Tudo começou quando discutíamos a organização de um livro sobre a obra de Marcos Acayaba tendo a exposição Território de Contato como ponto de partida. O arquiteto participou do módulo 2, que contou também com a participação do artista plástico argentino Nicolás Robbio (1). Durante a seleção dos projetos que contemplariam o “módulo triangular” – um dos conceitos trabalhados pelos curadores Marta Bogéa e Abilio Guerra para a exposição –, Acayaba manifestou o desejo em incluir o projeto para o concurso do Pavilhão do Brasil na Exposição Internacional de Sevilha. Em sua opinião, o projeto contava com uma boa ideia que, por circunstâncias diversas, acabou não sendo desenvolvido a contento. Por associação, comentou que um outro projeto – o Museu Brasileiro da Escultura, MuBE –, também realizado para concurso, não tinha igualmente desenvolvido as potencialidades do bom conceito inicial.
O desejo do arquiteto em desenvolver os dois projetos foi o motor para a conceituação da experiência acadêmica, que desembocou na ideia de uma oficina de modelos. Desde o início estava presente a convicção de que não se trataria da confecção de maquetes em escala pré-determinada para representar um projeto pronto. Ao contrário, imaginava-se que o desenvolvimento de protótipos em várias escalas poderia ser uma boa estratégia para revisitar os conceitos originais.
Quando a conversa estava neste nível, já tinha se agregado à equipe o arquiteto Antônio Carlos Barossi, professor da FAU USP. Sendo Marcos Acayaba e Marta Bogéa também professores na instituição, a presença de Abilio Guerra, professor da FAU Mackenzie abria a possibilidade de um evento interinstitucional. Uma das decisões mais cruciais era a determinação do período das atividades, pois os calendários das duas escolas eram muito diversos: o período letivo estava previsto para se iniciar no final de janeiro no Mackenzie e na metade de fevereiro na USP. Desde sempre se havia optado pela realização da experiência nas dependências do LAME – Laboratório de Modelos e Ensaio da FAU USP, ao lado do edifício de Vilanova Artigas na cidade universitária, por conta das excelentes condições de equipementos e espaço. O engajamento entusiasmado do professor Artur Rozestraten, responsável pelo laboratório, foi fundamental. E, ao se optar pela realização no início de fevereiro, decidiu-se também que as atividades se concentrariam na USP, onde as aulas ainda não teriam se iniciado.
Decididas as questões institucionais, o “Objetivo” da oficina estava igualmente decidido ele foi formatado posteriormente na Ementa da seguinte forma: “Do ponto de vista acadêmico, o objetivo principal é estudar o procedimento de projeto de Marcos Acayaba a partir de dois projetos originalmente apresentados pelo arquiteto em concursos de arquitetura: Museu Brasileiro da Escultura – MuBE e Pavilhão do Brasil na Exposição Internacional de Sevilha. Os projetos, realizados em tempo escasso, contém conceitos fortes que não foram plenamente desenvolvidos na ocasião. A intenção é desenvolver ambos os projetos a partir de um debate da documentação disponível de ambos os projetos. Do ponto de vista institucional, o objetivo central é o estabelecimento de um espaço de discussão entre as duas escolas de arquitetura envolvidas, permitindo que professores e alunos troquem experiências nos âmbitos do projeto, teoria/história e tecnologia”.
A iniciativa foi enquadrada como uma atividade complementar e foram feitas tratativas junto às direções das duas escolas para institucionalizar e operacionalizar a iniciativa, visando não só a realização da oficina, mas também garantir aos alunos um comprovante de horas em atividades complementares previstas no curriculum de cada um dos cursos. A atividade complementar interinstitucional de 36 horas contou com a chancela de Marcelo Romero e Maria Cristina Leme, diretor e vice-diretora da FAU USP, e de Valter Caldana, diretor da FAU Mackenzie. Este último, apoiador da atividade desde o início, viabilizou a participação dos alunos e professor da instituição, uma vez que o ano letivo já teria começado.
Dos pontos de vista organizacional e metodológico, inicialmente se cogitou um período de duas semanas, em apenas um período, que foi logo a seguir mudado para uma semana de atividades em dois períodos, para se estabilizar no seguinte formato definitivo: uma aula inaugural, com a participação do professor convidado Yopanan Rebello; uma semana de oficina com atividades nos períodos da manhã e tarde, com a participação dos professores; e uma apresentação final marcada para a sexta-feira da semana seguinte, o que possibilitaria aos alunos terminarem seus modelos dentro do ritmo de finalização pertinente a cada equipe (2). No desenvolvimento dos modelos se estabeleceu a participação de 24 alunos, sem estipular um número específico para cada escola, que seria decidido posteriormente, na seleção dos participantes. Estas decisões visavam contemplar o item “Metodologia” da Ementa da atividade:
“Aulas e debates sobre os projetos envolvendo professores, alunos e convidado; divisão dos alunos em seis equipes mistas, com alunos das duas escolas em cada equipe, permitindo uma maior interação entre as duas faculdades envolvidas; atribuição dos projetos às equipes (três equipes desenvolverão o MuBE, três equipes desenvolverão Sevilha); desenvolvimento em equipe do projeto atribuído, usando como instrumentos de verificação croquis, desenhos em CAD e modelos tridimensionais provisórios; desenvolvimento de desenhos específicos para execução dos modelos definitivos; execução de seis modelos definitivos, um por equipe, gerando três versões distintas de cada um dos projetos, registro dos desenvolvimentos realizados em paralelo por cada equipe; documentação fotográfica de todo o processo (aulas, debates, discussões internas das equipes, assessorias dos professores, desenhos, manuseio dos materiais, confecção dos modelos provisório e final; discussão sobre os modelos finais e sobre o processo de trabalho”.
O passo seguinte foi divulgar a convocatória, que ocorreu a partir do dia 10 de janeiro de 2014, através de circulares das escolas, mensagens no Facebook e notícia no portal Vitruvius (3). Na convocatória, se fazia a seguinte solicitação: “alunos interessados da graduação da FAU USP e da FAU Mackenzie devem preparar portfolio em PDF com modelos realizados em disciplinas dos respectivos cursos de arquitetura”. Contudo, o interesse foi maior do que o esperado e os professores decidiram pela convocação de todos os interessados, sem uma seleção, mantendo o mesmo número de equipes e ampliando o número de participantes em cada uma delas. Inicialmente superior a 40 inscritos aceitos, no primeiro dia de atividades se estabilizou em 36 participantes – 22 alunos da USP, quatro deles intercambistas de Portugal e Alemanha; e 13 do Mackenzie (4) – com apenas uma desistência ao longo das atividades, por motivo de saúde. Foi de extrema relevância neste momento a participação de Luciene Ribeiro dos Santos, secretaria do Grupo de Disciplinas de Projeto de Edificações da FAU USP, que gerenciou os contatos com os alunos interessados.
A realização da oficina obedeceu regiamente o cronograma presente na ementa. Na aula inaugural, ocorrida em uma segunda-feira de manhã, tivemos inicialmente uma explanação do arquiteto Marcos Acayaba, explicando em detalhes as circunstâncias dos projetos originais e as ideias-chave que foram desenvolvidas na ocasião. Insistiu na possibilidade de desenvolvimento das ideias, questão que não era retórica, como se comprovou posteriormente no desenvolvimento das atividades no LAME. A seguir, Yopanan Rebello fez uma abordagem estrutural criteriosa dos dois projetos, lançando ideias e alternativas de como poderiam ser solucionadas as estruturas do MuBE e Pavilhão de Sevilha. Mais do que um receituário, o que estava em questão era a abertura de um campo de possibilidades, o que foi vital para o desenvolvimento posterior por parte de professores e alunos.
No mesmo dia, à tarde, todos os participantes estavam prontos para o início dos trabalhos no LAME. Foram organizadas as seis equipes, todas elas com alunos das duas escolas, e os professores aproveitaram a oportunidade para trazer à discussão questões práticas e conceituais que serviram de subsídios para o desenvolvimento do trabalho. Iniciou-se neste mesmo dia uma primeira abordagem volumétrica, a partir de ensaios rápidos feitos com papel e tesoura. Esta dinâmica entre a sala de aula e o laboratório se mostrou muito útil e produtiva e foi adotada ao longo dos outros quatro dias de atividade. Neste período, a participação de dois monitores da FAU USP – Marcos Otavio Silvério, mestrando e Thais Viyuela de Araujo, graduanda – foi muito importante, tanto na organização como no registro fotográfico do andamento dos trabalhos.
Surpreendeu os professores que as dificuldades iniciais se deram de forma exatamente oposta ao esperado: o projeto do Pavilhão de Sevilha, com uma estrutura intrincada e cheia de excepcionalidades, foi rapidamente dominada pelas equipes, que encaminharam desenvolvimentos alternativos com grande aprofundamento; enquanto isso, os grupos que se dedicavam ao MuBE – aparentemente um projeto de extrema simplicidade – enfrentaram uma grande dificuldades na compreensão do engaste do embasamento no terreno. Esta dificuldade inesperada acabou concentrando as discussões nos dois primeiros dias, criando um certo desequilíbrio de tempo dedicado ao desenvolvimento das duas frentes de trabalho, situação muito corriqueira em sala de aula, onde os problemas acabam merecendo uma atenção mais concentrada. Mas, diferente da sala de aula cotidiana, os problemas eram enfrentados conjuntamente, com os alunos de equipes e projetos diferentes se ajudando com sugestões e soluções práticas. Esta harmonia do ateliê, que perdurou durante todo o período de trabalho, foi a parte mais adorável da experiência.
Na sexta-feira seguinte, todos estavam novamente a postos para a apresentação final na Sala dos Espelhos da FAU Maranhão. Ao lado dos modelos já conhecidos pelos professores, outros tantos que foram desenvolvidos durante a semana, sem a supervisão docente. Na apresentação dos modelos feita por cada equipe, o processo de trabalho mereceu uma atenção especial, com projeção de modelos intermediários e desenhos do desenvolvimento dos projetos. Três Museus Brasileiros da Escultura e três Pavilhões do Brasil em Sevilha estavam diante dos olhos do público presente.
Quase três meses depois da apresentação final, no dia 3 de maio de 2014, sábado de manhã, os alunos da FAU USP e da FAU Mackenzie foram recebidos pelo arquiteto e professor Marcos Acayaba em sua própria residência, projeto consagrado de sua autoria. Uma solenidade despojada, onde os alunos presentearam o arquiteto com os modelos desenvolvidos na oficina. Para os participantes restou a sensação que o espaço da escola pode ser habitado de forma produtiva e prazerosa.
notas
1
Exposição Território de Contato, módulo 2 – Nicolás Robbio e Marcos Acayaba. Curadoria de Marta Bogéa e Abilio Guerra. Sesc Pompeia, São Paulo, de 21/06/2012 a 08/07/2012.
2
O cronograma de atividades foi o seguinte: 10/02, das 10h às 12h30: apresentação dos projetos por Marcos Acayaba; análise estrutural por Yopanan Rebello (FAU Maranhão); 10/02, das 14h às 17h: organização equipes início de construção (LAME FAU USP); 11/02 a 14/02, das 10h às 17h: construção dos modelos e documentação fotográfica (LAME FAU USP); 21/02, às 10h: apresentação e debate sobre os modelos (FAU Maranhão).
3
Marcos Acayaba / Oficina de modelos como instrumento de projeto. Concursos Museu Brasileiro da Escultura e Pavilhão de Sevilha. São Paulo, Jornal Vitruvius, seção Seleção, 10 fev. 2014 <www.vitruvius.com.br/jornal/selections/read/838>.
4
A equipe final ficou assim constituída: Professores da FAU USP: Marcos Acayaba, Antônio Carlos Barossi e Marta Bogéa; professor da FAU Mackenzie: Abilio Guerra; professor convidado para aula inaugural: Yopanan Rebello; monitores: Marcos Otavio Silvério (pós-graduação FAU USP) e Thais Viyuela de Araujo (graduação FAU USP); alunos da FAU USP: Ana Paula Costa da Silva, Andrea Teixeira Barcelos, Bárbara Campelo Rodrigues Silva, Belisa de Quadros Corrêa Godoy, Bruna Akiko Anan Sato, Camila Neri Fernandes de Oliveira, Denise Cordeiro Moreira, Fabiana Tiemi Imamura, Guilherme Miguel Bullejos, Gustavo Wierman Baptista, Helena Meirelles Pessini, Jéssica Xavier de Oliveira, Jorge Kenji Miyazaki Junior, Léo Schürmann de Azevedo, Linda Marie Klinkert (Siegen), Lisa Marie Veit (Siegen), Lívia Gianini Victoria, Lucas Augusto Battiva Silva Cortes, Pedro Sávio Jobim Pinheiro, Sara Catarina Frazão Monteiro (Porto), Simon Joscha Flender (Siegen) e Vanessa Balbino Pereira; alunos da FAU Mackenzie: Ana Claudia da Silva Ramos, Ana Luiza Prata Ramos, Bruna Rieckmann Mirabile, Daniela Fajer Rosa, Felipe Cavalheiro dos Anjos, Fellipe Paiva Brandt, José Tadeu Ferreira Junior, Juliana Marques Reis, Juliana Mitsu Oliveira do Amparo Tamaki, Karla de Albuquerque Roncatto, Luis Taboada Naccarati, Renata Camargo Gomes e Thaís Bianchini Moreti Caprara.
sobre os autores
Abilio Guerra é arquiteto (PUC-Campinas), mestre e doutor em História pelo (IFCH Unicamp) e professor da graduação e pós-graduação da FAU Mackenzie.
Marta Bogéa é arquiteta (UFES, 1989), mestre (PUC-SP, 1993), Doutora (FAU USP, 2006). Professora do Departamento de Projeto da FAUUSP.