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drops ISSN 2175-6716

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Roberto Segre comenta a morte súbita de Eliana Cárdenas em Madri.

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SEGRE, Roberto. O adeus do mestre à discípula. Eliana Cárdenas (Havana 1951 – Madri 2010). Drops, São Paulo, ano 10, n. 031.01, Vitruvius, mar. 2010 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/drops/10.031/3359>.



É mais comum que os discípulos escrevam as lembranças do velho mestre que este deva assumir a triste notícia do falecimento de um de seus discípulos. É doloroso e triste assimilar a morte de Eliana Cárdenas, a principal historiadora da arquitetura de Cuba. Cárdenas, voltando para Cuba da Espanha – país aonde acabara de ministrar palestras em várias universidades ao longo do mês de fevereiro, sendo uma delas, a de Barcelona, noticiada há dias atrás no Vitruvius –, sofreu em Madri um derrame cerebral irreversível e veio a falecer em 4 de março nesta cidade.

Há quarenta anos Eliana e eu trabalhamos juntos no ensino da história da arquitetura e nas pesquisas sobre Havana. Quando começou o curso de arquitetura em 1967, a escola passava por um período de dogmatismo tecnocrático. Tinha sido “ocupada” pelo Ministério da Construção, e o ensino cultural e teórico foi banido com a justificativa que em 1970 se desenvolveria a “Safra dos 10 milhões”; e que todo o esforço do país deveria se dedicar a esta tarefa, o que não permitiria divagações intelectuais. Mas, um grupo de professores tentou resistir – Mario Coyula, Luis Lápidus, Emilio Escobar, Fernando Salinas, Roberto Gottardi e eu –, lutando pela continuidade do ensino dos cursos culturais, que voltaram a ser ministrados em 1970, quando, inclusive, a “Safra”, não foi bem sucedida. Nesse momento tivemos a apoio de alguns estudantes, e Eliana Cárdenas foi uma das principais protagonistas nesta luta, não somente pela sua paixão pela arquitetura – assumida como um fenômeno cultural –, mas também porque era uma dos poucas alunas que se interessavam por outras artes – literatura, música, artes plásticas e, em especial, poesia. Esta última foi uma vocação constante ao longo da sua vida. Poemas de sua autoria foram publicados em Cuba e em revistas da América Latina.

Evidenciado o talento de Eliana, em 1972 a convidei a participar na equipe de pesquisa que eu dirigia – o Grupo de Investigación de Historia de la Arquitectura y el Urbanismo (GIHAU) –, desenvolvendo o levantamento da Havana Velha e as pesquisas sobre a evolução histórica da cidade, que se concretizaram no livro La Habana. Transformación urbana en Cuba, publicado pela Gustavo Gili na Espanha em 1974. Mas, como os estudantes de arquitetura, quando se formavam, tinham que trabalhar dois anos fora da Havana, Eliana se instalou em Santiago de Cuba – segunda cidade do país –, onde acabava de ser criada a Escola de Arquitetura. Ali, começou a ministrar aulas de história da arquitetura até 1977, ano em que voltou à Havana, e também assessorou os planos de reabilitação das cidades de Bayamo e Guantánamo.

Ao voltar à Havana, imediatamente foi convidada a ministrar as aulas de história da arquitetura na Faculdade, e juntos criamos o curso de Teoria e Critica da Arquitetura, que nunca foi bem assimilado pelos alunos, e teve pouca duração. Mas, escrevemos um livro com a nossa visão marxista-semiológica que teve grande sucesso na América Latina, sendo nossa metodologia de análise arquitetônica aplicada no Equador – onde também foi publicado o livro – e na Bolívia. Até hoje os professores bolivianos continuam assumindo esta nossa visão da crítica da arquitetura. Posteriormente, ela continuou aprofundando o tema, e em 1998, na Escola de Arquitetura de Guanajuato, México, publicaram o seu livro Problemas de teoria de la arquitectura. E também manteve os seus estudos literários, especialmente voltados na interpretação da obra de José Martí, e que a permitiram obter diversos prêmios nacionais e internacionais: Em Cuba, o “Prêmio 13 de Março”, da Universidade de Havana, em 1980; e o “Prêmio Ensaio Razón de Ser”, da Fundação Alejo Carpentier, em 1996. E no México, o Prêmio Plural de Ensaio, em 1981.

Não é possível neste breve espaço enumerar todas as significativas contribuições de Eliana Cárdenas à arquitetura cubana. Ela lutou toda a vida pela significação cultural da arquitetura e pela valorização do patrimônio construído, em um contexto adverso, cheio de incompreensões, de desprezo pela arquitetura como manifestação artística, submetida às pressões tecnocráticas de um sistema onde a economia se transformou no valor essencial na avaliação dos prédios a ser construídos. Em cada evento, em cada seminário, e nos diferentes cargos que ocupou na União de Escritores e Artistas de Cuba, no Docomomo, no Icomos, na Comissão do Patrimônio de Havana, e na Faculdade de Arquitetura de Havana, ela sempre foi a defensora da procura da identidade nacional na arquitetura cubana, através da inovação e criatividade das novas obras construídas.

Com uma saúde precária, em uma vida humilde com escassas condições materiais, teve que lutar contra a dura adversidade da realidade cotidiana; e o que tem que se admirar em Eliana foi o seu espírito de luta, o otimismo, o entusiasmo de levar sempre à frente todas as iniciativas, com os sacrifícios que fossem necessários, na sua identificação total com a Revolução cubana. Assim, por anos dirigiu quase solitária a revista Arquitectura y Urbanismo da Faculdade de Arquitetura de Havana, e deixando a sua família e a sua vida pessoal em Cuba, esteve dois anos palestrando em Angola, desenvolvendo os estudos de Teoria e História da Arquitetura na Universidade Agostinho Neto, em Luanda.

Atualmente estava aprontado o seu segundo doutorado e juntos iríamos escrever uma história geral da arquitetura cubana, desde as origens até hoje. E pouco antes de sair de Havana, ela entregou um livro com uma coletânea dos meus textos sobre o Caribe, com um seu longo e detalhado prólogo. O falecimento de Eliana vai criar um grande vazio na história e crítica da arquitetura cubana, que por longo tempo não vai ser preenchido. Agora, a tarefa de todos os que trabalhamos e compartilhamos a vida com ela é reunir os seus textos críticos e publicá-los, para que o seu esforço, a sua luta, e seu entusiasmo e os seus ideais permitam a formação das gerações futuras de arquitetos cubanos.

sobre o autor

Roberto Segre, arquiteto e crítico de arquitetura, professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Roberto Segre, Rio de Janeiro RJ Brasil

 

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