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drops ISSN 2175-6716

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1964 a 1985, período de triste memória para a política e toda a produção cultural nacional. Após o golpe militar, a sofrida arquitetura brasileira vai se fechar defensivamente em torno de seus feitos passados.

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FICHER, Sylvia. Censura e autocensura. Arquitetura brasileira durante a ditadura militar. Drops, São Paulo, ano 14, n. 080.09, Vitruvius, maio 2014 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/drops/14.080/5192>.


1964 a 1985, período de triste memória para a política e toda a produção cultural nacional. Inclusive para a sofrida arquitetura brasileira que, após o golpe militar, vai se fechar na defensiva em torno de seus feitos passados, rechaçando qualquer reparo quanto aos rumos que tomava.

Veja-se como índice o movimento editorial. Até a década de sessenta tínhamos uma meia dúzia de revistas em circulação, anunciando um boom de publicações especializadas; na década seguinte, surgem outras tantas. Mas terão vida breve. Quando da Nova República em 1985 estavam reduzidas a três, a sobrevivente Módulo, a jovem Projeto e a então novíssima AU. Ficáramos órfãos da crítica. E condenados à arquitetura moderna da hora, para sempre brutalista. Afinal, todos os modernos de raiz já haviam migrado para o brutalismo, Artigas e Lina Bo brutalistas de primeira hora, tal qual Reidy e Niemeyer.

O caso brasileiro é extremo: da década de quarenta em diante, arquitetura entre nós passara a ser sinônimo de arquitetura moderna. Para ser arquitetura, tinha que ser moderna. O que está sendo construindo em Recife é idêntico ao que se está construindo no Rio, que é idêntico ao que se está fazendo em São Paulo, Salvador, Belo Horizonte, Porto Alegre ou Curitiba. Por onde quer que se vá, pilotis, panos de vidro, um ocasional brise-soleil… A arquitetura moderna se difundia dogmaticamente Brasil afora até se transmutar no formalismo oficializado por Brasília.

Como explicar tanta uniformidade? Em boa parte pela especificidade da constituição da profissão de arquiteto que, aqui, fora tardia. Apenas em 1933 foi regulamentado seu exercício: até então, arquiteto era o mesmo que construtor, que mestre-de-obras… Com a implantação do sistema CREA, a fundação do IAB em 1935 e, a seguir, os concursos da ABI e do MEC, instituía-se a corporação, desde então umbilicalmente aliada à assimilação do movimento moderno.

Em outros países a história não se passou bem assim, inclusive do lado de cá do Atlântico. No caso dos Estados Unidos, os arquitetos não estavam precisando se legitimar; tinham um metier estabelecido, com tradição de formação de quadros seja na Europa, seja em um sistema de ensino que data de meados do século dezenove. E quando se constitui uma arquitetura moderna, ela não vai ser unitária, homogênea. Pelo contrário, serão vários modernismos, formal e doutrinariamente diferenciados.

No nosso caso, foi o modernismo o elemento de coesão, dando estofo à profissão. Reforçando esse fato, enquanto o resto do mundo está em guerra, estávamos produzindo arquitetura moderna de qualidade. Findo o conflito, o que fazer? Seguir o MEC. No pós-guerra temos uma produção relativamente consistente e contínua a apresentar e o Ministério vai ser o principal modelo não apenas aqui. Brazil builds é de 1943 e teve influência em âmbito internacional: de Nova York a Pretoria, o MEC fará presença. Tanta glória e prestígio vão intensificar ainda mais o ufanismo em torno da tradição modernista e intensificar a sua defesa.

Entretanto, na sequência do sucesso alcançado com Brasília, acontece 1964. Assim como em outros lugares, no Brasil havia então uma razoável relação entre estética modernista e ideologia de esquerda. Apesar de nem sempre ter grande profundidade, seu conteúdo era dado por um discurso de cunho social – por sinal, bastante autoritário. Instaurada a ditadura anticomunista, a arquitetura moderna passa a ser vista pelo novo estamento no poder como esquerdista; afinal, vários arquitetos eram membros efetivos do Partido Comunista, entre eles dois de seus expoentes. Daí por diante, criticar o modernismo passou a ser de direita, era fazer o jogo da ditadura. Qualquer apreciação negativa significava, literalmente, dedurar Niemeyer e Artigas. Comentar que Niemeyer projetava para os militares, então, era crime de lesa-majestade. Naquele contexto, intensificava-se o apego ao modernismo institucionalizado e era calada a crítica, calada a tal ponto que sequer vai existir.

Em fins da década de setenta o ambiente começa a se desanuviar com a “abertura lenta e gradual” do infausto Geisel. Tanto assim que em 1978 a coletânea de depoimentos Arquitetura brasileira após Brasília, publicada em três volumes pelo IAB/RJ, tentava um primeiro balanço do que estava acontecendo. Bem poderia ser denominada Arquitetura brasileira após o golpe... Depois viria o “quebro e arrebento” do tragicômico Figueiredo. Mas já era tarde; quando começava a se articular uma reflexão mais ponderada sobre a produção arquitetônica nos estertores da ditadura, ela já está superada, o panorama internacional já era outro. Havíamos perdido o debate de grande riqueza que fora o pós-modernismo, rejeitado como antimodernista e, portanto, inexoravelmente reacionário. O que funcionara nos Estados Unidos na direção de uma renovação, aqui foi interpretado no sentido oposto, como uma ameaça à corporação.

Até hoje, trinta anos depois, reticências quanto ao mérito da arquitetura moderna e de seu duplo, o urbanismo funcionalista, continuam extremante malvistas, inclusive pelas gerações mais jovens. É tão arraigado o gosto modernista que qualquer coisa que fuja dele é detestável; referências ao pós-modernismo são sempre derrogatórias. As consequências dessa postura não são nada desprezíveis. Por toda parte, quem primeiro foi objeto de um juízo negativo foi o urbanismo funcionalista. Aqui, no entanto, a resistência à sua revisão crítica está plasmada na anomia que caracteriza os espaços de nossas cidades, cujo planejamento – quando existente – ainda está atrelado aos formalismos irrealistas da Carta de Atenas.

Por outro lado, é bem mais simples, barato e eficiente fazer moderno; projetistas, construtores e mão-de-obra estão treinados para fazer moderno. Nossa arquitetura vernácula está conformada ao concreto e à alvenaria: qualquer mestre-de-obras sabe fazer uma laje, um pilar; qualquer peão sabe levantar uma parede de tijolos. Na arquitetura erudita, a prevalência da vertente brutalista do moderno se estende por todos os programas, as poucas variações de seu partido minimalista aplicadas em qualquer circunstância e a qualquer escala.

Tudo isso ajuda a explicar a dificuldade que os arquitetos brasileiros têm, até hoje, de abrir mão do modernismo. Ele está na raiz da autoimagem da corporação e sua hegemonia se reproduz em todos os campos: no ensino, nos textos teóricos, nos parâmetros das pesquisas tecnológicas, até nos hardwares –, ela permeia o entendimento do que é arquitetura e a quase totalidade da sua produção. A força desse compromisso é tal que se revela até na produção dos historiadores: os assuntos abordados são pautados pela arquitetura moderna; os temas dos estudos estão atrelados à arquitetura moderna. E quando se lê as análise é a reprodução daquelas mesmas idéias: tudo é ajuizado bom ou ruim em relação à arquitetura moderna, agora em sua formatação brutalista…

Por ironia, esse academicismo de cunho moderno é, à revelia do que dizem os ideólogos da profissão, uma manifestação pós-moderna. Estamos em pleno maneirismo historicista, se não referido a um passado remoto, igualmente vinculado ao passado. E, assim, expurgado de qualquer dimensão política. Por apontar, em seu brilhante e corajoso texto Arquitetura nova, de 1967, o círculo vicioso em que então se encontrava a arquitetura brasileira, Sergio Ferro foi estigmatizado, mas não deixava de ser profético. Suas palavras parecem descrever o momento atual:

“Se [...] examinarmos os projetos de arquitetura realizados por grupos da nova geração brasileira [...] notaremos algumas características típicas. Em resumo, são propostas para um desenvolvimento suposto provável que progressivamente se transformam, por uma inversão de função, em compensações para a frustração crescente destas propostas, o que é conseguido pelo isolamento fictício da obra que finge concretizar, no seu microcosmo, o desenvolvimento esperado. A atitude agressiva e provocadora com relação à realidade presente que produziu aquelas propostas é trocada, mansamente, pelo gesto de uma representação substitutiva e conciliadora” (1).

nota

1
FERRO, Sergio. Arquitetura nova. In FERRO, Sérgio. Arquitetura e trabalho livre. Coleção Face Norte, volume 9. São Paulo, Cosac Naify, 2006, p. 48.

sobre a autora

Sylvia Ficher é professora da FAU/UnB. Arquiteta pela FAU/USP, mestre em Preservação Histórica pela Columbia University (Nova York), e doutora em História Social pela FFLCH/USP, fez pós-doutorado em Sociologia na École des Hautes Études en Sciences Sociales (Paris).

 

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