O presente artigo apresenta uma discussão sobre os métodos de participação popular em projetos destinados a espaços livres públicos implantados com a parceria entre órgãos públicos, arquitetos, instituições de ensino, coletivos urbanos e sociedade civil. Em grande parte, os projetos urbanos no Brasil demonstram dificuldade em atender às reais necessidades dos cidadãos e as metodologias com viés participativo apareceram como resposta a essa problemática.
Nesse contexto, a inclusão da população na produção do espaço público urbano pode ser vista como uma ferramenta capaz de devolver não apenas a qualidade das cidades, mas também possibilitar de uma forma mais democrática a construção da urbe.
Experiências participativas no país são ainda incipientes, mas é evidente que já temos uma história de práticas dessa natureza e que podem ser mais exploradas. Historicamente, a participação de cidadãos na discussão e gestão da cidade não é um fenômeno novo, e foi a partir da década de 1960, que novos atores e movimentos sociais urbanos surgiram e passaram a se organizar contra as precárias condições de vida nas cidades e incitar questionamentos sobre seus direitos enquanto cidadãos (1).
O reconhecimento da participação de associações civis foi garantido e legitimado apenas no início da redemocratização do país pela Constituição Federal de 1988, e em 2001 o Estatuto da Cidade, veio legitimar e dar caráter legal e obrigatório à participação de cidadãos na discussão de questões referentes às suas cidades.
Esse instrumento assegurado além de regulamentar a participação dos cidadãos na gestão da cidade, deu novo impulso às ações que envolvem a participação da população urbana no Brasil e validou as que já vinham ocorrendo. Foi com a conquista desses instrumentos democráticos, que populações outrora excluídas das instituições representativas clássicas, ganharam a oportunidade de influenciar em políticas que afetam diretamente suas vidas (2).
O processo participativo criado, enquanto instrumento de realização dos projetos urbanos, possibilitou a participação e envolvimento da população em assembleias, levando ao conhecimento das autoridades as condições da vida local, os problemas e carências dos bairros periféricos e as reais necessidades dos moradores, a fim de que pudessem ser de fato conhecidos e discutidos pelo poder público.
No Brasil, essas experiências mais diretas de participação, ficaram mais conhecidas em projetos e construções de moradias populares, muitas das quais realizadas por meio de mutirões. Carlos Nelson foi um dos primeiros a estudar os movimentos sociais urbanos em favelas e bairros cariocas ainda na década de 1960, como evidencia sua experiência em Brás de Pina (3). Entre muitos outros programas voltados à urbanização de favelas, ao longo do tempo, alguns se destacaram, como o caso do Programa de Saneamento Ambiental da Bacia do Guarapiranga — PSBG (4), em São Paulo e do Programa Favela-Bairro (5), no Rio de Janeiro. Esses programas promoveram a extensão de serviços públicos a essas comunidades, implantando infraestrutura de saneamento e acessibilidade, além da criação de equipamentos urbanos, e o desenvolvimento de uma legislação específica de uso e ocupação do solo, tendo como base ações de caráter social.
A participação dos moradores foi incentivada desde a concepção, fazendo com que participassem da formulação dos seus próprios espaços públicos e familiares, assimilando o conteúdo dos problemas a enfrentar e discutindo as alternativas para uma possível solução.
De modo geral, percebe-se que os processos envolvidos nos projetos participativos são capazes de desenvolver relações entre os cidadãos e criar elos afetivos entre eles e os lugares, que além de ampliar o senso de pertencimento, fortalecem a vida comunitária e elevam a qualidade de vida dos envolvidos (6).
Cabe destacar ainda, que nesses programas convivem diversos atores, saberes e vivências múltiplas, tanto em ações voltadas ao espaço de moradia, quanto ao espaço público. Além da forte participação social e a organização comunitária, participaram técnicos de diferentes disciplinas, e a administração pública. Trata-se, portanto, do estabelecimento de uma rede de relações em que todos assumem as diferenças, estabelecendo um diálogo e uma convivência de pluralidade.
O envolvimento de arquitetos influenciou de maneira positiva diversos contextos, pois ao mesmo tempo que o profissional auxilia a população em perceber as necessidades e as possibilidades de apropriação do espaço público, recebe como retorno, a base para a elaboração de projetos mais condizentes com a realidade local, contribuindo para a promoção e utilização dos espaços livres.
Os profissionais envolvidos, desse modo, conseguem proporcionar aos cidadãos informações e conhecimentos suficientes para habilitá-los e incentivá-los de forma ativa e significativa nas discussões do processo de construção dos espaços livres públicos, revelando-lhes os seus potenciais enquanto produtores e gestores do espaço público urbano.
Essa abordagem mais direta de participação permite à população a ampliação da crença, de suas capacidades de opinar, produzir e gerir o espaço onde vivem. Por consequência, o papel do arquiteto deixa de ser o de único responsável pelo desenvolvimento de propostas, transformando-se em um agente mediador e facilitador de conhecimentos técnicos, artísticos e sociais. A relação entre o arquiteto e o usuário do espaço se dá numa via de mão dupla (7).
Os participantes, por sua vez, ao se sentirem mais capacitados, avaliando o que aprenderam durante o desenvolvimento do projeto participativo, dominam melhor os percursos e as tomadas de decisão do poder público. Portanto, é inegável o valor que a participação democrática dessa população exerce em processos de projetos para o exercício e a consolidação da esfera pública.
Todavia, além de importante ferramenta de tomada de decisões, a participação exerce também função pedagógica ao auxiliar na preparação dos cidadãos mais autônomos e conscientes. A apresentação de conteúdos teóricos se entrelaça a experiências e vivências construídas coletivamente a partir do intercâmbio entre as várias escalas envolvidas, sejam eles os moradores, a comunidade escolar do local, ou ainda as universidades e demais instituições.
Essa dimensão pedagógica (8) embutida nos ativismos e no espaço trata a cidade como local de aprendizagem e experiências que repercutem em outras áreas do conhecimento. Transformada em agente de educação, a cidade educadora (9), tem seus elementos da composição urbana utilizados com o intuito de desenvolver as potencialidades individuais e coletivas, estando aberta a interação, a inclusão e, consequentemente, a participação social.
Ao abordar projetos participativos e sua forte atribuição pedagógica é possível a atuação do arquiteto como um mediador de processos participativos e colaborador da promoção de métodos educadores, mas sobretudo, na qualificação dos espaços públicos enquanto ambientes capazes de educar. São práticas que geram possibilidades para a sua própria produção, incitando, portanto, a autonomia das pessoas na tomada de decisões (10). A participação dos cidadãos no planejamento urbano, sob a perspectiva da autonomia permite que a sociedade se organize de forma mais independente do Estado, criando ações, elaborando e propondo projetos, ou mesmo estabelecendo parcerias entre os vários atores sociais que se dedicam a produção do espaço (11).
Tais ações acarretam não apenas a conscientização e mobilização da sociedade civil, que passa a exigir do Estado um papel diferente do habitual modelo conservador, que é o de ouvir e atender a população e suas demandas.
Experiências e iniciativas urbanas
Diante das repercussões positivas que os projetos participativos impelem, a reflexão acerca da incorporação dos usuários do espaço como protagonistas na elaboração dos projetos urbanos, se torna uma possibilidade que pode ser considerada.
Diversos são os programas, iniciativas e propostas, dentro das esferas públicas, privadas e organizacionais, que buscam a construção da cidade nesse sentido, incorporando o vivenciador do espaço em processos de definição de programa, de projeto, e implantação da obra. Diferem seus contextos e métodos, mas a participação e inclusão popular se torna um diferencial, face às novas realidades. É importante frisar que em meio a essa diversidade, a pesquisa aborda apenas parte dos processos e formatos que viabilizam a participação social no processo de criação do espaço público.
De modo geral, são projetos que surgiram a partir de carências comuns à grande parte dos municípios brasileiros. Foram desenvolvidas em escolas, praças e parques, por diversos agentes sociais, envolvendo em algum momento do processo, a comunidade local como sua interlocutora e parceira. São experiências que demonstram resistência e luta, sensibilizando profissionais e moradores, com novas formas de convivência e solidariedade. Trata-se, portanto, de lutas que reivindicam não apenas o uso do espaço como o direito de participar.
Ao sistematizar as informações levantadas a respeito dos projetos utilizados como exemplares, observou-se a possibilidade de sintetizar seus processos de projeto em quatro fases, executadas em diferentes etapas e que incluem a participação popular por meio de ferramentas metodológicas participativas. Não é uma obrigação ter todas as fases, assim como as etapas atingidas, uma vez que isso não implica a perda de qualidade ou diminuição da efetividade do processo, apenas varia de acordo com o contexto, os objetivos e os resultados que se espera com a proposta participativa. Ressalta-se ainda que não há uma metodologia melhor do que outra. Na escolha de uma metodologia a ser utilizada, torna-se importante que o processo de participação esteja adaptado às circunstâncias do local e da população. Optar por uma estratégia padronizada, com modelos pré-estabelecidos, sem levar em consideração esses fatores pode influenciar negativamente no processo defronte as diferentes realidades.
À medida que os projetos são apresentados, os quadros de avaliação de participação popular e os quadros com a síntese do processo de projeto evidenciam quais fases e etapas ocorreram, e em quais houve o envolvimento popular, como essa participação se efetivou, quais eram seus objetivos e ferramentas metodológicas empregadas.
Diante do exposto foram selecionados, para análise, cinco projetos que contemplam diferentes escalas e formas de abordagem: 1. o primeiro projeto é intitulado Uma fruta no quintal, 2. o segundo é o Parque Ecológico Aldeia de Carapicuíba, 3. O terceiro projeto se trata do Parque Linear Laguna, 4. O quarto considera a Proposta de sistema municipal de áreas verdes e lazer e, por último, 5. O quinto aborda o Projeto Acuponto — Se liga na praça Perus.
Foram diversas as motivações que levaram as escolhas dos cinco projetos descritos acima. Primeiramente foi importante buscar profissionais que desenvolvem projetos de espaços livres públicos com a comunidade, o que nos levou aos inúmeros trabalhos e pesquisas de arquitetos paisagistas que contemplam a metodologia participativa como Catharina P.C. Santos, Raul Pereira e Caio Boucinhas. Também se buscou compreender projetos realizados em diferentes períodos na história desde o final do século 20 e início do século 21. Além disso, foi importante confrontar diversas escalas de trabalho para compreender os desafios, as limitações e um futuro aprimoramento na prática de projetos participativos. Os projetos foram organizados a seguir em ordem cronológica.
Uma fruta no quintal
ficha técnica
Uma fruta no quintal foi um projeto de abrangência municipal, com ação local, desenvolvido em Diadema entre 1993 e 1996, em um cenário comum à grande parte das cidades da Região Metropolitana de São Paulo, bastante precária em infraestrutura urbana, educação, habitação, saúde e transportes. Diante disso, O projeto surgiu por iniciativa dos arquitetos Raul Pereira e Caio Boucinhas, que já prestavam assessoria na área de paisagismo à prefeitura municipal.
O programa consistia em uma experiência que promovia discussões e ações no meio físico relativas ao meio ambiente e à paisagem, tendo a arte como eixo estruturante. O projeto, que envolveu a maioria das secretarias da prefeitura e a rede pública de escolas da cidade; foi articulado em conjunto com professores e demais membros da comunidade escolar, objetivando a realização de ações, que resultariam num primeiro momento em reabilitações e transformações dos espaços livres escolares e futuramente, dos espaços da cidade.
Com o pressuposto inicial de arborizar a cidade por meio do plantio realizado pelos próprios habitantes, nos quintais das casas e escolas, aos poucos o projeto se tornou um indutor de ações voltadas à educação ambiental. A readequação dos espaços livres das escolas abriu espaço para a discussão e sensibilização dos alunos, que eram instigados pelos professores a percorrer os quintais, observar a paisagem e expressar por meio de desenhos como gostariam que fosse o projeto ideal, auxiliando os arquitetos a elaborar os projetos paisagísticos das escolas.
Simultaneamente à elaboração dos projetos, diversas atividades eram desenvolvidas com os alunos, como forma de promover ações conjuntas capazes de informar a comunidade escolar, fomentar discussões e, sobretudo, propor soluções práticas para os problemas socioambientais. Tudo isso, visava uma contribuição da melhoria da qualidade de vida do município.
As atividades desenvolvidas com o auxílio da população abrangeram três das quatro fases básicas estabelecidas de um projeto participativo. A fase de avaliação não ocorreu, mas mesmo assim, todas as etapas realizadas do planejamento à execução, contaram com o envolvimento popular. Para isso diversas ferramentas metodológicas com diferentes finalidades e formas de inclusão foram implantadas, como evidenciado pelo quadro que sintetiza o processo de projeto e aponta as principais ferramentas metodológicas do programa Uma fruta no quintal.
Parque Ecológico Aldeia de Carapicuíba
Ficha técnica
O projeto para o Parque Ecológico Aldeia, de abrangência regional, foi desenvolvido pelo arquiteto Caio Boucinhas. Foi contratado pela Prefeitura de Carapicuíba para o desenvolvimento de um parque que incluísse a aldeia e seu entorno. Mais do que um parque ecológico, o projeto foi uma experiência significativa de projeto participativo.
Remanescente do processo de urbanização de São Paulo, a Aldeia de Carapicuíba, fundada em 1580, foi um aldeamento jesuítico. Hoje figura-se como um marco arquitetônico, declarado patrimônio histórico da Região Metropolitana de São Paulo pela Secretaria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional — Sphan.
No decorrer de 1997, diversas atividades de caráter interdisciplinar foram realizadas no aldeamento, com intuito de incluir a população no âmbito do projeto e auxiliar os profissionais na compreensão do local e suas necessidades.
As atividades foram coordenadas pela professora doutora Nidia Nacib Pontuschka e contou com o apoio de um grupo formado por moradores do aldeamento, arquitetos, alunos da pós-graduação da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo — FAU USP, bem como professores, funcionários e alunos das escolas estaduais localizadas no entorno.
Com o auxílio do quadro “Avaliação da participação popular”, nota-se que três fases foram concluídas, restando a fase de avaliação que não ocorreu. Percebe-se também que além das etapas de formação teórico-conceitual e capacitação não terem sido realizadas, a etapa de execução do projeto ocorreu sem a participação direta da população, ficando sob responsabilidade de entidades terceirizadas pela Prefeitura de Taboão da Serra. As atividades e ferramentas aplicadas podem ser contempladas no quadro “Síntese do processo de projeto”.
Parque Linear Laguna
Ficha técnica
A Prefeitura de Taboão da Serra, através de um convênio com a Universidade de São Paulo, desenvolveu em 2007 um projeto para uma região fluvial da cidade ambientalmente sensível, com vários elementos que a legislação ambiental configura como Área de Preservação Permanente — APP. O local, conhecido como Parque Laguna, além da ostensiva ausência de equipamentos sociais, de lazer e recreação, apresentava vários pontos de ocupação ilegal e porções da mata de galeria já removidas. A área envolve dois córregos, afluentes do Rio Poá, parte importante da Bacia Hidrográfica do Rio Pirajussara. Teve por objetivo criar uma identidade ao município. Desse modo, utilizaram-se da promoção de espaços livres públicos como catalizadores do processo, a fim de fundamentar a proposta do Sistema de Áreas Livres, definido pelo Plano Diretor.
Com fins de valorizar a função do rio na cidade, enquanto um espaço de lazer, de encontro, e destinado ao desenvolvimento de atividades relacionadas à educação ambiental, a prefeitura, por meio da diretoria de meio ambiente da cidade, propôs a implantação de um parque linear. A justificativa do projeto teve a intenção de barrar as invasões irregulares, além de impedir maiores danos às margens do Rio Pirajuçara.
Para que o projeto se desenvolvesse, garantindo a maior eficiência possível a todas as finalidades que lhes eram impostas, foi importante a participação de diversos agentes sociais. Assim, várias instâncias foram articuladas: órgãos da prefeitura de Taboão da Serra, a comunidade residente em bairros do entorno; o Instituto Ecoar/Procam — Projeto Bacias Irmãs; e a FAU USP.
A coordenação do projeto destinou-se aos professores Caio Boucinhas e Catharina P.C.S. Lima, representantes do Programa Fundação de Apoio à Universidade de São Paulo — Fusp, que se uniram à prefeitura e participaram do grupo que elaborou o sistema de áreas verdes de Taboão da Serra.
O trabalho desenvolvido ao longo de 2007 contemplou apenas duas fases: planejamento e elaboração. Até o momento, as fases de execução e avaliação não foram concretizadas. Ao todo foram desenvolvidas sete etapas, sendo todas efetuadas com o envolvimento popular. A síntese do processo pode ser analisada no quadro “Síntese do processo de projeto”, que além de apresentar as ações desenvolvidas, identifica as ferramentas metodológicas participativas empregadas ao longo da produção do Parque Linear Laguna.
Proposta de sistema municipal de áreas verdes e lazer
Ficha técnica
Em 2010, a FAU USP aplicou duas disciplinas aos alunos de graduação e pós-graduação na área de paisagismo, com intuito de aprimorar metodologias que associassem aulas teóricas e práticas e, ao mesmo tempo, fosse capaz de sensibilizá-los para elaboração de projetos que integrassem diferentes atores sociais.
As disciplinas foram ministradas pelos professores doutores Eugenio Queiroga, Caio Boucinhas e Catharina Lima, e tiveram como estudo de caso, a sub-bacia do Córrego Taióca, em Santo André. As atividades desenvolvidas no local, além de resultarem na proposta de criação de um Sistema Municipal de Áreas Verdes e Lazer — Smavl, contando com projetos de diversas categorias ambientais, possibilitaram o desenvolvimento de práticas que envolveram a comunidade em parceria com alunos, professores e técnicos da prefeitura.
A proposta da criação do Smavl, objetiva ampliar possibilidades de fruir a qualidade de vida que as áreas livres oferecem, por meio da consolidação de um tecido verde no território urbano de Santo André, conectando os percursos de água e sistemas de lazer aos bairros, praças, parques e demais lugares de encontro.
Apesar do projeto nunca ter sido executado, a experiência foi muito marcante não apenas para os alunos e professores, mas especialmente para os moradores envolvidos, constituindo-se como um ótimo exemplar do potencial pedagógico da paisagem. As atividades, além de variadas, se estabeleceram em diferentes etapas e em grande parte com a inclusão popular.
Já o quadro “Síntese do processo de projeto”, comprova ao exibir a compilação das atividades realizadas, que o trabalho, além de ampliar os canais de debate e ao considerar a relação afetiva da população com o local, contribuiu para a capacitação e organização dos agentes envolvidos, sistematizando as informações existentes e produzindo um novo conhecimento, com propostas de projetos que procuram atender as reais necessidades e circunstâncias estabelecidas.
Projeto Acuponto — Se liga na praça Perus
Ficha técnica
O Acuponto é uma frente de atuação do Acupuntura Urbana, um negócio social que trabalha com intervenções urbanas, desenvolvidas a partir do engajamento de comunidades locais na transformação de determinado espaço.
Esse projeto ocorreu por meio do Edital Redes e Ruas, de 2014 a 2016. Em parceria com a Prefeitura de São Paulo, através das Secretarias Municipais de Cultura, de Direitos Humanos e Cidadania e de Serviços, o projeto Se liga na praça Perus foi desenvolvido na praça do Samba, no bairro Perus, região Noroeste de São Paulo.
O edital, com o objetivo de fomentar e fortalecer ações de cultura e promover iniciativas de ocupação dos espaços públicos na cidade de São Paulo, conquistou a mobilização de diversos setores do bairro para a revitalização da praça.
Esse projeto se caracteriza pelo forte envolvimento popular, fato que pode ser comprovado ao analisar o quadro “Avaliação da participação popular”. Nota-se, que todas as fases foram efetuadas, permitindo a participação popular, excetuando-se a etapa de formação teórico-conceitual, que não foi realizada. É interessante apresentar esse projeto, não só pela completude nas fases e etapas, mas principalmente por se destacar em função do dinamismo oferecido na fase de execução, que diferente de outros projetos, contou com o envolvimento dos participantes e o desenvolvimento de uma série de atividades com esse intuito.
O projeto de revitalização da praça do Samba fundamenta-se na mudança da dinâmica dos espaços públicos na cidade, a partir da reivindicação, por parte da população, por mais espaços de qualidade, com o potencial de promover o lazer, o convívio e a interação social. A atuação, em conjunto com os coletivos urbanos, tem o propósito de tornar a população protagonista do processo, desenvolvendo o projeto e o implantando de forma mais abrangente e democrática, a partir de diagnóstico afetivo realizado previamente. O presente projeto envolveu a atuação de duzentas pessoas de forma direta, tendo como resultado a implantação de cinco novos brinquedos infantis, cinco equipamentos de academia, mesa de piquenique, palco, dois murais artísticos, uma rampa para acessibilidade, um mural histórico com a linha do tempo do bairro, além da recuperação de uma quadra.
Uma síntese dos estudos de caso: semelhanças e disparidades
No que tange as ferramentas utilizadas para a efetivação do processo de participação da comunidade, podemos citar exemplos comuns como a organização de assembleias, reuniões e palestras, e na fase de formação teórico-conceitual, quando presente, tem por princípio comum o oferecimento de cursos de capacitação.
Já na etapa de estudo preliminar também se encontram fatores comuns as atividades realizadas, como levantamento documental e físico dos locais a serem projetados, além da aplicação de questionários e entrevistas, de modo a quantificar e registrar quais os anseios da população local, e quais suas necessidades. Já para o diagnóstico verifica-se larga utilização de ferramentas como infográficos, diagramas, mapas e maquetes.
Durante a elaboração dos projetos houve o uso de workshops, reuniões e oficinas para criação de elementos artísticos e de produção textual, de modo a organizar as ideias e propor um projeto que atendesse efetivamente as necessidades da população. Durante a execução, verificam-se diferentes abordagens, com e sem a participação popular. Quando presente, a participação popular se deu a partir da promoção de mutirões, com ação voltada em diversas frentes, como construção, pintura, limpeza e manutenção.
Já na fase pós-projeto, apenas um dos exemplos concluiu a etapa de avaliação, feita a partir de consulta pública e levantamentos acerca da qualidade dos espaços e da adesão popular ao uso.
Todos os projetos têm em comum a participação da comunidade nas fases que compreendem o planejamento e a elaboração, excluindo-se apenas a etapa de formação teórico conceitual, realizada apenas no projeto: Uma fruta no quintal e Parque Linear Laguna.
Quanto a execução, três dos cinco projetos foram efetivados, e um deles, o Parque Ecológico Aldeia do Carapicuíba não contou com a participação da comunidade em sua realização. Já a fase de avaliação pós-projeto foi efetivada apenas no Projeto Acuponto — Se liga na praça Perus.
Mesmo que os exemplos indicados correspondam a uma pequena parcela das ações participativas, é evidente a diversidade de formatos e metodologias existentes, que podem ser trabalhadas pelos profissionais, em especial os arquitetos e urbanistas. Ao explorar as amostras, são levantados diversos procedimentos que não apenas tratam da inclusão do cidadão nas discussões, mas se ocupam também em capacitá-lo para tal.
Na análise dos projetos, é notório constatar o maior sucesso das propostas, quando se baseiam em métodos que valorizam o diálogo para percepção de anseios e necessidades daqueles que usufruirão do espaço. Nesse sentido, verifica-se que entre as diversas formas de estabelecer diálogos e desenvolver relações entre os grupos, uma das mais utilizadas foram as oficinas. Nessas oficinas, a arte, mostrou-se uma importante ferramenta para desenvolver a imaginação, sensibilidade, criatividade, bem como a capacidade de observação e percepção da paisagem dos participantes.
Além das oficinas, ferramentas como a observação participante, as visitas guiadas, estudos de meio, e elaboração de materiais como os biomapas contribuíram muito para o estímulo de sentidos e a percepção dos envolvidos.
Outro ponto de destaque está na troca de informações e experiências, especialmente com técnicos e universitários, induzidas por atividades que envolviam as entrevistas, palestras e workshops. Essas ferramentas, além das outras tantas reveladas, além de oferecer subsídio para o processo projetual, ao apresentar dados e informações a respeito do espaço, tornaram-se instrumentos de educação, emancipação, e comunicação para a transformação socioespacial.
Considerações finais
Tendo em vista o caráter pedagógico dessas ações e o quanto contribuem para a formação ética e política da sociedade, nota-se que, a aplicação dessas metodologias demonstra o potencial que os arquitetos possuem enquanto agentes educadores. Eficazes em gerar maior responsabilidade aos cidadãos frente a construção do espaço, habilitando-os de forma direta a aprovação do que está sendo feito, fato que também contribui para a apropriação do espaço, senso de pertencimento e orgulho por participarem.
No tocante à apropriação, como já mencionado anteriormente, a construção de espaços por meio de processos tradicionais e tecnicistas, vem exprimindo dificuldades em atingir interesses coletivos e produzir ambientes propícios para aproximação do utilizador. Nesse sentido, a participação, mediante utilização dessas ferramentas apresentadas, tem se mostrado competente ao aproximar o usuário e facilitar o processo de ocupação.
De forma democrática e participativa, esse modo de pensar e construir o espaço e as cidade, consegue refletir as necessidades e desejos daqueles que os utilizam, tornando-se, portanto, uma alternativa que tem muito potencial para ser mais explorada no campo do urbanismo brasileiro.
Apesar de existirem algumas diretrizes para essa prática, o envolvimento da população nas questões urbanas precisa ser estimulado e praticado. Um processo contínuo que faz parte de um aprendizado permanente, se desenrola ao longo do tempo e não deve parar.
Os primeiros trabalhos apresentados foram bastante frutíferos e parecem evidenciar um bom relacionamento entre poder público e universidades, ao menos na capital e região metropolitana de São Paulo. Já os trabalhos contemporâneos surgem com a emergente força de diversos coletivos urbanos que iniciaram, por volta dos anos de 2010, um processo de baixo para cima, quando profissionais e cidadãos mais conscientes buscam meios de concretizar uma melhor qualidade do meio em que vivem. Com a falta de bons investimentos do Estado nas cidades, a fim de qualificar os espaços livres públicos, os coletivos surgiram como uma esperança nas ações políticas e democráticas que se dispuseram enfrentar.
notas
1
BOUCINHAS, Caio. Projeto participativo na produção de espaço público. Tese de doutorado. São Paulo, FAU USP, 2005
2
BOUCINHAS, Caio. Espaço Público e Projeto Participativo. In GITAHY, Maria Lúcia; LIRA, José Tavares Correia de (org.). Cidade: impasses e perspectivas. São Paulo, FAU USP/Annablume/Fupam, 2007.
3
O caso da Favela de Brás de Pina, no Rio de Janeiro, demonstrou resultado positivo da organização dos moradores, assessorados por técnicos para elaboração de um plano de urbanização pautado na produção coletiva.
4
O Programa de Saneamento Ambiental da Bacia do Guarapiranga — PSBG conseguiu reunir não somente o Governo Estadual, poder municipal de São Paulo, como também a iniciativa privada, por meio de instituições interessadas na preservação do manancial, agência internacional de financiamento e a sociedade civil, com o intuito de eliminar os mais variados problemas existentes na região, sejam ambientais, de saúde, educação, e gestão do meio de maneira mais autossuficiente.
5
O Programa Favela-Bairro, foi um projeto aprovado pela prefeitura e idealizado por Luiz Paulo Conde, arquiteto e na época secretário municipal de urbanismo. Consolida-se por meio desse programa, a ideia da integração das favelas ao restante da cidade e a participação democrática de moradores nesse processo.
6
PRONSATO, Sylvia Adriana Dobry. Arquitetura e paisagem: projeto participativo e criação coletiva. São Paulo, Annablume, 2005
7
PEREIRA, Raul Isidoro. O sentido da paisagem e a paisagem consentida. Tese de doutorado. São Paulo, FAU USP, 2006.
8
Ao se apropriar desse pensamento de que a paisagem tem a capacidade de educar, o conceito de pedagogia da paisagem, aqui empregado identifica-se com a proposta de Catharina Pinheiro dos Santos Lima, na qual admite-se como hipótese que a paisagem possui o poder de educar pessoas, seja de maneira informal, pela percepção ao se apropriar de determinado espaço, ou de forma mais intencional, permitindo que ela seja didaticamente consolidada em um âmbito educacional.
9
O pensamento de cidade educadora, desenvolvido por Jaume Trilla, procura esclarecer que as atividades e ações pedagógicas não devem ficar restritas ao edifício escolar tradicional, mas devem complementar-se aos ambientes informais da sociedade. Esse ideário se fortaleceu e nos anos 1990, com base em um congresso realizado em Barcelona, teve início o movimento Cidades Educadoras. TRILLA, Jaume. A educación non formal e a cidade educadora: dúas perspectivas (unha analítica o outra globalizadora) do universo da educación. Revista Galega do Ensino, n. 24, Santiago de Compostela, 1999, p. 199–221.
10
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 31ª edição. São Paulo, Paz e Terra, 1997.
11
SOUZA, Marcelo Lopes de. Mudar a cidade: uma introdução crítica ao planejamento e à gestão urbana. Rio de Janeiro, Bertrand Brasil, 2002.
sobre os autores
Gabriela Capuano Pedro é arquiteta pela Universidade Metodista de Piracicaba. Foi responsável por desenvolver a pesquisa sobre projetos de participação popular e a construção da cidadania de agosto de 2017 a julho de 2018.
Alessandra Natali Queiroz é arquiteta e urbanista (Unimep, 1999); mestre (2007) e doutora (2012) pela FAU USP; docente do curso de Arquitetura e Urbanismo da Unip e coordenadora do curso de Arquitetura e Urbanismo da Faculdades Integradas Einstein de Limeira.