O RIBA Research Symposium 2009 aconteceu dia 24 de setembro último na sede do RIBA em Londres. Um excelente mix de palestrantes incluindo desde arquitetos praticantes a acadêmicos e profissionais de outras áreas ligadas à arquitetura foi dividido em quatro sessões ao longo do dia, com a proposta de discutir e reavaliar a prática da profissão através dos temas: A Evolução da Prática, A Organização da Prática, A Ideologia da Prática e O Futuro da Prática. O texto a seguir destaca resumidamente as participações mais interessantes.
O simpósio foi aberto por Anne Lacaton, do escritório francês Lacaton & Vassal, vencedor do Grande Prêmio Nacional de Arquitetura Francesa de 2008. Sunand Prasad, representante do RIBA que apresentou a convidada, destacou as palavras chave caras ao escritório francês: "uso", "sentido" e "custo", assim como o mantra "A arquitetura será direta, útil, precisa, barata, livre, jovial, poética, cosmopolita e otimista", para contextualizar e singularizar o trabalho dos arquitetos franceses dentre as práticas contemporâneas. Seus projetos, nas palavras de Prasad, "estendem as fronteiras sociais e econômicas da arquitetura".
Anne Lacaton colocou como função primordial de sua arquitetura a melhoria da qualidade de vida das pessoas através do trabalho na escala do indivíduo. Pensar na escala do indivíduo, segundo ela, significa questionar e reformular os padrões da habitação, totalmente inadequados à realidade social – a França ainda adota como padrão a família constituída por um casal e dois filhos – e frequentemente obedecidos sem questionamentos pela maioria dos arquitetos.
Como exemplo, Anne apresentou o projeto para um conjunto habitacional construído em Mulhouse, França, em 2005, onde 100% da área do terreno foi utilizada, através da inclusão de um jardim de inverno em cada unidade. Esse ambiente, semi-aberto, funciona como um dispositivo de controle da temperatura interna, podendo ser ora extensão da sala de estar, ora jardim de inverno, o que praticamente dobrou a área útil padrão das unidades. Através de um acordo prévio com o cliente, os inquilinos não tiveram aumento do aluguel em função do aumento de área. Também fruto de um acordo com o cliente, as paredes divisórias dos apartamentos foram reduzidas às essencialmente necessárias, com a possibilidade de construção futura, se solicitada. Depois de quatro anos de uso nenhum morador pediu a construção de divisórias. Cada família resolveu criativamente seu espaço interno garantindo individualidade através de uma incrível diversidade espacial.
Também questionando padrões, Anne Lacaton colocou-se inteiramente contra a demolição de edifícios habitacionais representantes do que ela chamou de "herança moderna". Através de seu projeto de transformação habitacional Saint-Lazaire em La Chesnaie, mostrou como através de estudos minuciosos dos edifícios condenados ou problemáticos é possível mudar quarto por quarto, apartamento por apartamento – processo que parte do interior para o exterior e garante qualidade espacial, ao mesmo tempo que promove a renovação da imagem do edifício, muitas vezes mais importante para os políticos (e para sua viabilidade) do que para os próprios moradores.
Na sessão "Evolução da Prática", Tatjana Schneider, da Escola de Arquitetura da Universidade de Sheffield, fez uma crítica contundente à obsessão dos arquitetos pela forma, e por 'resolver problemas' ao invés de simplesmente clareá-los e organizá-los para que todos os envolvidos possam juntos resolvê-los. Em suas palavras, "arquitetos reagem ao invés de iniciar, respondem ao invés de agir, contestam ao invés de formular." Mostrou vários exemplos de práticas, em diversos países, que ampliaram o campo da arquitetura aplicando sua inteligência espacial além de um projeto construído, em direção a projetos colaborativos de base teórica ou ideológica, entre eles o projeto MOM de Belo Horizonte.
Albena Yaneva, antropóloga e professora de arquitetura da Universidade de Manchester, propôs outra leitura da arquitetura além daquela preocupada com os aspectos simbólicos do edifício, ou com a revelação das idéias e da imaginação subjetiva de seu 'criador' como um gênio do séc. XVIII. Com base na experiência 'banal, mundana, trivial' do dia-a-dia de um escritório de arquitetura (em seu caso o OMA), Albena propõe uma análise de abordagem pragmatista que restabeleça as conexões entre o edifício e as condições de sua criação, entre a prática de projeto e os insights, entre imaginar e fazer, afirmando que não é possível entender um edifício sem considerar a experiência de projeto imbuída nele.
Na sessão "Ideologia da Prática", Liza Fior, do escritório MUF Architecture/Art de Londres abordou o tema Ideologia através da exploração que faz em seus projetos do descompasso sempre existente entre o cliente que paga e idealiza o projeto e o usuário que irá usufruir dele. Esse descompasso dá margem a uma releitura do programa e a um esclarecimento sobre quem é o cliente e de onde vem o dinheiro, o que acarreta quase sempre uma reconceituação do projeto proposto. Como exemplo, Liza mostrou o caso em que o cliente – uma prefeitura – pedia o projeto de uma nova biblioteca para a cidade. A leitura do entorno, através do levantamento dos estúdios de artistas e artesãos existentes na área e de vários espaços subutilizados dispersos ao redor do terreno objeto da proposta alçou o projeto a outra escala, reunindo as atividades existentes em um grande projeto cultural no qual a nova atividade 'biblioteca' seria uma a mais a completar o programa. Assim, o projeto ampliou consideravelmente o escopo inicial sem ampliar o orçamento, garantindo a aceitação e a participação da comunidade na nova proposta, agora de escala urbana.
Na sessão "Futuro da Prática", Indy Johar, arquiteto estrategista co-fundador do escritório de pesquisa e projetos 00:/ de Londres, focado na "re-imaginação, re-pensamento, re-desenho e re-organização de lugares", fez críticas severas ao RIBA por ter resistido tanto tempo em colocar em pauta assunto tão urgente quanto o do presente simpósio – as necessárias e inevitáveis mudanças na profissão. Discutiu resultados de sua pesquisa que cria plataformas para discussão e projetos para lugares com vida comunitária e estilos de vida sustentáveis – de estratégias de vizinhança buscando agenciamentos sociais e cívicos a ambientes inovadores que conscientemente respondam aos novos modos de trabalho. Concordando com a linha de pensamento anteriormente exposta por Tatjana, Johar propõe pensar lugares, não objetos; projetar arquitetura ao invés de projetar edifícios.
Como fechamento das sessões, Jeremy Till, autor do recém-lançado livro "Architecture Depends", investigou a necessidade de descartar as conhecidas definições de arquitetura se o objetivo é achar novos caminhos para a atuação em face das forças transicionais em curso. Para ele, a mudança na prática da arquitetura passa necessariamente por uma nova ética na qual o cliente deixa sua posição de beneficiário principal do projeto arquitetônico para dar lugar à coletividade, concluindo com a frase de Zygmunt Bauman: "Assumir uma postura ética significa assumir responsabilidade pelo outro."
O plenário de discussão que se seguiu com a participação de todos foi aberto pela sugestão explosiva de Stephen Hill, dando continuidade ao argumento de Jeremy Till: se buscamos uma postura ética, devemos acabar com os prêmios de melhor projeto e melhor edifício promovidos anualmente pelo RIBA e premiar "o melhor entendimento do espaço" ou "o projeto usado por mais tempo", colocação que agitou e dividiu a platéia.
sobre a autora
Arquiteta (FAU PUC-Campinas), mestre em história e teoria (Architectural Association), doutoranda em arquitetura pela FEC Unicamp. Sócia do escritório Ultradesign arquitetura contemporânea desde 1996.
Patrícia Martins, Campinas SP Brasil