Antes ou mesmo após ingressar em vida no hall dos grandes nomes do paisagismo internacional, Roberto Burle Marx (1909–1994) contou em raríssimas ocasiões com estima duradoura e respaldo contínuo de mecenas sensíveis, que lhe proporcionaram excepcionais condições para seus voos criativos. Foi o caso de Clemente Fagundes Gomes (1922–1993), que dirigiu um próspero conglomerado de empresas originado a partir da Tecelagem Parahyba, em São José dos Campos, no Estado de São Paulo, e manteve intensas relações de trabalho e amizade com o paisagista-artista, entre as décadas de 1950 e 1990. Clemente lhe deu meios para concretizar, por exemplo, dois projetos que hoje são reconhecidos entre as obras-primas do paisagismo do século 20 — o Parque da Residência em São José dos Campos e a Fazenda Vargem Grande em Areias SP.
Em 2022, quando se comemora o centenário de nascimento de Clemente Gomes, é oportuno resgatar a trajetória desse homem de negócios e patrocinador cultural paulistano, que tinha uma personalidade discreta e avessa a propagandear as iniciativas que financiava. Terceiro dos cinco filhos do casal Maria Augusta Fagundes Gomes (1888-1967) e Olivo Gomes (1882-1957), Clemente nasceu na cidade de São Paulo, em 20 de maio de 1922, três meses após a Semana de Arte Moderna — prenúncio simbólico do grande apoiador da cultura moderna que ele se tornaria dali a alguns anos. Cresceu em meio a uma família culta de investidores, fazendeiros e industriais, que cotidianamente apreciava e financiava obras de artes visuais, paisagismo e arquitetura — caso da moradia à rua Itapeva que seu pai encomendou ao arquiteto Victor Duburgras (1868-1933), projetada em 1922. E assim, desde cedo, Clemente foi se interessando pelas manifestações culturais mais avançadas de seu tempo (1).
Responsável pela compra, atualização e multiplicação da capacidade operacional da Tecelagem Parayba a partir dos anos 1930, Olivo Gomes foi artífice da precursora encomenda familiar que reuniu, no começo dos anos 1950, Rino Levi (1901-1965) e Burle Marx na elaboração da residência e seus primeiros jardins na Fazenda Sant’Ana do Rio Abaixo, em São José dos Campos. Designado pelo pai para administrar tanto a construção da casa quanto a execução do paisagismo, Clemente iniciou nesse momento uma aproximação com o arquiteto e o paisagista, que se transformou em pouco tempo em amizade com ambos. No ano de 1955, a família Gomes mudou-se para a residência, que logo se notabilizou pelo mundo afora como uma das obras-chave da modernidade brasileira, veiculada em diversas revistas, livros e exposições, inclusive como capa do catálogo da retrospectiva que o Museu de Arte Moderna de Nova York dedicou a Burle Marx, em 1991. Trabalhando ao lado de Olivo e sendo preparado para gerir o conjunto de empresas e investimentos da família, Clemente formou-se engenheiro civil pela Escola de Engenharia Mackenzie, em São Paulo SP, e prosseguiu refinando sua bagagem cultural de sentido humanista, marcada por uma ampla gama de interesses, especialmente por jardins, plantas ornamentais e tapeçarias.
Materializando paixões
O desaparecimento de Olivo Gomes, em 1957, fez com que Clemente assumisse aos 35 anos de idade a condução dos negócios, que gravitavam ao redor das fábricas têxteis e empreendimentos agropecuários. Ele não apenas seguiu mas dilatou a visão paterna de gestão empresarial associada ao incentivo à cultura representativa da época, contratando profissionais ligados ao movimento moderno em paisagismo, arquitetura e artes visuais, para desenharem espaços de trabalho, lazer e moradia para si, seus parentes e seus funcionários. Clemente expandiu a Tecelagem Parahyba, transformando-a na principal produtora brasileira de mantas e cobertores de qualidade, que não apenas detinha 70% desse segmento do mercado nacional, mas também exportava para vários países, entre os quais os Estados Unidos, na década de 1970.
Com as finanças andando de vento em popa, Clemente teve notáveis condições materiais para efetivar duas de suas grandes paixões — os projetos de paisagismo e as tapeçarias artísticas. Ele foi um dos mais destacados — senão o principal — mecenas de Roberto Burle Marx, embora certamente teria ojeriza de ser qualificado assim, levando-se em conta seu temperamento low profile. Seja como for, o industrial foi um dos clientes com mais trânsito e intimidade junto ao artista, responsável por lhe proporcionar uma quantidade impressionante e variada de trabalhos, numa atitude sem paralelos em comparação a outros empresários de peso que recorreram aos talentos de Burle Marx, caso de Walter Moreira Salles, Adolpho Bloch e Roberto Marinho, apenas para citar alguns nomes conhecidos. No correr de quase quatro décadas, Clemente encomendou diretamente e fez plantar não somente cinco jardins de médias e grandes dimensões — alguns de alto custo, grande complexidade de implantação e trabalhosa manutenção ao longo do tempo —, mas também financiou a execução de murais cerâmicos em suas residências e ambientes de trabalho, produziu dezenas de tapeçarias de Burle Marx na Indústria de Tear Manual — ITM e custeou catálogos, mostras e edições de gravuras do artista, praticando um singular e ininterrupto mecenato como poucas vezes se teve notícia no Brasil até os dias de hoje.
Clemente Gomes era uma pessoa de hábitos simples, despojada em sua maneira de ser e viver, mas capaz de mover céus e terras quando se tratava de efetivar projetos imaginados por Roberto Burle Marx. No segmento de jardins e murais, o primeiro trabalho que ele solicitou ao paisagista-artista foi possivelmente o mural cerâmico destinado ao posto de combustíveis, em anexo ao galpão de máquinas agrícolas, no conjunto industrial da Tecelagem Parayba, em São José dos Campos. Trata-se de obra produzida no ano de 1960 pela Cerâmica Alabarda, ateliê artístico criado por Giuliana Segre (1911–2009) e Armando Bianco Ferrari (1924–2006). Segre havia trabalhado com Paulo Cláudio Rossi Osir (1890–1959), na Osirarte; e Ferrari estudara cerâmica na Itália, tornando-se posteriormente genro de Rino Levi ao se casar com Bárbara (nascida em 1942), filha única do arquiteto. Um dos mais extensos e significativos murais confeccionados pela empresa de Segre e Ferrari, foi produzido a partir de azulejos crus, os chamados biscuits, provenientes da Cerâmica Matarazzo, esmaltados manualmente e queimadas em forno elétrico na sede da Alabarda, que funcionou entre as décadas de 1950 e 1960 à rua Albuquerque Lins, no bairro de Santa Cecília, em São Paulo SP (2).
Em 1965, houve mais duas encomendas associadas a projetos de arquitetura de Rino Levi e equipe: o paisagismo da Usina de Leite Parayba, situada no conjunto fabril da Tecelagem Parahyba; e os murais e o paisagismo da residência de praia Irmãos Gomes, em Ubatuba (este detalhado em quatro pranchas datadas de novembro de 1965). No mesmo ano, Clemente solicitou a extensão do conjunto inicial de jardins da Residência Olivo Gomes, incorporados na criação de um amplo parque privativo que incluía também playground para as crianças da família e arena para apresentações teatrais (trabalho elaborado em quatro pranchas com data de fevereiro de 1966).
Consultando-se o extenso arquivo de correspondências de Burle Marx — mais de duas mil entre as escritas e as recebidas por ele —, é possível extrair algumas menções esclarecedoras a respeito desse encargo paisagístico (3). Em carta de 19 de janeiro de 1966 endereçada a Conrard Hamerman, Burle Marx aproveitava para fazer um balanço ilustrativo da obra em São José dos Campos. Dizia o seguinte nos papéis endereçados ao seu representante comercial e colaborador nos Estados Unidos:
“Marcel Gautherot fez fotografias novas do jardim de Olivo Gomes. Elas são inéditas, pois esse jardim só agora, depois de quinze anos, está tomando uma feição. Os volumes estão se definindo, creio que você terá interesse em publicá-las na revista Horizon. Pelas mesmas, você verá as intenções da composição. Às vezes, as cores das flores e das folhagens se ligam à arquitetura, como também ao painel de ligação e complemento do jardim e da arquitetura. Nesse caso específico, há muito que ver com os princípios de certos jardins ingleses, o de idealizar a paisagem, ou melhor, criar uma paisagem ideal. Estou fazendo uma parte nova, um playground, e creio que esse jardim terá uma importância muito grande na minha obra pelo fato de ter grandes dimensões” (4).
Ao destacar as realizações em curso que mais lhe interessavam na ocasião e sutilmente chamar a atenção sobre a capacidade econômica da família de seu patrocinador, Burle Marx aludia novamente ao trabalho na moradia Olivo Gomes, em correspondência de 16 de dezembro de 1966 para Walter, seu irmão mais velho e alma-gêmea que morava na Filadélfia, nos Estados Unidos:
“Paramos em São José dos Campos, onde estamos continuando um grande jardim particular, possivelmente o maior deles, pertencente à família Gomes; um dos irmãos [Severo Gomes] é o ministro da Agricultura; o lugar é uma maravilha. Para vocês terem uma noção do tamanho da propriedade basta dizer que eles têm um campo de aviação” (5).
Em 1968, foi a vez de Clemente incumbir Burle Marx da elaboração do paisagismo de sua residência no bairro do Pacaembu, em São Paulo, cuja arquitetura novamente estava confiada a Rino Levi e seus colaboradores. Próximo ao final de 1971, a implementação desse projeto paisagístico continuava em andamento, segundo informações contidas na missiva de 29 de novembro de 1971 dirigida a Clemente:
“Quanto aos jardins de sua casa no Pacaembu, faltaram os arbustos que contribuirão para completar a ideia. No lugar onde devia haver um painel, há necessidade de esconder um pouco a casa do vizinho; se você não puder fazer um painel, faça uma cerca alta de arame e plante uma trepadeira de crescimento rápido [Thunbergia grandiflora, de floração azul]. Com isso, conseguiremos isolar um pouco o vizinho” (6).
A derradeira encomenda paisagística feita por Clemente aconteceu no final da década de 1970. Trata-se da Fazenda Vargem Grande, em Areias, na porção paulista do Vale do Paraíba, cujo projeto executivo foi entregue em 1979 e a implementação dele se prolongou até 1992, às vésperas do falecimento do industrial, no ano seguinte. Organizado a partir do tema das águas e das plantas aquáticas e de solo húmido, o setor principal dos jardins compreende uma série interligada de espelhos e quedas d’água disposta no antigo pátio de secagem de café, numa propriedade agrícola de meados do século 19. E mais uma vez Clemente não pouco esforços e nem recursos para viabilizá-los do início ao fim e em seus mínimos detalhes. Para dar uma rápida ideia dos trabalhos envolvidos, é interessante apontar que houve até mesmo a abertura de uma mina de pedras na própria fazenda em que atuaram mais de quinze funcionários, visando fornecer material para a execução dos tanques e dos caminhos nos jardins, além da busca e da aquisição de espécies brasileiras e exóticas raras, neste caso obtidas com a importação direta em viveiros estrangeiros pelo mundo afora.
Mais um projeto ousado
Concomitantemente à realização de jardins e murais, Clemente Gomes pôs em andamento um projeto não menos ousado de fundar uma tecelagem artística dedicada às tapeçarias manuais, envolvendo Roberto Burle Marx como o principal designer dessa manufatura. Em princípios da década de 1960, o empresário montava a Indústria de Tear Manual, voltada única e exclusivamente à fabricação de tapeçarias autorais e tapetes artesanais de alta qualidade para atender os mercados nacional e internacional. A organização da firma principiou com a aquisição de alguns teares manuais de alto liço de um ateliê que estava encerrando suas atividades na época — a Indústria de Tapetes Regina Graz, em São Paulo, da artista plástica e designer Regina Gomide Graz (1897-1973). E logo a seguir foi contratada Gertrudes, mestra tapeceira dessa fábrica, que permanecia três dias por semana em São José dos Campos para treinar a equipe e orientar a montagem dos equipamentos no galpão da ITM, situado no conjunto industrial da Tecelagem Parahyba. Tempos depois, Gertrudes se transferiu para a cidade, assumindo a condução do grupo de artesãs, função em que permaneceu até cerca de 1978, quando foi sucedida pela mestra Joaquina Silva Toledo, natural da região da Serra da Canastra, em Minas Gerais (7).
Não tardou para que a ITM se convertesse em uma manufatura bem estruturada e com capacidade operacional para equacionar até mesmo grandes encomendas, destacando-se como centro referencial de produção da tapeçaria moderna no Brasil. E não parou aí, conquistando o mesmo patamar de qualidade das tradicionais companhias europeias do setor, como a Manufacture Nationele des Gobelins e Manufacture d’Aubusson, na França, e mesmo a Manufactura de Tapeçarias de Portalegre e a Fábrica Artesanal de Tapetes Beiriz, ambas em Portugal. Isso só foi possível em razão da mão-de-obra e da matéria-prima empregadas, entre outros fatores. A ITM mantinha um quadro estável e talentoso de funcionárias e preparava suas lãs naturais para suprir os mais exigentes projetos artísticos em seu próprio grupo empresarial, ou seja, fazia a pigmentação delas com a ajuda do laboratório de corantes e da tinturaria da Tecelagem Parahyba. Dessa forma, não dependia de terceiros para o fornecimento de lãs coloridas, algo sempre problemático no âmbito têxtil no Brasil. O engenheiro químico Afonso Soares dirigia o laboratório de corantes, que dispunha de um catálogo exclusivo de centenas de cores, sempre em expansão para responder às solicitações mais específicas dos artistas.Até o encerramento das atividades em 1988, a ITM confeccionou a maioria das tapeçarias criadas por Roberto Burle Marx ao longo de sua carreira, executando mais de três dezenas de peças de média e de grande escala assinadas por ele. Vários desses trabalhos hoje pertencem a significativas coleções públicas e particulares no país e no exterior, como as duas tapeçarias de 1971 integradas à coleção do The Art Institute of Chicago, nos Estados Unidos, que as adquiriu do espólio de Conrad Hamerman, em 2017.
Duas obras inaugurais vieram à luz por volta de 1965 e foram incorporadas ao acervo de Clemente Gomes. A primeira foi tecida em ponto boucle, ao longo de dez a doze meses. A outra, em ponto bacheiro, que se tornou o preferido de Burle Marx dali em diante. Na sequência, entre 1966 e 1967, foram produzidas mais duas tapeçarias a partir de croquis retirados do extenso conjunto de desenhos preparatórios que Burle Marx desenvolveu para a tapeçaria do salão de banquetes no Palácio Itamaraty, em Brasília (8). E assim que a residência do industrial no Pacaembu ficou pronta, ambas foram dispostas em paredes opostas da sala de jantar. O artista costumava fazer visitas periódicas à fábrica para conferir os progressos, tirava dúvidas à distância por telefone ou enviava instruções por escrito. Foi o caso desse comentário em carta para Clemente, de 29 de novembro de 1971:
“Estive na sua casa e gostei das tapeçarias. Creio que o contraste ficou demasiado forte naquela em que os traços foram completados em preto; seria preferível deixar a zona em branco ou criar um relevo também em branco; se omiti a cor no croqui, foi por temer que ficasse demasiado pesada. Quanto à tapeçaria que foi reduzida à metade em São José [dos Campos], a meu ver, perdeu com a redução. Se você puder mandar corrigir a que tem o traço preto, seria ótimo” (9).
A grande tapeçaria
No conjunto da obra têxtil de Burle Marx executada pela ITM, a tapeçaria do Centro Cívico de Santo André foi certamente a que teve a fatura mais complicada, entre 1968 e 1969. A peça apresenta uma superfície contínua de mais de 80 m2, sendo até hoje apontada como uma das maiores realizações do gênero em nosso país. Valendo-se do arquivo epistolar mantido no escritório carioca do artista, é possível resgatar alguns detalhes significativos sobre o processo de materialização dessa tapeçaria idealizada para o salão nobre da prefeitura, no 9º andar da torre principal. Em mensagem de 25 de setembro de 1968 ao casal de paisagistas Alfonso Leiva Galvis e Michele Cescas de Leiva, Burle Marx discorria que:
“Em São Paulo, os painéis em concreto para o Centro Cívico de Santo André estão sendo executados, assim como um trecho do jardim. Contará muito principalmente quando for visto de uma certa altura. Fizemos estudos para uma tapeçaria para o mesmo centro cívico: 5 versões com harmonias de cores diferentes. Depois de uma série de relutâncias, foi aceito. Mede 26 m por 3,30 m. Será executado pela Tecelagem Parahyba, em São José dos Campos” (10).
Na copiosa troca de missivas com Conrad Hamerman, esse projeto têxtil era igualmente mencionado pelo artista como motivo de satisfação profissional pela obra em si e pelas expectativas depositadas da manufatura de Clemente Gomes, em papéis de 18 de novembro de 1968:
“Voltando ao Centro Cívico de Santo André, os trabalhos prosseguem num ótimo ritmo e creio que, para nosso livro, teremos uma documentação inédita, o que contribuirá muito para despertar curiosidade naqueles que se interessam pelos problemas da arquitetura paisagística. Para Santo André, estudei uma grande tapeçaria, com 26,00 x 3,30 m. [Será executada pela] Tecelagem Parahyba. Os donos são amigos meus, como você sabe e, sendo assim, creio que obteremos uma boa fatura” (11).
De fato, a atenção dispensada ao trabalho prenunciava a relevância que ele assumiria no contexto da produção tapeceira de Burle Marx e além dela. Foi um artefato com tal qualidade plástica e coroado por uma fabricação primorosa que se transformou em marco na história da tapeçaria moderna brasileira e internacional. O resultado tanto agradou o artista que a obra logo assumiu o papel de um dos carros-chefes em duas mostras dele no exterior, em meados da década de 1970. A primeira exibição da tapeçaria do Centro Cívico de Santo André aconteceu na Fundação Calouste Gulbekian, em Lisboa, entre janeiro e fevereiro de 1973. E, três meses depois, foi vista pelo público francês no Museu Galliera, em Paris. Após o falecimento de Burle Marx, esse painel têxtil foi ainda mais valorizado, participando das exposições comemorativas do centenário de nascimento do artista no Paço Imperial, no Rio de Janeiro, e no Museu de Arte Moderna de São Paulo, entre 2008 e 2009. E também esteve presente na mostra organizada pelo The Jewish Museum, de Nova York, em 2016, e no Deutsche Bank KunstHalle, em Berlim, no ano seguinte.
Durante o prolongado convívio que tiveram beirando meio século, Roberto Burle Marx e Clemente Gomes construíram elos sólidos de trabalho e amizade, manifestos também em demonstrações de gentileza e atenção de parte a parte. Em diversas ocasiões, o artista presentou o empresário com quadros, panneaux, toalha de mesa e outras obras plásticas. Por sua vez, o empresário custeou a fabricação de várias tapeçarias solicitadas pelo artista para comercialização, bem como exposições e catálogos (por exemplo, as publicações das mostras de Burle Marx no Museu de Arte Moderna de São Paulo, em 1974, e no Museu de Arte de São Paulo, em 1979). Tanto um quanto outro apreciavam as conversas inteligentes, a boa mesa e as reuniões entre amigos. Certamente uma das mais marcantes confraternizações foi a festa de aniversário dos oitenta anos de Burle Marx promovida por Clemente, em animado almoço na Fazenda Vargem Grande, em 1989. Sem que ambos soubessem, foi também uma intensa celebração de despedida no apagar das luzes de suas existências. Três anos depois, o industrial partia deste mundo e, em 1994, chegava a vez do artista. Foram vidas que se mesclaram ao surgimento e à consolidação da cultura moderna brasileira, legando obras de alta qualidade e exemplos de respaldo que prosseguem inspiradores ainda hoje. Oxalá surjam mais patrocinadores com a rara visão e a destemida persistência de Clemente Gomes!
notas
1
O perfil biográfico de Clemente Fagundes Gomes foi colhido em entrevistas por telefone com seus filhos Malu Gomes e Olivo Gomes Neto, aos quais também agradeço por disponibilizar fotografias de seus acervos. GOMES, Malu; GOMES NETO, Olivo. Depoimento a Guilherme Mazza Dourado, 18 mar. 2020 e GOMES, Malu; GOMES NETO, Olivo. Depoimento a Guilherme Mazza Dourado, 4 mai. 2022.
2
FERRARI, Bárbara Levi. Depoimento a Guilherme Mazza Dourado, 19 fev. 2020.
3
Sobre a correspondência pessoal e profissional do paisagista, consultar: DOURADO, Guilherme Mazza (org.). Folhas em Movimento. Cartas de Burle Marx. São Paulo, Luste Editores, 2022.
4
BURLE MARX, Roberto. Carta a Conrard Hamerman, 19 jan. 1966.
5
BURLE MARX, Roberto. Carta a Walter Burle Marx, 16 dez. 1966.
6
BURLE MARX, Roberto. Carta a Clemente Fagundes Gomes, 29 nov. 1971.
7
As atividades da Indústria de Tear Manual foram explicadas ao longo de entrevistas por telefone com Malu Gomes e Olivo Gomes Neto. GOMES, Malu; GOMES NETO, Olivo. Depoimento a Guilherme Mazza Dourado, 18 mar. 2020.
8
Agradeço a Isabela Ono, diretora do Instituto Burle Marx, bem como aos fotógrafos Andrés Otero, César Barreto e Victor Hugo Mori pelas autorizações para uso de imagens.
9
BURLE MARX, Roberto. Carta a Clemente Fagundes Gomes, 29 nov. 1971.
10
BURLE MARX, Roberto. Carta a Alfonso Leiva Galvis e Michele Cescas de Leiva, 25 set. 1968.
11
BURLE MARX, Roberto. Carta a Conrad Hamerman, 18 nov. 1968.
sobre o autor
Guilherme Mazza Dourado é arquiteto e historiador de paisagismo. Entre outros livros, é autor de Modernidade Verde. Jardins de Burle Marx (Senac SP/Edusp, 2009) e organizador de Folhas em Movimento. Cartas de Burle Marx (Luste Editores, 2022).