é diferenciado nas três fachadas, enriquecendo a composição volumétrica e plástica do edifício.

Com seus 22 pavimentos, o edifício Rural Bank foi um dos primeiros arranha-céus de Vitória.

Edifício Rural Bank, fachada para a avenida Jerônimo Monteiro, Vitória ES
Foto Eliane Lordello, 2021 [Sedec/GPU/CRU]

Edifício Rural Bank, fachada para a praça Oito de Setembro, Vitória ES
Foto Eliane Lordello [Sedec/GPU/CRU]

Edfício Rural Bank, fachada para a avenida Governador Bley, Vitória ES
Foto divulgação, 2021 [Sedec/GPU/CRU]

Estado atual

Hoje, o térreo e o mezanino do edifício são ocupados pela agência central do Banco do Estado do Espírito Santo — Banestes. Os pavimentos superiores são divididos em salas comerciais/serviços. O Edifício Rural Bank está em bom estado de conservação, ocupado e em funcionamento.

Catalogação na Prefeitura

No Programa de Identificação de Imóveis, o Edifício Rural Bank é pré-identificado como de interesse de preservação, sendo codificado como P111.

Edifício das Repartições Públicas: breve histórico

Inaugurado em 1962, foi projetado em 1951 pelo arquiteto cachoeirense Ary Garcia Roza com linhas modernistas (18). Formado em 1934 na Escola Nacional de Belas Artes, no Rio de Janeiro, Roza (sic) foi um autêntico e reconhecido modernista, ao lado de seus pares Roberto Burle Marx, Affonso Eduardo Reidy, Oscar Niemeyer, Lucio Costa, Marcelo e Milton Roberto. Autor de projetos em vários estados, Garcia Roza notabilizou-se na construção de Brasília, com o projeto do edifício da sede pioneira do Banco do Brasil. Posteriormente, nos anos 1970, atuou em planos urbanísticos, para municípios do Rio de Janeiro, Minas Gerais, Paraná e Espírito Santo.

Caracterização arquitetônica

O Edifício das Repartições Públicas tem nove pavimentos, duas fachadas, uma para a avenida Jerônimo Monteiro e outra para a avenida Governador Bley. Sua composição é bipartida: o térreo em pilotis, e o corpo principal massivo, compondo um bloco pesado, por suas dimensões e forma, sobre a leveza dos pilotis.

Seu partido arquitetônico valoriza a estrutura de concreto aparente, a modulação, os brises aplicados em grelha sobre as janelas da fachada para a avenida Jerônimo Monteiro, e a marcação das esquadrias os acompanha.

Na fachada da avenida Jerônimo Monteiro, o ritmo é pautado pela marcação de esquadrias e brises; na da avenida Governador Bley, é pautada pelo ritmo das aberturas das janelas livres privilegiando a insolação para o sol da manhã.

Originalmente projetado com o térreo em vão livre, com pilotis, permitia atravessar a quadra deslindando a vista para a Baía de Vitória.

Edifício das Repartições Públicas, fachada em construção na avenida Jerônimo Monteiro, Vitória ES
Foto divulgação [Sedec/GPU/CRU]

Edifício das Repartições Públicas, vista do prédio concluído na avenida Jerônimo Monteiro, 1962, Vitória ES
Foto divulgação [Sedec/GPU/CRU]

Insta acrescentar que este prédio adota soluções arquitetônicas que refletem cinco cânones corbusianos: planta livre, fachada livre, janela em fita, terraço jardim, pilotis.

Estado atual

Tendo comemorado cinquenta anos no dia 18 de maio de 2021, o prédio está em estado regular de conservação, apresentando várias condensadoras sobre a marquise, sujidades diversas, grades e esquadrias espúrias e muito oxidadas. Cumpre notar que os pilares originalmente revestidos de mármore foram forrados com placas sintéticas de alumínio; que o pavimento de pilotis foi fechado em vidros; e, posteriormente, em 2013, frente à depredação sofrida por manifestantes, o pilotis foi fechado por paredes de alvenaria.

Edifício Repartições Públicas, pilotis fechado na avenida Jerônimo Monteiro, Vitória ES
Foto divulgação, 2021 [Sedec/GPU/CRU]

Edifício Repartições Públicas, pilotis fechado na avenida Governador Bley, Vitória ES
Foto divulgação, 2021 [Sedec/GPU/CRU]

No térreo, destaca-se um painel em afresco desenhado em 1954 por Roberto Burle Marx, e executado em 1955 pelo artista com o auxílio do pintor Aldo Garcia Roza, irmão do arquiteto Ary Garcia Roza. Com linhas cubistas, o painel testemunha a passagem de seu autor da pintura figurativa para a de abstração. O painel foi tombado em definitivo pelo Conselho Estadual de Cultura — CEC, por meio da Resolução de número 01/85.

Edifício Repartições Públicas, painel de Burle Marx, Vitória ES
Foto divulgação, 2021 [Sedec/GPU/CRU]

Catalogação na Prefeitura

O Edifício das Repartições Públicas ainda não está no Programa de Identificação de Imóveis da Prefeitura de Vitória, mas sua salvaguarda e inclusão é proposta aqui, pelo que, passa-se agora à abordagem do programa acima referido.

O Programa de Identificação de Imóveis e sua aplicabilidade aos edifícios modernistas do Centro de Vitória

Vitória possui um relevante conjunto arquitetônico-histórico que representa os séculos 16, 17, 18 e 19, destacando-se o acervo do princípio do século 20 até meados do mesmo século. Cerca de 86% deste acervo, coeso e representativo da produção capixaba, encontra-se na área central do município, e em profusão na avenida Jerônimo Monteiro.

Apesar da importância da área central no acervo capixaba, há muito tempo espaços e imóveis de grande valor histórico e arquitetônico não são percebidos em sua totalidade pela população. Isso provavelmente ocorre ou por desconhecimento, ou porque tais prédios não são abertos à visitação pública, ou por não estarem articulados entre si por um programa de visitas guiadas. Comprometidos em sua ambiência pelas alterações físicas sofridas pelo território e pela perda de destaque na paisagem, esses conjuntos arquitetônicos vêm passando desapercebidos. Isso denota descaso com os bens, gerando precariedade na sua conservação.

Visando resguardar a memória histórica cultural do Munícipio, refletida nas diversas camadas de tempo consolidadas no seu território, e buscando propiciar a permanência de seu diversificado acervo arquitetônico, foi criado o Programa de Identificação de Imóveis, pela Prefeitura de Vitória. Para compreender esse processo, é necessário recapitular os planos diretores urbanos da cidade.

O município de Vitória teve quatro planos diretores urbanos: PDU/1984 (Lei 3158); PDU/1994 (Lei 4167); PDU/2006 (Lei 6705); PDU/2018 (Lei 9.271). A seguir, sintetiza-se cada um desses planos, por suas iniciativas legais referentes ao Patrimônio Histórico Cultural de Vitória.

PDU/1984 (Lei 3158): primeiro Plano Diretor Urbano de Vitória, introduziu políticas e ações para preservação do patrimônio histórico e cultural e elencou alguns bens de interesse sociocultural que deviam ser preservados pelo Município, por constituírem elementos representativos do patrimônio ambiental urbano de Vitória. Foram salvaguardados 37 imóveis utilizando-se os instrumentos de proteção à época existentes: a identificação como de interesse de preservação e a salvaguarda municipal, com base em critérios de escolha e avaliação continuada dos imóveis. Cabem aqui dois adendos:

1. Em 1986/1987, um projeto de graduação do Curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Espírito Santo — Ufes, levantou as primeiras discussões sobre a necessária política efetiva de revitalização da área central, que já apresentava problemas. Desde essa época, a administração municipal interessou-se pelas questões relacionadas ao Centro, contratando a equipe recém-graduada.

2. Na administração municipal de 1993-1996, o projeto, a cargo da Companhia de Desenvolvimento de Vitória — CDV, tomou novos rumos. Foi elaborado um plano de trabalho, tendo por premissas básicas a melhoria de qualidade de vida, a valorização histórico-cultural do bairro Centro, a conscientização da sociedade e seu envolvimento no processo. O professor Nestor Goulart Reis Filho, da Universidade de São Paulo — USP, foi contratado como consultor, e seu "Parecer sobre a Revitalização do Centro de Vitória" foi adotado como ponto de partida da definição de um plano de ações.

PDU/1994 (Lei 4167): segundo Plano Diretor Urbano, incorporou e revisou o conteúdo do anterior, atendendo diretrizes do Programa de Revitalização do Centro. O “Programa de Identificação de Imóveis”, recém-instituído, visava identificar os imóveis passíveis de preservação, objetivando sua recuperação por meio dos instrumentos legais disponíveis no teor desse PDU. O programa tomou forma a partir da constituição e consolidação de um fórum de debates integrado por representantes de diferentes instituições. A seleção dos imóveis ancorava-se nos critérios de avaliação estabelecidos na nova legislação, que se assemelhavam aos já instituídos na anterior. Na primeira etapa, foi realizada uma pré-identificação dos imóveis, cujo mérito era avaliado e pontuado segundo estes critérios: historicidade; qualidade arquitetônica; representatividade do bem e seu entorno; qualidade construtiva; presença na paisagem.

PDU/2006 (Lei 6705): terceiro Plano Diretor de Vitória, revisou e ampliou a legislação anterior, e diferenciou dois tipos distintos de salvaguarda dos bens: “identificação como de interesse de preservação” e “tombamento”. Estabeleceu efeitos para os instrumentos de proteção, regulamentados posteriormente pelo Decreto 13.281/2007, e aperfeiçoou o processo administrativo. Aqui também cabem dois adendos:

1. No ano de 2008, instituiu-se o Decreto 14.072, que concede o benefício de isenção de Imposto Predial Territorial Urbano — IPTU aos imóveis salvaguardados por lei que se encontravam em bom estado de conservação.

2. Em 2016, o município estabeleceu um marco legal visando à preservação e à valorização dos imóveis de interesse de preservação da capital, a Lei 9006/2016, que dispõe sobre a ordenação dos meios de divulgação de mensagem, buscando conciliar os anseios do mercado com a necessária despoluição visual de território e acervo.

PDU/2018 (Lei 9.271): quarto e vigente Plano Diretor Urbano de Vitória, aperfeiçoou o processo administrativo para a identificação como de interesse de preservação e tombamento municipal, e estabeleceu sanções para o descumprimento da salvaguarda dos bens. Pôs cerca de quatrocentos imóveis de interesse histórico-cultural na cidade, mapeados nos PDUs anteriores, 185 já protegidos pela lei de 2018. Ao todo, são 45 edificações tombadas, assim dispostas: quatorze pelo Município, 25 pelo Estado, seis pelo Governo Federal. Ademais de 140 edificações legalmente identificadas como de interesse de preservação, visando garantir a preservação da integridade física do imóvel, incentivar sua recuperação e usos compatíveis.

Atualmente, a cidade de Vitória tem 192 imóveis protegidos por legislação, sendo quatro deles modernos (dois tutelados pelo Estado e dois pelo Município). O último levantamento realizado pela Prefeitura, no ano de 2018, apontou a existência de 82 imóveis modernistas na cidade de Vitória ES.

Apesar do que dispõem os quatro PDUs, a efetiva preservação dos bens comumente esbarra com estes problemas: dificuldades econômicas dos proprietários para realizar as manutenções e/ou intervenções; adiantado estado de deterioração; necessidade de atualização, adequando o bem a demandas contemporâneas de segurança, acessibilidade, conforto, e adaptação a novos usos quando necessário.

Outros desafios: a necessidade de encontrar meios que garantam a vitalidade do acervo no presente e no futuro; o anseio em equacionar a proteção do patrimônio cultural; a expansão urbana; e a dificuldade em envolver guardiões e interessados no desenvolvimento do habitat com qualidade sustentável. Outros aspectos de suma importância nos dias de hoje são: como valorar os testemunhos da memória coletiva que se pretende preservar, registrar, reconhecer, manter; respeitar a propriedade, e escolher coletivamente? Isso tudo leva a reavaliações do Programa de Identificação, para compreender sua real eficácia na preservação do acervo, possibilitando identificar as lacunas, os obstáculos e, principalmente, ajustar os rumos do processo.

No caso de edificações mais recentes, a salvaguarda legal do acervo se torna ainda mais laboriosa. A dificuldade introdutória é a falta de reconhecimento da importância do acervo por parte dos cidadãos. Manifestações arquitetônicas como o Modernismo, cujo marco temporal é bastante curto em relação à atualidade, enfrentam dificuldades de reconhecimento como patrimônio cultural, até mesmo por seu vocabulário permanecer no repertório da arquitetura contemporânea.

A produção modernista local como patrimônio histórico é ainda pouco reconhecida pelos cidadãos, e as suas possiblidades de adequação a novos usos persiste ignorada pela população, podendo levar a apagamentos dos bens. Infelizmente, isso está vinculado ao baixo conhecimento da população acerca dos programas municipais de valorização desses imóveis. O comparecimento a atividades culturais e de lazer no Centro de Vitória ainda é, em sua maioria, da população residente no Centro.

Há algumas décadas, a área central não tem sido alvo do mercado imobiliário, resultando na permanência do acervo, porém com gradual enfraquecimento de sua materialidade pela falta de manutenção, levando as edificações a condições físicas desfavoráveis e dispendiosas. Observa-se, gradualmente, a realização de intervenções que descaracterizam os imóveis, às vezes de modo irreversível.

Do ponto de vista técnico, os quatro prédios atendem aos critérios para a propositura de salvaguarda dos imóveis, a saber:

  • Representam uma arquitetura possibilitada pelo novo ciclo econômico, que coincide com a erradicação dos cafezais ocorrida na década de 1960: o Ciclo Industrial. Portanto, representam uma nova arquitetura para uma nova era, um novo ciclo econômico para um novo período, que necessitava de uma nova face, visto que a arquitetura eclética era vinculada ao ciclo do café.
  • Caracterizam-se, em termos de arquitetura, por projetos dos primeiros arquitetos modernistas em atuação na cidade, que seguiram fundamentos modernistas tais como: térreo em pilotis; planta livre; estrutura legível; e implantação urbana na primeira avenida retilínea do Centro da Cidade, a Jerônimo Monteiro.
  • Apresentam bom estado de conservação, e as atividades neles sediadas, de comércio e serviços, estão em funcionamento. Suas eventuais descaracterizações são de fácil reversão.
  • São representantes valorosos da Arquitetura Moderna, como mostraram as suas respectivas caracterizações, e apresentam aspectos do modernismo até então não disseminadas no Centro da Cidade. Na atualidade, permanecem muito distintos dos que vieram a ser posteriormente construídos na avenida.
  • Persistem, na memória coletiva (flagrável nos jornais de época e no depoimento dos mais antigos) por sua conservação, apesar de algumas alterações; e por continuarem em funcionamento. A avenida decaiu muito desde os anos 1980, sendo hoje ocupada majoritariamente por um comércio precário. Não obstante, os prédios deste recorte permanecem, na apreensão popular, como centros importantes de negócios.
  • Refletem até hoje sua concepção moderna, associando-se a valores culturais, tais como: modernidade, permanência, manifestações estilísticas, proximidade com antigos cinemas (hoje desaparecidos da avenida).
  • Apresentam valor paisagístico por sua qualidade visual ímpar, seja por sua concepção arrojada para a época, seja por assomarem verticalmente em uma avenida ainda muito marcada pelos prédios ecléticos.
  • A monumentalidade desses prédios tidos até hoje como arranha-céus, por sua concepção arrojada para a época, vincula-os à riqueza da economia industrial, simbolizando o progresso.

Demonstrados os parâmetros e suas justificativas vinculadas à pertinência da salvaguarda dos quatro prédios, cabendo a proteção pelo grau de proteção integral secundária — GP2, destinado, conforme o PDU vigente, às edificações que “por sua importância histórica e sociocultural, devem ser objeto, no seu exterior, de restauração total, incluindo fachadas e cobertura e, no seu interior, de adaptação às atividades desde que não prejudiquem seu exterior.” Este grau, aplicado aos quatro prédios, possibilitará os seguintes benefícios: a manutenção da volumetria; as adaptações internas para o seu bom funcionamento, quando necessário; as mudanças para melhor atender às atividades de comércio e serviço. Igualmente, assim protegidos, poderão ser objeto de eventuais ressignificações.

Em face do exposto, não há dúvidas sobre a pertinência da inclusão dos quatro edifícios no “Programa de Identificação de Imóveis,” no entanto, há que se fazer um questionamento recorrente escutado nas repartições públicas e conselhos: “Que vantagem traz a salvaguarda?”

Para respondê-la, pode-se contrapor os seguintes préstimos: a importância do bem para paisagem urbana; a assistência pelos técnicos da Municipalidade, disponíveis para orientar as intervenções necessárias, ou propostas pelos interessados; o benefício da isenção parcial ou total do IPTU, quando da manutenção e boa conservação dos imóveis.

Considerações finais: possibilidades, ressignificação e conflitos no acervo modernista do Centro de Vitória

Do ponto de vista da conservação integrada, no caso do patrimônio modernista do Centro da Cidade, o Programa de Identificação de Imóveis atende aos seus preceitos. Em primeiro lugar, porque os edifícios modernistas deste recorte mantêm características e linhas modernistas plenamente atendíveis por um restauro reabilitador de seus traços, ainda muito presentes.

Destarte, atendem aos preceitos da conservação integrada por apresentarem destinações apropriadas a um centro de cidade em que as históricas funções de comércio, serviços e habitação ainda estão ativas. Por fim, os prédios do recorte são, desde seus projetos, multifuncionais, o que era novidade na época de suas construções.

Lembrando que a conservação integrada do patrimônio histórico e cultural é aqui tomada como um princípio do desenvolvimento culturalmente sustentável, entende-se que o Centro da Cidade terá ganhos com a tutela legal dos quatro edifícios. Serão proveitos tais como: a conservação orientada dos quatro edifícios, com a participação dos técnicos municipais; a valorização da avenida Jerônimo Monteiro, como locus desse patrimônio; o efeito demonstrativo que a conservação dos quatro prédios pode causar aos demais edifícios modernistas da avenida e do Centro da Cidade; a possível entrada desse repertório moderno na educação patrimonial no Centro da Cidade, que já conta com programas de visitas guiadas.

Passando a integrar o circuito de prédios nos programas de visitas guiadas no Centro de Vitória, os quatro edifícios valorizarão o patrimônio arquitetônico moderno ali, demonstrando também a variedade de estilos presentes no Centro da Cidade. Guardadas as obrigatórias proporções, conclui-se que assim como acontece nos maiores centros urbanos do Sudeste, os edifícios modernistas capixabas podem ter sua longevidade garantida. Para tanto, do ponto de vista técnico, a sua tutela e as devidas medidas de conservação são cruciais.

Recentemente vêm surgindo no Centro cafés literários, editoras, restaurantes, bares temáticos musicais (Rock, Samba, MPB), que têm incluído o chamado “Centro Histórico” em seu material de marketing. São iniciativas de microempresários, que aos poucos vêm atraindo pessoas de outros bairros interessadas na vida cultural do lugar. A exemplo disso, vários grupos de leitura da cidade de Vitória, reúnem-se, preferencialmente, nos cafés do Centro da Cidade. Entre eles, constam os grupos Leia Capixabas, Lendo Clássicos Brasileiros, Leia América Latina, Leia Mulheres, todos reunindo-se em cafés da rua Gama Rosa, e da rua do Rosário. Esse movimento literário pode ser apontado como uma ressignificação da área central como um centro cultural de território. Vale acompanhar este processo de perto, pois ele indica novos caminhos para a conservação integrada do acervo arquitetônico do Centro de Vitória.

notas

NA — As autoras agradecem a cooperação dos colegas de Secretaria Municipal de Desenvolvimento da Cidade, Felipe José Couto e Carmem Brunoro para a realização deste trabalho. Muito obrigada!

1
Para Carlos Eduardo Comas não haveria dúvidas de que o pioneirismo caberia aos cariocas capitaneados por Lúcio Costa e debate teria sido ideológico e "bairrista”, tendo por origem a interpretação feita Geraldo Galvão Ferraz da obra de Warchavchik e do papel desempenhado por este arquiteto.

2
BRUAND, Yves. Arquitetura contemporânea no Brasil. São Paulo, Perspectiva, 2002.

3
SEGAWA, Hugo; PUPPI, Marcelo. Por uma história não moderna da Arquitetura. São Paulo, Pontes, 1998; ANELLI, Renato, GUERRA, Abílio; KON, Nelson. Rino Levi: Arquitetura e Cidade. São Paulo, Romano Guerra, 2001.

4
MARQUES, Sonia; NASLAVSKY, Guilah. Eu vi o modernismo nascer… foi no Recife. Arquitextos, ano 11, n. 131.02, Vitruvius, São Paulo, abr. 2011 <https://bit.ly/3G34oI9>.

5
BASTOS, Maria Alice Junqueira; ZEIN, Ruth Verde. Brasil: arquiteturas após 1950. São Paulo, Perspectiva; 2019.

6
COHEN, Jean-Louis. O futuro da arquitetura desde 1889: uma história mundial. São Paulo, Cosac & Naify, 2013; FOSTER, Hal. O complexo arte-arquitetura. São Paulo, Cosac Naify, 2015.

7
MARQUES, Sonia; NASLAVSKY, Guilah. Estilo ou causa? Como, quando e onde? Os conceitos e limites da historiografia nacional sobre o Movimento Moderno. Arquitextos, São Paulo, ano 01, n. 011.06, Vitruvius, abr. 2001 <https://bit.ly/3wARBIB>.

8
ELTON, Elmo. Logradouros antigos de Vitória. Vitória, Instituto Jones dos Santos Neves, 1986.

9
Idem, Ibidem, p. 149.

10
PREFEITURA MUNICIPAL DE VITÓRIA. Inventário do imóvel de interesse de preservação. Vitória, Prefeitura Municipal de Vitória, 2009, p. 92.

11
JUKILEHTO, Jukka. et al. Gestão do patrimônio cultural integrado. Recife, Editora UFPE, 2002, p. 11-19.

12
Idem, ibidem.

13
Cf. Pampulha Modern Ensemble. Unesco, Paris, s/d.

14
CAMPOS JÚNIOR, Carlos Teixeira de. História da construção e das transformações da cidade. Vitória, Cultural ES, 2005, p. 40.

15
MIRANDA, Clara Luiza. A arquitetura moderna brasileira: experiência e expectativa de modernização do Espírito Santo. Anais do 9º Seminário Docomomo Brasil: interdisciplinaridade e experiências em documentação e preservação do patrimônio recente, Brasília, jun. 2011 <https://bit.ly/3PxfJo3>.

16
PREFEITURA MUNICIPAL DE VITÓRIA. Inventário do imóvel de interesse de preservação I 146. Vitória, Prefeitura Municipal, 2010.

17
Cf. Capixapédia <https://bit.ly/38xBaoI>.

18
Cf. SECRETARIA DA FAZENDA DO ESTADO DO ESPIRITO SANTO. Edifício das Repartições Públicas completa 50 anos preservando sua história. JusBrasil, Salvador, s/d. <https://bit.ly/39HKk28>.

sobre as autoras

Eliane Lordello é arquiteta e urbanista (UFES, 1991), mestre em Arquitetura (UFRJ, 2003) e doutora em Desenvolvimento Urbano na área de Conservação Integrada do Patrimônio Histórico (UFPE, 2008). Servidora pública municipal há 29 anos, atualmente trabalha na Coordenação de Revitalização Urbana da Secretaria Municipal de Desenvolvimento da Cidade. Colaboradora e integrante do Corpo Editorial do portal Vitruvius, publica neste portal desde o ano de 2004.

Anna Karine de Queiroz Costa Bellini é arquiteta e urbanista (2000), especialista em Construções Metálicas (2002), e mestre em Arquitetura e Urbanismo na área de concentração Cidade e Impactos no Território (2014), pela UFES. É coordenadora de Revitalização Urbana na Prefeitura Municipal de Vitória desde 2008 e desde 2007, atua como docente universitária.

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