Este artigo apresenta a pesquisa sobre a avaliação dos resultados morfológicos da cidade produzida a partir da vigência do Plano Diretor Territorial Ambiental de Limeira SP — Lei publicada em janeiro de 2009 (1) —, especificamente nos novos bairros criados, em face dos critérios inovadores e índices urbanísticos mais exigentes (2) propostos por essa lei, em relação às leis anteriores, para os ali denominados processos de urbanização — loteamento — tendo por objetivo problematizar a aplicação do Plano Diretor — PD quanto à forma urbana.
O Plano Diretor é um instrumento legal brasileiro de planejamento urbano, instituído pelo Estatuto da Cidade — EC, que traça diretrizes, propõe metas e define regras para o ordenamento, a produção e o desenvolvimento físico da cidade. O EC além de propor a utilização de diversos instrumentos quase desconhecidos em 2001 — como as operações urbanas consorciadas — para o trato do território municipal, de caráter tributário e financeiro, outros jurídicos e políticos, corroborou instrumentos habitualmente utilizados como o parcelamento e o uso e ocupação do solo e outros.
O município, ao definir essa política de planejamento urbano, utilizando-se do menu de opções instituídas pelo EC, define, dentre outros, as regras de parcelamento do solo responsáveis por produzir novas áreas urbanizadas na cidade, buscando estabelecer como a cidade e a propriedade cumprem sua função social.
Passados quase dezessete anos da exigência legal, muitas pesquisas foram feitas no sentido de se verificar os avanços por ela promovidos nas cidades, especialmente abordando a existência em nível municipal dos novos instrumentos, como o trabalho desenvolvido por Raquel Rolnik (3). Entretanto, a maioria das pesquisas de avaliação dos resultados da implementação de planos diretores não apresentaram escopo sobre a forma urbana produzida por eles, e também não foram encontradas pesquisas que tenham se debruçado especificamente sobre critérios da morfologia urbana e sua expressão nas cidades.
Foram encontradas a pesquisa de Victor Dengo Sabino (4) que estudou a implementação do Plano Diretor de Dourados sob o ponto de vista da implementação dos instrumentos urbanísticos, políticos e financeiros; e uma avaliação pós ocupação de Werther Holzer, Jorge Crichyno e Alice Pires (5) relativa aos impactos ambientais decorrentes da implementação do Plano Diretor na Área de Proteção Ambiental — APA de Restinga de Maricá RJ.
Outras ações mais recentes referem-se ao monitoramento e controle que algumas prefeituras têm feito sobre o PD. A Prefeitura de São Paulo (6), por exemplo, tem um sistema de monitoramento do plano diretor que tem por objetivo possibilitar o acompanhamento de sua implantação, através de uma plataforma on-line, onde estão definidos o que será monitorado e onde são publicados periodicamente os indicadores de monitoramento e avaliação que se referem aos programas e ações ali previstos, especialmente às operações urbanas, ao parcelamento compulsório, aos eixos de transformação urbana, ao Fundo de Desenvolvimento Urbano — Fundurb, dentre outros.
A Prefeitura de Abaetetuba, no Pará, promoveu, em 2016, uma avaliação de seu plano diretor de 2006 (7), enfocando os diversos programas e planos que deveriam ter sido implantados em sua vigência e o cumprimento de aspectos técnicos que se reportam à forma urbana (8), sem entretanto, esclarecer como ela se deu.
O Plano Diretor e os parâmetros morfológicos
O primeiro objetivo da pesquisa foi problematizar a aplicação do Plano Diretor quanto à forma urbana e avaliar a implementação da Lei 442/09 quanto aos elementos morfológicos e a qualificação da cidade e da urbanidade produzidas. Além disso, o segundo objetivo é a proposta do método de avaliação da implementação da forma urbana em uma abordagem não encontrada na literatura.
Alguns dos critérios inovadores dessa lei dizem respeito aos padrões morfológicos na produção da cidade, na relação dos espaços públicos e/ou coletivos e privados, tais como: 1. obrigatoriedade de se criar lotes para habitação de interesse social em qualquer novo loteamento ou condomínio; 2. limitação da dimensão da área fechada nos NUFs — Núcleos Urbanos fechados, instituídos por loteamento fechado; 3. variabilidade de tamanho de lotes, gerando a possibilidade de melhor integração entre camadas sociais diferentes; 4. obrigatoriedade de lotes não residenciais no contorno dos NUFs; 5. obrigatoriedade de contiguidade para novos parcelamentos, conectando-os à cidade existente. Além disso, estabelece em nível municipal o critério de promover a continuidade do sistema viário existente, reforçando a diretriz dada pelo inciso 4 do artigo 4° da Lei 6766/79.
Sobre esses critérios, a figura “Exigências inovadoras de desenho urbano previstas no PD de 2009” sintetiza, à exceção do item 1 acima indicado, a tipificação dos padrões morfológicos que indicam atendimento ou não da exigência legal, inspirados em tese sobre morfologia urbana de Alessandra Argenton Sciota (9).
Os índices urbanísticos também passaram a ser mais exigentes em relação à lei anterior, tal como quanto à dimensão da área institucional — destinada a equipamentos comunitários — com o aumento de 5 para 7,5% da área da gleba original.
Na distorção da lei, a irregularidade dos bairros
Um aspecto fundamental na aplicação da pesquisa refere-se ao fato de que dos 22 loteamentos aprovados e implantados na vigência do Plano Diretor, dezesseis deles tiveram sua aprovação realizada seguindo-se as exigências da lei anterior mediante a introdução, na fase final do processo de construção da lei em 2007 (10), de uma disposição transitória (artigo n. 306), cuja função seria intermediar, temporariamente, a transição de uma lei à outra, possibilitando a finalização de processos administrativos pela lei anterior em que foram protocolados. Disposição transitória, conforme afirma Denise Cristina Mantovani Cera (11), é aquela elaborada pelo legislador no próprio texto normativo, para disciplinar, durante certo tempo, a transição do sistema antigo para o futuro.
Entretanto, essa disposição transitória da Lei Complementar — LC n. 442/2009 não foi concebida com tempo de duração, como condição fundamental para sua existência, pois disciplinou em seu artigo n. 306, que
“Os projetos de loteamentos ou fracionamento que tenham diretrizes expedidas antes da promulgação desta Lei terão sua aprovação final mediante os dispositivos das Leis Complementares nºs 199/98 e 212/99 e suas alterações” (12).
Porém, essa lei anterior — Lei Complementar n. 2121/1999 estabeleceu que a vigência da diretriz teria um período máximo de 360 dias, conforme seu artigo 20:
“As diretrizes expedidas vigorarão pelo prazo máximo de 360 (trezentos e sessenta) dias, contados a partir da data de publicação da notificação de sua expedição no Diário Oficial do Município” (13).
Dos 22 loteamentos da pesquisa, dezesseis loteamentos foram aprovados pela lei anterior, sendo que oito deles não cumprem o prazo estabelecido pela LC 212/1999, tendo sido sua aprovação realizada ultrapassando-se os 360 dias de validade da diretriz e, portanto, realizado de maneira contrária a determinação legal, caracterizando a displicência ao direito à cidade em afronta ao novo PD ao desvirtuar o crescimento urbano planejado.
Os loteamentos aprovados pela lei anterior com diretrizes vencidas são: Alto dos Laranjais, Geada, Parque Tecnológico, Margarida de Holstein, San Martino, Terras de São Bento II, Resid. Florisa e Itapema. Destes, apenas um — Alto dos Laranjais — apresenta conformidade de 83%, demonstrando que boa parte do tecido urbano gerado após o PD está em dissonância com a forma urbana então pretendida.
Avaliação pós-implementação — API
Para realizar a pesquisa de verificação do cumprimento dos critérios estabelecidos no PD — na relação dos novos loteamentos com a cidade existente — foi consultada a prefeitura local e a partir dos dados fornecidos foram identificados 22 novos loteamentos aprovados (14) e implantados (15) na vigência da LC 442/2009 — Plano Diretor. Sobre eles foram levantados dados, projetos urbanísticos, índices, dimensões, configuração formal das áreas públicas, localização na cidade e datas de diretrizes e aprovações.
Além disso, da lei foram extraídas suas exigências — critérios, índices e diretrizes viárias — relacionadas ao desenho urbano, identificados os artigos e tabelas — que definiam padrões morfológicos a serem exigidos para os novos loteamentos, que foram organizados por temas urbanos classificando-os como conformes, quando atendida a lei no quesito avaliado e desconformes, quando não atendida.
Os itens avaliados referem-se aos índices e critérios estabelecidos pelo Plano Diretor quanto à forma urbana das áreas públicas. Assim, foram avaliados:
- CTG — Contiguidade e Acesso a Gleba (artigo 35): os critérios buscam melhor aproveitamento do perímetro urbano, garantindo infraestrutura e mobilidade entre os loteamentos, além de não deixar que se criem vazios urbanos;
- SIV — Sistema Viário (artigo 172 e 182): os critérios referem-se a vias do projeto de urbanização em sua articulação com as vias adjacentes oficiais, mantendo sua continuidade e garantindo a integração viária e melhor mobilidade — as classificações abrangem desde as vias projetadas, continuadas ou não nos novos loteamentos, bem como as vias não projetadas e que tiveram continuidade espontânea;
- QDR — Quadras e Lotes: (artigos 176, 178 e tabelas 9 a 19): os critérios determinam a extensão de uma quadra, a distância entre os lotes e a via coletora, garantindo um percurso confortável para o pedestre, e a variabilidade das dimensões dos lotes melhora as condições de integração social;
- PUB — Áreas Públicas (artigo 158, 166 e 167): os critérios referem-se a porcentagens, localizações, condições e características das áreas públicas, sendo essas de forte magnitude para a relação do direito à cidade;
- APP — Área de Preservação Permanente ou Proteção Ambiental (artigo 167): critério que pretende garantir acesso e fruição das áreas protegidas e de relevância ambiental através de via marginal de contorno;
- CVE — Especiais (artigo 170): critério de previsão de Cinturão Verde como forma de isolar as atividades de incômodo e impacto de zonas industriais com qualquer outra zona;
- FCH — Loteamentos Fechados (artigo 182): o critério determina a existência de lotes externos ao fechamento, minimizando o impacto dos muros e a segregação por eles gerados, e a localização e acesso às áreas públicas (verdes e institucionais).
A partir dessa classificação temática quanto aos padrões morfológicos — tanto os legais quanto os encontrados de fato em cada loteamento — procedeu-se à quantificação em positivos e totais.
O resultado dessa conformidade é dado a partir da razão entre o Itens positivos sobre o total de itens avaliados para o loteamento, gerando a porcentagem que gradua a conformidade do loteamento avaliado.
Os critérios não receberam pesos diferentes nessa classificação, já que todos têm relevância e uma vez que o ponto significativo da pesquisa é a proposição da análise por Categorias que são: “Integração Social”, “Mobilidade e conexão urbana” e “Paisagem urbana”, possibilitando a compreensão sobre a qualidade da cidade produzida frente ao Plano Diretor.
Na categoria Integração Social, a avaliação reuniu os critérios legais que induzem à mistura de classes sociais e à melhor qualificação dos espaços públicos (praças e áreas verdes e ruas), sendo considerados: a variabilidade de dimensão dos lotes, a porcentagem de áreas públicas, a existência ou não de lotes externos a núcleos fechados tipo loteamentos fechados e da localização das áreas públicas nesse tipo de fechamento.
Os critérios analisados foram o Quadras e Lotes — QDR, com a Exigência de Variabilidade de Dimensão dos Lotes — QDR 4; o Áreas Pública — PUB, com a Exigência de Porcentagem das Áreas — PUB 1 e Condições das Áreas Verdes — PUB 2; e o Núcleos Fechados Tipo Loteamentos Fechados — FCH, com a Exigência de Lotes Externos — FCH 1, e de Área Verde — FCH 2 e Institucional — FCH 3 externas.
Já na categoria Mobilidade e Conexões Urbanas, os critérios legais se referem à promoção à melhor mobilidade foram considerados: a contiguidade do loteamento, o acesso aos loteamentos, o atendimento da diretriz viária, o acesso às vias classificadas como coletoras ou arteriais, a continuidade do sistema viário existente, a extensão máxima da quadra e a existência de via marginal ao redor de áreas de preservação permanente quando não integradas em áreas verdes.
Na categoria Paisagem Urbana, a pesquisa baseou-se nos critérios que pudessem gerar acesso a paisagens com melhores condições de urbanidade, tais como: existência de lotes externos a loteamentos fechados e a localização das áreas verdes e institucionais do fechamento, características físicas das áreas públicas e se essas apresentam via circundante e via marginal nas áreas verdes.
A graduação de conformidade se deu de duas formas: a primeira computando-se integralmente a pontuação. A segunda, agrupando-se os resultados gerais considerando suas relações quanto às categorias.
A pontuação resultante — tanto geral quanto por categorias — foi apresentada em fichas individuais criadas para cada um dos loteamentos; caracterizando-os quanto aos tópicos avaliados e indicando sua classificação de conformidade (em preto) ou não conformidade (em vermelho) em relação ao Plano Diretor, gerando resultados em forma de graduação.
A partir disso, foram produzidos mapas que espacializaram a desconformidade e gráficos que dão as avaliações por categorias do que foi avaliado dos efeitos dos padrões morfológicos na continuidade da produção da cidade, com o objetivo de fomentar a discussão do desenho urbano para o enfrentamento da desarticulação, da não integração, da mobilidade dificultada e da paisagem urbana monótona ou da sua ausência.
Essa classificação de conformidade foi expressa nos mapas e gráficos construídos a partir dos resultados.
A avaliação determinou a conformidade dos loteamentos de acordo com a categoria na qual foram inseridos, sendo expostos na “Ficha-modelo de avaliação individual dos loteamentos” a espacialização da desconformidade e na “Ficha de resultados da conformidade por categorias” os resultados percentuais por graduação de conformidade.
Forma urbana produzida: sabotagem?
Os resultados da pesquisa apontam a forma urbana gerada a partir da nova lei e demonstram que, ao não atender aos critérios legais, que delineavam princípios de igualdade de acesso, de mistura de usos e classes sociais, quem perde é a cidade.
Na “Ficha-modelo de avaliação individual dos loteamentos”, são indicados os padrões morfológicos verificados em cada um dos loteamentos avaliados nas três categorias de relação com a cidade — integração social, mobilidade e conexões urbanas e paisagem urbana — e os seus respectivos percentuais de conformidade.
O mosaico do “Resultados da conformidade por categorias” apresenta os resultados espacializados das conformidades em cada uma das três categorias e na forma total e o “Mosaico da espacialização dos resultados” os gráficos resultantes por categorias e total.
Integração Social
Para a categoria de Integração Social, dos 22 loteamentos analisados, verificou-se que a Faixa 2 (50% a 75%) é a predominante, com 11 loteamentos desconformes, bem como a inexistência da Faixa 4 (0 a 25%), demonstrando que, em questão de Integração Social, os loteamentos aprovados e implantados pós Plano Diretor de 2009 não estão tão deficitários, mesmo com a Faixa 1 (acima de 75%) tendo somente 14% da conformidade.
Para compreender essa categoria, apontam-se a seguir os critérios menos observados: 1. quanto à variabilidade de lotes (QDR-3B), verificou-se um prejuízo à cidade decorrente da falta de diversidade social, já que 13 dos 22 loteamentos não atenderam ao critério; 2. na maioria dos loteamentos, quinze dos 22, as áreas verdes estão localizadas em bordas configuradas como restos de glebas, não estruturando o espaço urbano nem contribuindo para proporcionar integração social; 3. quase um terço dos loteamentos apresentaram percentagem menores de áreas verdes (sete loteamentos) e de áreas institucionais (seis loteamentos), diminuindo as possiblidades espaciais de encontros e interação social; 4. todos os loteamentos fechados (FCH) foram concebidos sem a existência de lotes externos, que poderiam dinamizar a vida urbana no entorno desses núcleos fechados, não gerando trechos de fachadas ativas.
Esses dados permitem compreender que tanto a variabilidade de lotes quanto a obrigatoriedade de lotes externos aos núcleos fechados são questões culturais, que demandam imediatamente conscientização e capacitação dos loteadores na produção do espaço. O mesmo pode-se afirmar quanto a localização das áreas verdes, colocadas majoritariamente nas bordas, indicando que o processo de urbanização visa uma utilização excessiva da gleba para comercialização em detrimento da qualidade urbana. O enfrentamento destes conflitos pode ser resolvido com o fortalecimento do papel do agente público que tem a função de buscar o equilíbrio ao estabelecer diretrizes para proporcionar a oferta de equipamentos urbanos e comunitários à população.
Mobilidade e conexões urbanas
Na categoria Mobilidade e Conexões Urbanas, o grande problema verificado refere-se ao fato de que 15 loteamentos interromperam vias (SIV-2D), e quatro loteamentos não atenderam as diretrizes fixadas pela Lei (SIV-1C), implicando na diminuição da conexão urbana entre bairros e até no isolamento de alguns deles. Verificou-se ainda, quanto aos comprimentos das quadras, incluindo as porções fechadas, que dezesseis loteamentos têm extensões lineares maiores que 200 metros (QDR-1B), e também a grande ocorrência de lotes mais distantes que o permitido de vias coletoras (QDR-2B), o que gerou percursos maiores especialmente para o pedestre, contribuindo para induzir ao uso de meios de transporte e, na inexistência de modais públicos eficazes, ao uso de veículos individuais. Outro aspecto de menor incidência é a de cinco loteamentos implantados sem contiguidade (CTG — 1C), sendo, que três deles tem acesso apenas por rodovia ou estrada rural (SIV — 3D), implicando na criação de vazios urbanos e, em alguns casos (Itapema, Souza Queiroz e Florisa), em bairros completamente desconectados do tecido urbano existente, configurando o espraiamento da cidade e gerando aumento de custos para mobilidade urbana. Esses dados permitem confirmar o descaso quanto a compreensão das consequências para a mobilidade com o aumento de trajetos e aumento de custos decorrentes da não contiguidade dos novos loteamentos, da descontinuidade de várias vias do sistema existente e das grandes extensões de quadras ou núcleos fechados.
Uma forma de enfrentamento a esses conflitos é capacitar o agente público para compreender a importância de se atender ao planejamento traçado, fazendo cumprir a lei, de forma se proporcionar a “justa distribuição dos benefícios e ônus decorrentes do processo de urbanização” (16).
Paisagem urbana
Na categoria Paisagem Urbana, os conflitos verificados foram: 1. dez loteamentos fechados não apresentam lotes externos ao perímetro fechado (FCH-C) e deixaram as áreas verdes e áreas institucionais integralmente dentro dos fechamentos; 2. áreas institucionais sem vias circundantes (PUB-5B), com nove ocorrências, e áreas verdes sem via circundante (PUB-5E) com sete ocorrências, dificultando o acesso e fruição da paisagem urbana equilibrada no espaço público.
A isto se alia o descumprimento do critério de via marginal ao redor das áreas de preservação permanente — APP em dois dos sete loteamentos, obstaculizando a fruição da paisagem mais próxima do recurso natural — água e/ou matas nativas remanescentes. Esses dados demonstram que as áreas públicas — Verdes e Institucionais — não se configuram como estruturadoras do espaço, portanto não contribuem para uma Paisagem Urbana de qualidade. E isto somado aos grandes muros dos loteamentos fechados tornam a paisagem mais árida, mais monótona e menos convidativa.
Esses dados demonstram que a paisagem é a última preocupação do gestor público, quando se sabe que um ambiente equilibrado, com áreas verdes distribuídas mais igualitariamente no tecido urbano, com a presença do espaço público de qualidade, contribui para o sentido de pertencimento do cidadão e de identidade e fortalecimento de comunidades.
Há assim que se promover a capacitação tanto do gestor quanto da sociedade para mudança cultural que vise a compreensão do papel preponderante do espaço público na vida urbana.
A seguir, são apresentados alguns dos loteamentos por suas particularidades.
Os loteamentos Terras de São Bento I e Terras de São Bento II não possuem reserva de área institucional. Essa indisponibilidade precariza o acesso as infraestruturas, uma vez que está previsto no planejamento local a porcentagem da reserva com relação a densidade habitacional, na intenção de evitar o crescimento desordenado da cidade e a hiperinflação de determinadas áreas em detrimento da qualidade da cidade produzida.
Apesar de atender as exigências percentuais das áreas públicas, o Residencial Alto do Lago, as áreas verde e institucional — somadas ao fragmento florestal — configuram-se como uma barreira física no que diz respeito à mobilidade, já que representam um obstáculo a continuidade de vias e dificultam a interação do sistema viário.
O Residencial Florisa é outro que possui particularidades a serem mencionadas. Em virtude de sua localização descontígua a cidade, seu principal acesso se dá por meio de uma rodovia, ou seja, se utiliza da rodovia como via urbana. A Rodovia tem a função de conexão intermunicipal e fica comprometida quando utilizada para outros fins que não esse.
Os loteamentos Residencial Rubi e Costa Verde se enquadram numa categoria diferente de fechamento. Ambos os loteamentos não tiveram aprovação para fechamento, entretanto tem as quadras de lotes fechadas por muros de alvenaria. Em função de não ter fechado nenhuma de suas áreas públicas nenhum dos dois loteamentos foi avaliado no tema FCH, os loteamentos continuam sendo tão nocivos a cidade quanto os loteamentos completamente fechados, pois eles se isolam fisicamente do meio urbano, empobrecem a paisagem, fragmentam o acesso a cidade e destroem a relação social por meio dessa segregação.
Socialmente, esse tipo de fechamento é excludente e improdutivo para a vida urbana. Pautadas numa lógica capitalista, as cidades têm promovido, cada vez mais, a segregação das camadas sociais. Isso suprime as interações humanas que são fundamentais para a vida urbana. Esses empreendimentos comercializam uma falsa qualidade de vida, enclausurando as pessoas em face de uma solução pretensiosa e insensível. Tais medidas só agravam as questões urbanas na esfera social.
A despeito do planejamento, a cidade que se quis
Para finalizar a avaliação, pode-se observar que apenas 4 loteamentos possuem conformidade acima de 75%.
Analisando-se isoladamente os critérios inovadores propostos pelo Plano Diretor de 2009, verificou-se que a obrigatoriedade de se criar lotes para habitação de interesse social em qualquer novo loteamento ou condomínio não foi cumprida até o fim de 2016, quando foi então criada a cota solidariedade (17), que facultou a destinação de áreas para programas de habitação de interesse social, ao contrário da exigência anterior de criação obrigatória de lotes para HIS.
Verificou-se também que a limitação da dimensão da área fechada dos NUFs por loteamento fechado (QDR 1) não foi atendida por 100% deles, ou seja, nenhum loteamento fechado respeitou as dimensões máximas de quadras, obstaculizando diretamente a mobilidade.
Quanto à variabilidade de tamanho de lotes (QDR 4), gerando a possibilidade de melhor integração entre camadas sociais diferentes, treze dos 22 loteamentos analisados não atenderam essa exigência (59,1%).
Para a obrigatoriedade de lotes não residenciais no contorno dos NUFs (FCH 1), verificou-se que essa exigência não foi atendida por 100% deles, ou seja, todos eles foram concebidos com total isolamento em relação à cidade, não promovendo sua integração.
Quanto à obrigatoriedade de contiguidade para novos bairros (CTG 1), conectando-os à cidade existente, dezessete dos 22 loteamentos analisados foram contíguos e 5 que foram gerados de forma descontígua (22,7%), sem conexão urbana que favoreça a integração e a mobilidade.
E quanto à obrigatoriedade de garantir a continuidade do sistema viário existente (SIV 2), quinze de 22 loteamentos analisados atenderam à exigência, havendo sete deles (31,8%) que não proporcionam conexão urbana e mobilidade minimamente adequadas.
Finalizando, fica claro que a lei não foi compreendida quanto aos critérios da forma urbana e segue, portanto, sendo negligenciada ressaltando-se que a disposição transitória, que trata de uma regra que tem a função de intermediar a transação de um regime para outro, ao não ter tempo de duração, deturpou a aplicação do Plano Diretor, contribuindo para o não cumprimento das funções sociais da propriedade e da cidade.
A pesquisa atingiu os objetivos propostos ao dimensionar os índices de conformidade dos loteamentos aos parâmetros legais e o método mostrou-se capaz de promover a avaliação da implementação do Plano Diretor quanto à morfologia urbana e pode se constituir em importante ferramenta urbanística de apoio ao planejamento urbano para revisão, aprimoramento e proposição de critérios legais de padrões morfológicos da cidade.
notas
1
CÂMARA MUNICIPAL DE LIMEIRA. Lei 442/2009. Plano Diretor Territorial Ambiental de Limeira. Limeira, Prefeitura Municipal de lImeira, 2009.
2
SCIOTA, Alessandra Argenton. Memorial do Processo de revisão do Plano Diretor de Limeira, s/l, 2007.
3
Instituto Pólis, 2007.
4
SABINO, Victor Dengo. Avaliação sobre a implementação do Plano Diretor municipal. Monografia de conclusão de curso. Dourados, FCBA UFGD, 2014.
5
HOLZER, Werther; CRICHYNO, Jorge; PIRES, Alice C. Sustentabilidade da Urbanização em Áreas de Restinga: Uma Proposta de Avaliação Pós-Ocupação. Revista Paisagem e Ambiente: ensaios, n. 19, São Paulo, 2004, p. 49–66 <https://bit.ly/3Jf6cPO>.
6
Monitoramento e avaliação da implementação do plano diretor estratégico. Gestão Urbana SP, São Paulo, 2016 <https://bit.ly/3zJPMvM>.
7
Avaliação do Plano Diretor 2006/2016. Prefeitura de Abaetetuba <https://bit.ly/3vrgB5z>.
8
Alguns itens elencados nessa avaliação: se “a provisão habitacional está sendo garantida preferencialmente em áreas urbanas já consolidadas e em consolidação, evitando a criação de novos núcleos urbanos dissociados da trama urbana existente” ou se “existem programas que promovam a ocupação do território de forma equilibrada, com setores socialmente diversificados e áreas integradas ao meio ambiente natural”.
9
SCIOTA, Alessandra Argenton. Critérios de avaliação da forma urbana em modelos de segregação residencial. Tese de doutorado. Campinas, FAU PUC Campinas, 2016 <https://bit.ly/3bf8uSv>.
10
O processo de revisão do Plano Diretor de 2009 encerrou-se no âmbito do Poder Executivo em dezembro de 2007 e teve sua aprovação na Câmara Municipal local em janeiro de 2009, com vigência a partir de março daquele ano.
11
CERA, Denise Cristina Mantovani. Lei de Introdução ao Código Civil: O que se entende por disposições transitórias? Jusbrasil <https://bit.ly/3SeKn70>.
12
CÂMARA MUNICIPAL DE LIMEIRA. Op. cit. Grifo dos autores.
13
Idem, ibidem. Grifo dos autores.
14
Foram aprovados também vários condomínios, horizontais e verticais, em sua maioria implantados em lotes já existentes, com alguns em novas porções de tecido urbano, como os que se inserem dentro de loteamentos. Sobre os condomínios não obtivemos dados e informações suficientes junto à prefeitura local e por isso eles não fazem parte da pesquisa.
15
Os loteamentos Marajoara e Colinas do Engenho foram aprovados na vigência da lei mas ainda não haviam sido implantados até a finalização desta pesquisa, tendo sido desconsiderados.
16
REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. Lei n. 10.257, de 10 de julho de 2001. Regulamenta os arts. 182 e 183 da Constituição Federal, estabelece diretrizes gerais da política urbana e dá outras providências. Brasília, Câmara dos Deputados, 10 jul. 2021, inciso 9, artigo 2º.
17
PREFEITURA MUNICIPAL DE LIMEIRA. Lei Complementar n. 765, de 22 de setembro de 2016. Altera dispositivos da Lei Complementar nº. 442 de 12 de janeiro de 2.009 e suas alterações, que dispõe sobre o Plano Diretor Territorial-Ambiental do Município de Limeira e dá outras providências. Limeira, Câmara Municipal de Limeira, 22 set. 2016 <https://bit.ly/3Jf4E8H>.
sobre os autores
Alessandra Argenton Sciota é arquiteta e urbanista (1994) e doutora em Urbanismo (2016), ambos pela PUC Campinas. Mestre em Habitação pelo IPT (2002), foi professora e pesquisadora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo Einstein Limeira (2010–2022) e é conselheira do Condephali e membro da Comissão Técnica do PDUI AUP. Coordenou o Plano Diretor de Limeira (2006–2007) e foi Conselheira dos conselhos de Planejamento Urbano, de Defesa da Pessoa com Deficiência, de Turismo e do Fundo Gestor de Habitação Social. Autora de projetos residenciais, comerciais e institucionais e urbanos.
Bruna Barreto Homsi é arquiteta e urbanista (Faculdades Integradas Einstein de Limeira, 2018), tendo sido aluna de iniciação científica (2017–2018). Atua em projetos arquitetônicos residenciais e comerciais.
Mayara Rosseti Carrasco é arquiteta e urbanista (Faculdades Integradas Einstein de Limeira, 2018), tendo sido aluna de iniciação científica (2017–2018). É arquiteta no Studio Boscardin Corsi em Curitiba PR.
Thiago da Silva Felizardo é arquiteto e urbanista (Faculdades Integradas Einstein de Limeira, 2018), tendo sido aluno de iniciação científica (2017–2018). Atua em projetos arquitetônicos residenciais e comerciais.