Na literatura acadêmica, são unânimes as referências ao conflito vivido pelos alunos da Escola de Engenharia Mackenzie, que nas décadas de 1930 e 40 se decidem pelo curso de arquitetura.
Em total descompasso frente ao movimento moderno que corria a todo o vapor na Europa e nos Estados Unidos, e aos poucos penetrava no Brasil, o curso fundado em 1917 permanecia fiel aos moldes da École des Beaux-Arts de Paris, dispensava bibliotecas especializadas, não estimulava a leitura e adicionava o autoritarismo assumidamente declarado por seu diretor, Christiano Stockler das Neves, para quem “a arquitetura brasileira só tinha um caminho: adotar os nobres estilos europeus, especialmente o Luiz XVI, o mais refinado de todos” (1).
É sabido que diante desse quadro e das notícias de uma nova arquitetura que chegavam à revelia do mestre, alguns grupos de alunos se voltam para um salutar aprendizado individual, que na primeira oportunidade se manifestaria através de atitudes sintonizadas com os novos tempos. Para sobreviver à gestão do Professor Christiano, os mais interessados passam a percorrer bibliotecas e livrarias, a freqüentar estágios e a criar uma espécie de “faculdade paralela (...) para se discutir aqueles temas proibidos” (2). A esse respeito, Irigoyen (3) é a autora que dispõe do mais rico repertório de motivos e justificativas de ex-alunos, que se alternam do interesse próprio até a esperada reação em grupo motivada pelo simples “prazer de contradizer” o mestre que, por um motivo ou por outro, acabou vencido por Aalto, Gropius, Mies, Neutra e Wright. Entusiasmados com os novos ídolos, porém polidamente educados, os estudantes então se debatiam entre o modernismo e as belas aquarelas “copiadas” de modelos renascentistas e barrocos, com direito a menções honrosas e publicações na Revista de Engenharia Mackenzie.
Somava-se a esse aprendizado antagônico, uma formação “altamente profissionalizante no sentido de ensinar a desenhar, a detalhar, a calcular e fazer orçamentos” (4), e um título de “engenheiro-arquiteto”, que de certa forma soava frustrante para quem ouvia do próprio Christiano, “ser a architectura, antes de tudo, uma bella arte e não um ramo da engenharia” (5).
A regulamentação da profissão, defendida por Stockler das Neves desde 1927 (6), e decretada em 1933 (7), se por um lado reforçou a convicção do mestre, que logo a seguir renomeia o curso para Bellas Artes (não mais Architectura) (8), por outro garantiu um salto na auto-estima dos alunos da turma de 34, que depois de adaptados a uma série de mudanças (9), foram premiados com os primeiros títulos de “Arquiteto”, emitidos já em 1939.
O fato é que, com base na fundação das Faculdades de Arquitetura ter acontecido somente em 1947 e 48, lá se vão sete décadas de arquitetos formados pelo Mackenzie (e quiçá pela Escola Politécnica (10)), ainda hoje titulados como “engenheiros-arquitetos”. Polêmicas à parte e diplomas na mão, é tempo de se reescrever biografias.
notas
1
LEMOS, Carlos A.C. “Ecletismo em São Paulo”. In: Ecletismo na arquitetura brasileira. Organização Annateresa Fabris: Carlos Lemos [e] São Paulo: Nobel / USP, 1987, p. 93.2
IRIGOYEN, Adriana. Da Califórnia a São Paulo: referências norte-americanas na casa moderna paulista 1945-1960. FAU-USP: Tese de doutorado, 2005, p. 104.3
Op. cit., p. 99-112.4
LEMOS, Carlos A. C. Arquitetura Brasileira. São Paulo: Melhoramentos, Edusp, 1979, p. 155.5
STOCKLER e BREIA, Maria Teresa. A transição do Ensino da arquitetura Beaux-arts para o ensino da arquitetura moderna na Faculdade de Arquitetura Mackenzie: 1947-1965. FAU-USP: tese de doutorado, 2005, p. 121.6
Op. cit., p. 121-127.7
Decreto Federal nº 23.569 de 11 de dezembro de 1933.8
STOCKLER e BREIA, Op. cit, p. 161.9
Op. cit, p. 162-164.
10
Na ausência de Diplomas da Escola Politécnica, a autora deixa em aberto essa confirmação.
sobre o autor
Fernanda Ciampaglia é arquiteta formada em 1970 pela Faculdade de Arquitetura Mackenzie.
Fernanda Ciampaglia, São Paulo SP Brasil