Dia 12 de março de 2013. Estou à caminho do Hotel Transamérica, em São Paulo, encarregado de levar o arquiteto João Filgueiras Lima, Lelé, para o lançamento de seu novo livro Arquitetura – uma experiência na área de saúde (1).
Por excesso de zelo, chego com quinze minutos de antecedência. E, enquanto aguardo Lelé e sua filha Adriana, relembro meu primeiro contato com sua obra, durante meus anos de faculdade, e da primeira vez que o vi pessoalmente numa palestra na FAUUSP, em 2002. Nesses dez anos, me formei arquiteto, especializei-me em conforto ambiental e conclui um mestrado sobre suas obras (2). Assim, tive a honra de me aproximar deste importante mestre da arquitetura brasileira.
Lelé é um homem alto, esguio e de um temperamento cordial. Não há quem não se impressione com sua humildade e delicadeza no trato. Ao meu ver, um verdadeiro monge.
Saímos do hotel às exatas 19 horas e fomos direto para o Museu da Casa Brasileira. Logo na chegada, fomos recebidos por uma equipe do museu que o levou para entrevistas e uma sessão de fotos.
O evento prosseguiu com muito entusiasmo. Aos 81 anos e passando por intensos tratamentos de saúde, Lelé surpreendia por sua disposição e carinho com os convidados. Por último, trocou autógrafos com o arquiteto e historiador Hugo Segawa, que trazia embaixo do braço um exemplar de seu livro sobre a obra de Oswaldo Bratke. Lelé, admirando o livro, disse: “Nessa época, tínhamos uma bela arquitetura”.
Ao final da noite, Lelé mostrava o mesmo entusiasmo de antes, sem aparentar nenhum cansaço. Ofereci para levá-los de volta ao hotel. Saímos às pressas por causa da garoa e, no caminho, conversamos sobre o desejo de publicar meu mestrado sobre sua obra e ele incentivou a ideia de continuar os estudos, focando agora em seu mestre Aldary Toledo.
No caminho, passamos próximo à casa Bola, projeto de Eduardo Longo, e tanto Lelé quanto Adriana ficaram entusiasmados em ver, pela primeira vez, a famosa casa. Infelizmente, a pouca luz da rua e o excesso de trânsito atrapalharam.
Enfim, por volta das 22h30, chegamos ao hotel. Desci do carro, cumprimentei-os, desejando uma boa noite e um ótimo jantar. Estava quase saindo, quando olhei para trás e avistei Lelé parado em frente à recepção, esperando para dar o último aceno de boa noite.
No percurso de volta para casa, me deparei pensando no quanto admirava suas obras, com execuções primorosas e íntima relação com a natureza. Ainda muito agitado com a emoção de rever o mestre, pintei uma aquarela de um dos hospitais da Rede Sarah e escrevi uma pequena dedicatória para a Adriana. No dia seguinte, iria levá-los ao Aeroporto.
Dia 13 de março. São 10h45 e já estou novamente no lobby do Hotel Transamérica. Escuto a voz da Adriana falando meu nome. Olhei para o lado e vi Lelé batendo continência para mim. Naquele dia, estava vestido com a famosa jaqueta comunista chinesa, o traje Zhongshan.
No caminho para o aeroporto de Cumbica, Lelé contou de sua viagem para a China nos anos 1980 e de como todos os chineses se vestiam com o traje do líder comunista. Aproveito para perguntar sobre alguns detalhes de execução de suas obras e como ele conseguia acabamentos tão impecáveis. Conversamos também sobre a questão da industrialização na construção civil e sobre a obra de Jean Prouvé.
Já nos aproximando do Parque Tietê, depois de termos praticamente atravessarmos toda a cidade de São Paulo quase sem trânsito nenhum – o que é raro –, falamos sobre a importância do homem estar ligado à natureza. Relembramos o trabalho de Tom Jobim e de seu amor pelas árvores e pássaros brasileiros.
Chegando ao aeroporto, nos despedimos com um abraço fraternal. Lelé agradeceu o carinho e completou, dizendo: “Da próxima vez que nos encontrarmos, estarei vestindo meu uniforme”.
Dia 21 de maio de 2014. Recebo a triste notícia do falecimento deste grande mestre e me dou conta que o encontro não acontecerá. Apesar de toda tristeza, percebo que somos felizes por sua obra deixada e me sinto satisfeito por ter celebrado tudo isso.
Querido Dr. Lelé, nós que devemos agradecemos por suas lições deixadas na arquitetura brasileira e pelo carinho que dedicou ao homem em toda sua fragilidade.
nota
1
LELÉ, João Filgueiras Lima. Arquitetura – uma experiência na área de saúde. São Paulo, Romano Guerra, 2012.
2
MARQUES, André Felipe Rocha. A obra de João Filgueiras Lima, Lelé. Projeto, técnica e racionalização. Orientação Abilio Guerra. Dissertação de mestrado. São Paulo,FAU Mackenzie, 2012.
sobre o autor
André Felipe R. Marques é arquiteto(Universidade São Judas Tadeu, 2003) e meste em arquitetura e urbanismo (FAU Mackenzie, 2012). É professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade São Judas Tadeu.