O intuito deste trabalho é entender e analisar como as mudanças arquitetônicas que tem sido pensadas para as lojas do futuro se transmitirão para os centros comerciais e como será a sua relação com o seu entorno urbano. Ainda, procura lançar questões a respeito de como será o centro comercial da omniera e se este será uma microcidade hiperconectada fechada em si mesma, ou se existem outras maneiras de trabalhar este programa dentro da cidade de maneira que sua implantação seja mais positiva e integrada à malha urbana.
Embora muitos acreditem que o varejo realizado em lojas físicas poderá ser quase extinto por conta do surgimento do e-commerce e também pelos riscos trazidos pela recente pandemia de Covid-19, na realidade, o que se mostra é que esta forma de comércio passa por uma fase de transformação buscando se adequar ao novo panorama tecnológico e sociocultural trazido pelas novas gerações.
As mudanças trazidas dentro deste contexto, implicam em transformações na arquitetura dos pontos de venda e centros comerciais, que tendem a ser mais do que apenas um suporte físico para operações de compra, e sim um espaço a ser completamente vivenciado pelos consumidores.
O trabalho proposto busca entender o que serão estes novos espaços e como poderão ser pensados no contexto urbano, de modo a responder às demandas dos novos consumidores, enfrentando problemáticas de inserção urbana, implantação e a tentativa de conciliação entre interesses públicos e privados além de apresentar considerações preliminares sobre estes espaços no mundo pós-pandemia.
A partir de revisão bibliográfica em áreas de conhecimento diversas, como marketing e administração além de arquitetura e urbanismo, parte-se do entendimento de que a omniera é o resultado de uma soma de fatores e, principalmente, de mudanças sociais que nascem do perfil de um novo tipo de clientes. É explicitado, primeiramente, quem são estes, o que configura a era multicanal e quais as principais diferenças para o varejo tradicional praticado até o surgimento do e-commerce.
Em seguida, todas estas análises são rebatidas em considerações sobre como se transformará o espaço arquitetônico na escala de lojas. Ou seja, o que haverá de mudanças nas tipologias da atividade varejista em termos de construção e design em função das alterações na forma de consumo. São utilizados projetos de referência, que já trazem este olhar para o futuro dos espaços de comércio, como fontes para estas perspectivas aqui buscadas.
Posteriormente, os pontos identificados são rebatidos para a escala dos centros comerciais do futuro, discutindo se as alterações previstas implicarão ou não na segregação dos centros comerciais com o seu entorno imediato. Por fim, algumas considerações preliminares são traçadas a fim de entender qual poderá ser o impacto da pandemia de Covid-19 sobre estes espaços, e em que medida reforçam ou não aqueles já delineados pela Ominiera.
O artigo apresenta como resultados reflexões e considerações sobre as possíveis mudanças que ocorrem e, continuarão ocorrendo, nas relações entre as mudanças socioeconômicas, tecnológicas e sanitárias do século 21 e as respostas arquitetônicas e urbanísticas para os espaços de comércio, tendo em conta o papel dos arquitetos no desenho e desenvolvimento de uma cidade com mais qualidade de vida.
Centros comerciais na omniera: uma perspectiva arquitetônica e urbanística
Novos consumidores e o que buscam
Em vista de compreender melhor o público para qual serão construídos os estabelecimentos físicos de varejo do futuro, é preciso considerar as gerações desses novos consumidores.
De acordo com o estudo The Gen Z realizado pela Criteo (empresa especializada em marketing para e-commerce) em 2018, há quatro gerações importantes para o comércio hoje: Boomers (1945–1968), geração X (1969–1983), geração de millenials (1984–1993) e geração Z (1994–2002).
Embora o envelhecimento da população seja uma realidade, a nova geração de consumidores é constituída principalmente por jovens das gerações millenial e Z. Sozinha, a geração Z constitui um quinto da população brasileira, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística — IBGE.
Compostas pelos nascidos a partir dos anos 1980, são as gerações que vivenciaram ou já nasceram dentro da revolução tecnológica da internet. Com o fácil acesso à informação, estes consumidores procuram por muito conteúdo antes de comprar algo lendo resenhas e buscando em mídias sociais opiniões mais sinceras sobre os bens de consumo pelos quais têm interesse.
Apesar da grande preferência por dispositivos móveis e compras online, tratam-se de gerações muito táteis que valorizam as experiências na loja física aliada ao uso de tecnologias.
De acordo com o estudo citado, 34% dos entrevistados praticam Webrooming, ou seja, pesquisam online e compram na loja física e 18% preferem experimentar produtos na loja física e comprar online (prática do showrooming). 27% praticam scan and scram (conferem o produto em uma loja física mas compram de outro varejista), 15% praticam click and ship (checam o produto na loja física e compram pelo aplicativo ou site do próprio varejista na loja), 17% praticam click and collect (compram online e retiram em alguma loja física).
Além disso, buscam uma relação de maior proximidade com as empresas, seja pela interação em mídias sociais, ou coproduzindo com as marcas. É importante para essas gerações ter um tratamento personalizado e individual das empresas, além de buscarem estar conectados por meio de plataformas digitais em smartphones e computadores com as marcas a que são fiéis, efetuando compras e pesquisas através de e-commerce e páginas em redes como o Facebook ou Instagram.
Segundo o estudo de 2018 “Consumidor Ultradinâmico” da Worth Global Style Network — WGSN (1), empresa de previsão de tendências, há seis macrotendências que resumem o que moldará o consumidor do futuro. São elas:
1. Compras por dispositivos móveis: consumo via dispositivos móveis sem interação humana;
2. Conexão humana: apesar de evitarem o contato direto ou ao vivo com humanos, o diferencial do varejo será justamente oferecer uma interação mais próxima e humanizada com seus clientes, uma vez que a automação e as experiências digitais serão predominantes;
3. Confiabilidade: consumo de marcas nas quais eles confiam ter qualidade e que incentivem mudanças positivas no mundo;
4. Preocupações com o meio ambiente: exigem das empresas, maior engajamento no quesito sustentabilidade e economia circular;
5. Envelhecimento da população: consumidores mais velhos tem um poder de compra muito maior que os consumidores jovens, e não se sentem compreendidos pelas marcas das quais consomem;
6. Fim da posse: consumidores buscam viver experiências mais do que possuir coisas. O produto é visto como agregador positivo à vida do consumidor, como criador de boas memórias.
O consumidor do futuro é, portanto, um consumidor mais engajado, que busca valores por trás dos produtos e que prefere a conveniência do mundo on-line mas não dispensa a experiência humanizada da loja física. Assim como previsto por Alexandre Luzzi Las Casas (2), o comércio eletrônico é a tendência para melhor atender a este público. Entretanto, é visto que o mundo virtual deve estar atrelado a uma experiência off-line significativa e memorável, que é onde a arquitetura desenvolve o seu papel no design desses novos espaços.
O varejo na omniera
Dentro da lógica multicanal de varejo, que tem sido explorada ao longo dos anos, diversos canais são ofertados ao consumidor de forma passiva e este escolhe onde e quando quer comprar (3). Neste modelo de negócios, os canais são independentes entre si: a loja física, o e-commerce e as plataformas digitais ou de multimídia atuam separadamente e o que define seu uso é a conveniência do consumidor.
A evolução desta forma de varejo é o modelo cross-channel, em que apenas alguns dos processos de compra são realizados através de interações entre canais distintos de venda de uma mesma marca.
Entretanto, as inovações tecnológicas e o surgimento deste novo mercado consumidor, marcam a necessidade de reestruturar este sistema para melhorar a experiência do consumidor e por consequência aumentar a competitividade do varejo.
Assim, na chamada era do Omnichannel, todos os canais e formatos de varejo interagem entre si, criando uma plataforma integrada e flexível de atendimento ao cliente onde o consumidor é o centro de todas as interações da loja. O varejista pretende conhecer o perfil de cada um desses consumidores utilizando tecnologia: dados cadastrais, preferências de canal de compra e categorias de itens de consumo, costumes, localização, dentre outros, coletados para se aproximar do cliente.
Outra premissa fundamental da omniera é que canais virtuais e físicos se integrem completamente a fim de maximizar a facilidade de consumo. Neste modelo, plataformas digitais se fundem à venda física, complementando-a como experiência.
A facilidade de compra é lei: o varejista deve buscar reduzir as possíveis complicações que fazem este consumidor desistir de uma compra, e é para resolver alguns destes aspectos que a tecnologia entra em cena.
O papel da arquitetura nos espaços multicanais e as novas tipologias de espaços
As transformações no cenário socioeconômico que contextualizam a omniera implicam no surgimento de novos modos de se pensar os pontos de vendas e programas capazes de responder às demandas destes novos consumidores que, atualmente, gastam menos com produtos e mais com serviços (4).
A loja on-line será a ferramenta de vendas (5), enquanto a loja física será um suporte, e muitas vezes uma experiência de branding, na medida em que as duas devem estar completamente integradas. As palavras de ordem são conveniência, personalização e informação.
Além da conveniência para comprar em qualquer hora, em qualquer lugar, outro conceito importante é a personalização da experiência de compra com ambientes que devem se adequar ao seu público-alvo, ser interativos e cativantes. Por fim, a informação é uma potencializadora de vendas e aparece no uso, por exemplo, de Data Base, ou seja, da coleta de informações através de dispositivos eletrônicos.
Neste contexto, surgem algumas novas tipologias comerciais como por exemplo:
1. Lojas-guias: espaço que o consumidor visita para experimentar e conhecer os produtos mas, efetuar a compra on-line posteriormente. Um exemplo no Brasil, é a loja Amaro;
2. Lojas temporárias/ pop-up stores: montadas apenas por um período de tempo variando de dias a meses, podendo ou não ser utilizadas para novos propósitos após seu desmonte. Podem ser nômades e servem para testar mercados e possibilitar a criação de espaços com design ousado e efêmero;
3. Lojas colaborativas: espaços compartilhados por diversas marcas, geralmente menores, que alugam stands ou nichos de mostruários em um ambiente comum a outras marcas;
4. Lojas autônomas: fazem uso da tecnologia para funcionar sem atendentes. As possibilidades de atritos na compra são reduzidas uma vez que o cliente pode entrar na loja, escolher os produtos que lhe interessam e sair. Os pagamentos são efetuados por aplicativos, e câmeras monitoram o que o consumidor adquiriu;
5. Formatos compactos de lojas como quiosques, lojas lineares, lojas sobre rodas: Novos meios de se pensar principalmente franquias, facilitando a expansão da marca e a facilidade de acesso;
6. Lojas-conceito: aqui o mais importante é vender não o produto em si, mas a marca e o que ela representa. Storytelling e branding são essenciais neste tipo de loja. O propósito principal desta tipologia é fazer com que o cliente experiencie a marca através de medidas interativas e tecnológicas;
7. Lockers: armários que geralmente ficam em estabelecimentos comerciais e que podem ter os seus espaços alugados para que a encomenda de algum consumidor fique armazenada até que este possa buscá-la.
Aliadas a estas tipologias, novas funções comerciais ganham força como o showrooming, o click and collect, o delivery (ganhando força pela sua conveniência nos diversos aplicativos, especialmente em meio à pandemia), e até o retail-tainment (a ideia de impulsionar as vendas através de serviços, lazer e entretenimento integrados à experiência de compra) (6).
Traduzindo a omniera em espaço arquitetônico
Quanto aos espaços arquitetônicos, o surgimento destes programas implica em novas formas de construir espaços de varejo que necessitam serem mais flexíveis, autônomos, sensoriais e tecnológicos.
Assim, uma das primeiras medidas para o ambiente é aliar tecnologia ao ato da compra, seja através de provadores interativos, telas touchscreen, vitrines eletrônicas, inclusão de realidade aumentada e virtual, entre outros, variando conforme a necessidade do varejista.
Já no plano de execução, lojas mais flexíveis e de rápida construção e reprodução são favoráveis a tipologias que precisam ser desmontadas posteriormente ou que necessitam de mobilidade. O uso de materiais locais, a pré-fabricação e a modularidade é, neste caso uma forma de responder a esta premissa.
Em ambientes permanentes, a modularidade no design de interiores aparece como elemento de organização mais clara e redução de elementos visuais (7) além de possibilitar aos ambientes interatividade.
Exemplo disso, são os cenários modulares da Aésop. A loja da marca em Melbourne, projetada por Rodney Egglestone e Anne-Laure Cavigneaux (March Studio) é feita a partir de caixas de papelão usadas para embalar os produtos que funcionam como paredes, prateleiras e até balcões, instigando a interação dos visitantes com os displays e criando uma experiência que atrai os visitantes e agrega valor à experiência de compra.
Espaços minimalistas e temáticos também são formas de responder aos programas da omniera, principalmente para a criação das concept-stores. Isso pois, permite que o espaço se expresse fortemente em sua arquitetura de modo a criar sensações no cliente ao mesmo tempo evidenciando os produtos de forma atemporal. O grande investimento na criação desta tipologia, exige que o seu design interno seja duradouro e impactante.
A loja da Givenchy em Paris, projetada por Jamie Forbert é um grande exemplo do que o minimalismo traz para as marcas como elevador da experiência de compra. As cores neutras e o design dos manequins e prateleiras colocam o produto como uma obra de arte, elevam o significado de estar em uma loja para estar um lugar sagrado.
A criação de espaços temáticos também é outra forma de engajar a experiência do cliente e aproximar a marca do consumidor, pois facilita a conexão do produto em si com tudo aquilo que ele representa dentro do universo da marca a qual pertence.
Quanto a escala dessas unidades comerciais, o fato de a omniera exigir dos varejistas total conveniência, resultou na criação de tipologias com diversos tamanhos. Lojas menores e completamente automatizadas e lojas lineares convivem com lojas de cinco pavimentos, completamente interativas como a loja da Niketown, na 5ª Avenida, em Nova Iorque.
O programa de cada caso deve ser estudado, variando de acordo com a organização operacional de cada comércio. Lojas podem não necessitar de uma área reservada para estoque, como nos casos das lojas-guias, mas podem se tratar apenas de estoque e ter uma área pequena de entrega dos produtos, por exemplo.
A realidade é que a omniera abriu possibilidades no que diz respeito à construção e ao design das lojas, pois não mais se tratam de espaços convencionais de troca de produto, mas sim de espaços de experiências sensoriais.
A loja em si não é mais um espaço de compra, é um espaço de entretenimento e da mesma forma que os produtos vendidos devem se adequar ao seu público-alvo, representá-lo e trazer algum diferencial para competir com os concorrentes, a arquitetura deve traduzir essas mensagens em espaços coesos que estejam em harmonia com a escala, o uso e a finalidade do espaço projetado e trazer diferenciais interativos e de experiência que sirvam de atrativos para novos consumidores.
Centros comerciais a partir do século 21: novas formas de responder ao programa multicanal
Dentro da realidade omnicanal, as mudanças não ocorrem apenas na escala das lojas físicas, mas também na escala dos centros comerciais.
Com o fechamento de lojas de grandes marcas que foram substituídas pelos serviços de streaming de fotos, vídeos, músicas e informações como por exemplo, a Kodak e a Blockbuster, a primeira alteração que pode ser observada nos centros comerciais do século 21 é no tipo de comércio presente no mix de lojas dos shopping centers e centros comerciais (8).
Outra alteração dentro da tipologia de shopping center que pode ser citada é a forma de circulação dentro do mall. Se antes o edifício era feito para que os consumidores transitassem pela maior quantidade de lojas possível, na omniera, com o aumento das vendas online, é desejável que a circulação seja mais fácil e prática aumentando a conveniência das compras no shopping. Ainda em discussão com alguns especialistas que acreditam que isso diminuirá a compra por impulso, é apontado como uma grande tendência o agrupamento de lojas da mesma natureza separadas por setores, buscando responder a demanda da hiperconveniência.
Não é à toa, que começam a surgir novas tipologias como shoppings lineares e lifestyle centers, estes últimos estando geralmente associados a uma temática específica, podendo esta ser sustentabilidade, gastronomia, entre outras.
A volumetria de caixa isolada do seu entorno, já não será a mais eficiente, uma vez que seu acesso é dificultado e isso é um conflito para a hiperconveniência. O acesso por diferentes modais de transporte é, portanto, desejável, tanto por atrair diferentes públicos quanto por estar associado a medidas de sustentabilidade e mobilidade, que como explicado, é de grande relevância para o consumidor mais engajado.
Outro ponto de mudança dos centros comerciais é reflexo do que acontece também na escala das lojas físicas. Bem como estas buscam ser pontos de vivência de novas experiências aos seus clientes mais do que apenas pontos de venda, o centro comercial começa a vislumbrar um futuro em que ele representa muito mais do que um espaço fechado de lojas aglomeradas.
O entretenimento é apontado por Marcos Hirai, sócio-diretor da BG&H Retail Real Estate, como o segmento com as maiores oportunidades de crescimento no mercado brasileiro, e precursor da omniera. Se antes o shopping center já se caracterizava como um local para comer e recrear, mais do que para apenas realizar compras (9), agora ele deve se tornar um espaço para prover novas experiências e encontros. Deve ter seu enfoque em ser um local de socialização e lazer.
O espaço de compras passa a ser apenas uma entre muitas outras funções e usos aos quais é atrelado o centro comercial, como por exemplo, hotéis, escritórios, escolas e funções educativas, lazer e espaços gastronômicos, teatro, além de todas as facilidades de aplicativos e revisões online de compra de produtos (10).
Além dessas questões que implicam necessariamente em mudanças físicas na concretização de projetos de shopping centers, há também a participação dos mais diversos aplicativos de compras, localização e comparação de preços que atuarão em conjunto com as novidades de construção, alterando a forma de displays de produtos e o formato e a escala das lojas que ocupam o espaço dos shoppings.
Tendo em conta também o imediatismo dos omniconsumidores e a sua busca por novidades, a possibilidade de serem espaços mais flexíveis, que possibilitem mudanças sazonais, ou eventos de lojas sazonais, também é desejável para manter o interesse do público.
Inserção urbana: segregação ou conexão?
É evidente que a volumetria da caixa cercada por enormes estacionamentos não condiz mais com as aspirações dos novos consumidores e nem com as necessidades dos varejistas.
As próprias reformas dos shoppings ao longo dos anos buscando incorporar mais elementos naturais em seus malls, demonstra a ânsia do consumidor por espaços mais abertos.
Como já comentado, o shopping tende a ser no futuro um local de entretenimento e hiperconveniência, o que implica, na inclusão de diversas atividades além das compras e em uma localização de fácil acesso por diferentes modais de transporte.
Possuir diferentes funções e usos pode resultar em projetos que mesmo abertos e com visibilidade das áreas externas se fechem em si mesmos criando microcidades hiperconectadas. Entretanto, pode também na escala das minúcias do projeto utilizar essa característica programática para se relacionar ainda mais com o local em que o empreendimento se implanta.
Da mesma maneira, a hiperconveniência pode atuar contra ou a favor da relação dos shoppings com a cidade. Para atender diferentes clientes em diferentes fases do dia e com diferentes hábitos de consumo, é interessante que o varejista tenha seu espaço em um ambiente que possa ser acessado por diversos modais de transporte.
No entanto, se mal implantado o shopping pode atuar contra a urbanidade que o cerca, levando em conta, que além do congestionamento de costume dessa tipologia, com o comércio on-line o número de entregadores aumentará muito em decorrência também das novas maneiras de consumo que preveem que o produto sairá das lojas e será entregue na casa dos consumidores, como aponta Heliana Vargas:
“Deve-se estar atento, portanto, ao impacto decorrente do crescimento neste novo agente varejista [comércio on-line]. Entre estes impactos, aquele que aparece de imediato refere-se ao acréscimo no fluxo de mercadorias e veículos. O crescimento do número de motoboys, peruas e mini-vans é apenas um dos impactos mais evidentes, que refletir-se-ão num trânsito já suficientemente caótico, cuja intensidade de fluxo e de congestionamento, transformam as cidades em mercados permanentes, altamente promissores para o avanço do comércio ambulante” (11).
Isso se transpõe para a construção dos shoppings na medida em que estar melhor articulado com a malha urbana e incentivar o aumento de áreas verdes e até de hortas comunitárias e iniciativas semelhantes que envolvam a comunidade em torno de questões como bem-estar, saúde e sustentabilidade, podem ser um potencializador da tipologia e aproximá-la ainda mais da qualidade de praça e espaço público de lazer e convívio.
A construção de shoppings centers parte do interesse principalmente da iniciativa privada que busca locar seus espaços para varejistas que visam expor e vender senão produtos, marcas. Ou seja, trata-se de uma discussão de cunho muito financeiro, inevitavelmente.
Contudo, trata-se também de uma questão urbanística e arquitetônica, apesar de ser muitas vezes desprezada no âmbito dos projetistas.
“Estes empreendimentos devem ser capazes de levar em conta não apenas o interesse de curto prazo dos grupos do setor imobiliário, mas também dos investidores (proprietários), consumidores e da cidade, pois, as edificações têm um caráter inercial que não admite prontamente a efemeridade e descartabilidade que a sociedade de consumo costuma imprimir nos produtos que a constituem” (12).
Além disso, como apontado por Vargas e Garrefa, são obras de grande escala que geram grande impacto na cidade a longo prazo, e que estão sendo construídas puramente em função dos interesses imobiliários.
O surgimento desta nova forma de consumo e deste novo tipo de consumidor, é uma oportunidade para que dentro da arquitetura estes novos conceitos sejam aplicados e articulados com os interesses da cidade, tornando esta tipologia uma tipologia de interesse também para a comunidade, sem que atue como segregador de espaços e pessoas.
Omniera e o varejo no mundo pós-pandemia
É instigante traçarmos alguns paralelos das reflexões acima levantadas frente a qual o impacto que a recente pandemia de Covid-19 terá no desenvolvimento da Omniera. Num contexto onde ela já ganhava cada vez mais força, o momento em que vivemos de quarentena funciona como um grande catalisador para algumas das mudanças trazidas pelo omnichannel.
Na escala das lojas, comércios que ainda não haviam entrado no mundo digital, precisam se reinventar e descobrir novas formas de interação entre seus clientes e sua marca, sem o suporte da loja física.
Além disso, cada vez fica mais claro que os consumidores almejam a experiência do espaço físico, mais do que de fato a compra: em um contexto de quarentena, ainda que haja delivery de restaurantes e outros produtos, o que sobressai é a vontade dos consumidores de estar em um meio social, experenciando uma refeição ou uma atividade de lazer fora da sua residência.
Durante o chamado distanciamento social, em vista de reduzir os riscos de eventuais contaminações, algumas tendências construtivas surgem que podem ser aplicadas a longo prazo: o aumento de divisores e espaços mais reservados em lojas, maior número de assentos ao ar livre em restaurantes, entradas de delivery pelo lado de fora da loja e o aumento das distâncias mínimas entre mesas e cadeiras em restaurantes são alguns exemplos de como o design de varejo deverá se readequar a uma nova realidade.
Já na escala dos centros comerciais, a discussão se estende para questões de uso do espaço urbano e apropriação dos espaços públicos. Segundo a publicação “Streets for Pandemic Response & Recovery” (13) da National Association of City Transportation Officials — Nacto, será necessário repensar a nossa relação com os ambientes públicos das cidades, tendo em conta que as ruas precisarão ser melhor pensadas para que as pessoas possam circular com segurança dando prioridade à ciclofaixas e vias com circulação reduzida de carros.
Outras medidas como propor espaços nas ruas para que as pessoas possam esperar ou caminhar com o distanciamento correto, converter vagas em zonas de delivery ou retirada, pensar em soluções de vias que possam ser utilizadas para refeições e mercados ao ar livre, são levantadas no documento como possíveis reinvenções do espaço urbano.
O urbanismo tático, no momento de retomada da economia, é uma ferramenta que pode ser usada para que os espaços da cidade se readéquem a esta nova realidade de maneira emergencial, mais rápida e prática.
A longo prazo, isto pode significar uma grande mudança para a arquitetura destes centros comerciais e shoppings, tornando-os espaços mais abertos e com áreas ao ar livre, com mais frentes de rua para facilitar o delivery e as retiradas e com circulações maiores e mais arejadas.
Considerações finais
Este artigo busca compreender o momento em que vivemos dentro da atividade varejista, estudando suas transformações, a fim de levantar discussões e respostas construtivas, arquitetônicas e urbanas para este novo contexto.
A omniera já é uma realidade com a qual convivemos. Tendo isto em vista, o principal objetivo deste trabalho é refletir sobre o modo como a arquitetura se relaciona com o comércio e a cidade e principalmente com as pessoas.
As pessoas, neste caso, consumidores, são a razão pela qual a arquitetura pensa os espaços para que melhor se adequem ao seu tempo e contexto urbano. Negar a existência de centros e estabelecimentos comerciais é negligenciar uma parte essencial da cidade, que acaba por ser desenhada unicamente pelos anseios imobiliários.
É preciso aproveitar este momento de mudanças socioeconômicas, tecnológicas e sanitárias para buscar um ponto comum entre os interesses privados e os interesses públicos do meio urbano, unindo a arquitetura destes espaços com a qualidade de vida e a segurança dentro da cidade.
notas
NE — Este artigo foi originalmente apresentado no 7º Colóquio Internacional sobre Comercio e Cidade — 7º Cincci, onde recebeu o prêmio de primeiro lugar entre os melhores trabalhos. CAMPAGNER, Larissa; GOUVEIA, Gabriela. Centros Comerciais na Omniera: um olhar arquitetônico e Urbanístico. Anais do 7º Colóquio Internacional sobre Comércio e Cidade — 7ºCincci, Fortaleza, UFC, 3 a 7 nov. 2020.
1
Estudo “Consumidor Ultradinâmico”. Worth Global Style Network, 2018 <https://bit.ly/3zEP6rE>.
2
LAS CASAS, Alexandre Luzzi. Marketing de varejo. 3ª edição. São Paulo, Atlas, 2004.
3
SOUZA, Marcos Gouvêa de. Em tempos de omniera. GS&MD, São Paulo, ago. 2015.
4
QUIX, Frank. (R)evolução: A segunda mudança. GS&MD, São Paulo, ago. 2015, p. 27–44.
5
Idem, ibidem.
6
GENESINI, Letícia. Espaços interativos: o design de experiência em marcas e concept stores. São Paulo, IED, 2014.
7
Idem, ibidem.
8
MARINHO, Luiz Alberto. Os novos centros de compras. GS&MD, São Paulo, ago. 2015.
9
VARGAS, Heliana Comin. O comércio e os serviços varejistas: principais agentes e sua inserção urbana. Geousp Espaço e Tempo, n. 8, FFLCH USP/Humanitas, dez./2000, p. 77–87.
10
LEE, Ensam. The Architecture of Consumption: A New Transient Shopping Space. Tese de doutorado. Syracuse, Syracuse University, 2015 <https://bit.ly/3Q2K911>.
11
VARGAS, Heliana Comin. Op. cit.
12
GARREFA, Fernando; VARGAS, Heliana Comin. Os shopping centers e o enfrentamento do ciclo de vida do produto. Monografia de conclusão de curso. São Paulo, FAU USP, 2007 <https://bit.ly/3zgRFyB>.
13
Streets for Pandemic Response & Recovery. Nacto <https://bit.ly/3S8fVeR>.
sobre as autoras
Larissa Campagner é arquiteta e urbanista e doutora (2016) pela Universidade Presbiterana Mackenzie, onde é professora e coordenadora da pesquisa: “Cenários urbanos futuros e o varejo de rua”. Superintendente de Planejamento da São Paulo Urbanismo e coautora do livro Projetos Urbanos em SP: oportunidades, experiências e instrumentos, em parceria com Valter Caldana. Participa da Diretoria do IAB SP como membro do Conselho Superior da gestão 2020/2022 e é conselheira eleita do CAU SP.
Gabriela Incagnoli é arquiteta e urbanista (2019) e mestranda pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, sob orientação de Valter Caldana. Atualmente analista de design atuante na área da arquitetura de varejo, participando do projeto de criação de novos conceitos para flagship stores e franquias.