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drops ISSN 2175-6716

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José Galbinski relembra seu encontro com Marshall Berman, em Brasília, na década de 80, pouco após o lançamento do seminal livro "Tudo o que é sólido desmancha no ar".

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GALBINSKI, José. Marshall Berman em Brasília. Drops, São Paulo, ano 14, n. 074.01, Vitruvius, nov. 2013 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/drops/14.074/4936>.


Autógrafo de Berman
Foto José Galbinski


O filósofo e escritor Marshall Berman, 72 anos, faleceu no dia 11 de setembro de 2013. Uma grande perda. Professor da City University of New York, onde realizei meus estudos de pós-doutorado (1982), Marshall Berman era conhecido por sua generosidade e sólida cultura, transpassando um amplo espectro interdisciplinar ao abordar a estética, a arquitetura, o planejamento urbano, a economia, a literatura, e por ser um bom glutão. A notícia me trouxe à memória o encontro que mantivemos.

Em agosto de 1987, fiquei tomado de agradável surpresa quando soube que Marshall Berman acabara de chegar e estava sequioso por conhecer a mais nova experiência modernista mundial, Brasília. Na época eu dirigia o programa de pós-graduação da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo-UnB e acabara de ler, na semana anterior, seu brilhante livro Tudo o que é sólido desmancha no ar (1982), como parte de meus estudos sobre arquitetura e planejamento urbano na pós-modernidade. Berman reafirma sua aderência ao marxismo e, principalmente, sua visão trágica do modernismo, ao capturar para o título de seu livro a expressão usada por Karl Marx em seu famoso Manifesto Comunista:

"Todas as relações fixas e cristalizadas, com seu cortejo de concepções e opiniões antigas e veneráveis são varridas, todas as novas tornam-se antiquadas antes que possam ossificar. Tudo o que é sólido desmancha no ar, tudo o que é sagrado é profanado, e os homens são compelidos, finalmente, a encarar com serenidade suas condições reais de vida e suas relações com sua espécie” (tradução livre, grifo nosso).

Convidei Marshall Berman a um barzinho da Asa Norte onde mantivemos um longo “papo” –para mim, maravilhoso – sobre modernismo. Ele queria debater e eu ávido para enriquecer meu arsenal pós-modernista. De fato, em seu livro o filósofo punha a nu a essência desenvolvimentista, destruidora do modernismo, que planejadores se negavam a aceitar. Na década de 1980, o debate internacional era intenso, acompanhando as inúmeras realizações arquitetônicas neste campo em vários países, como França, Inglaterra, Estados Unidos e Alemanha Ocidental, dentre outros. Na reconstrução de Berlim, por exemplo, especialmente nos bairros de Kreusberg, Tegel, Prager Platz e em áreas próximas ao Tiergarten, se formou um verdadeiro canteiro de obras pós-modernistas, com prédios projetados pelos mais renomados arquitetos, convidados de várias nacionalidades. No Brasil isto era visto com desconfiança.

Berman não poupou Brasília em sua crítica mordaz: considerou a cidade desagradável e que precisava, urgentemente, ser humanizada. Sugeriu implantar no Eixo Monumental bares, cafés, restaurantes, livrarias, espelhos d’água, caminhos para pedestres etc. Houve quem protestasse... Na crítica, Berman antecedeu em 28 anos a Jan Gehl que, em Cities for People (Island Press, 2010) cunhou a curiosa expressão Síndrome de Brasília. Gehl explica:

“Vista do ar, Brasília é uma bela composição... No entanto, quando vista ao nível dos olhos a cidade é uma catástrofe” (tradução livre).

Voltando ao nosso papo no barzinho da Asa Norte, quando a conversa já estava bem adiantada na noite, perguntei sobre seus planos de pesquisa futuros:

— de momento não tenho planos, respondeu.

Diante desta franca e incisiva resposta, decidi lhe provocar:

— Acho que depois de analisar o modernismo, você deveria abordar o pós-modernismo. É a sequência lógica de seu trabalho, afirmei. Continuando: — Afinal, seu livro ao expor as mazelas do modernismo, indiretamente, remete o leitor ao pós-modernismo. Portanto, trata-se de, tão somente, prosseguir na trilha até então percorrida com sucesso.

Ele nunca abordou este tema e nem poderia, pois na ocasião não lembrei de que as origens do pós-modernismo estão em Ludwig Wittgenstein (investigações filosóficas, 1953), filósofo, judeu alemão, que com seus famosos “jogos de linguagem“ criou as condições para que, mais tarde, surgisse a corrente do pós-modernismo e o chamado fim das metanarrativas, incluídas entre elas a crença na ciência, no nacionalismo e no próprio marxismo. Fim provocado menos pelo envolvimento capitalista, do que por sua erosão interna e pela incapacidade de manter seus vínculos com a sociedade. Seu livro posterior surgiu 17 anos depois, com o sugestivo título Adventures in Marxism (1999), como se podia esperar.

Guardo com carinhosa lembrança, a dedicatória que escreveu em meu livro: “For Joseph, Shalom! Marshall, a lovely eve. of dialogue in Brasilia. Aug.87”.

sobre o autor

José Galbinski, Ph.D., é coordenador-Curso de Arquitetura/UniCEUB.

 

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