No último dia 30 de abril, comemoramos o centenário de nascimento de Dorival Caymmi. Junto com outros artistas de sua geração, como Jorge Amado e Carybé, Caymmi foi responsável pela “invenção” da Bahia tal como ela é imaginada no resto do Brasil e do mundo. A cidade da Bahia retratada e difundida por Caymmi é, como bem definiu Antonio Risério, uma “utopia de lugar”: uma cidade tradicional “esquiva às novidades urbanísticas pós-coloniais”. A Salvador construída nas canções de Caymmi “não é nunca a cidade do cálculo de engenharia, do incipiente planejamento urbano” (1).
Exatamente uma semana após o nascimento de Caymmi, nascia outro ilustra baiano, cujo centenário de nascimento comemoramos hoje: o arquiteto, urbanista, pintor e professor Diógenes Rebouças. Assim como Caymmi idealizou e difundiu, a partir dos anos 1930 e 1940, uma Bahia pré-moderna que já iniciava, então, um processo de radical transformação, Rebouças retratou, na sua belíssima coleção de aquarelas, a Salvador do século XIX. Além disso, Rebouças, na condição de consultor do Iphan e de Conselheiro de Cultura da Bahia, teve um papel notável em legar às futuras gerações importantes testemunhos materiais do nosso passado.
Entretanto, Rebouças foi também um dos principais responsáveis pela modernização urbana de Salvador. A partir de 1942, projetou o Complexo Esportivo da Fonte Nova e coordenou o setor paisagístico do Escritório do Plano de Urbanismo da Cidade do Salvador, o mítico EPUCS, então dirigido por Mario Leal Ferreira. A partir de 1947, com o falecimento de Ferreira, assumiu a coordenação geral do EPUCS, a mais ambiciosa experiência de planejamento urbano da história de Salvador. Rebouças foi o responsável pelo projeto da primeira das avenidas de vale concebidas no EPUCS, a Avenida do Centenário, e pelo desenho dos mais importantes equipamentos urbanos previstos no plano, como o Hotel da Bahia, a Penitenciária do Estado e a inigualável rede escolar idealizada por Anísio Teixeira, que teve sua mais importante realização na Escola-Parque da Caixa d’Água.
Assim, em 1952, quando recebeu o título de arquiteto pela UFBA e abriu seu escritório, Rebouças, com apenas 38 anos, já era o mais influente e produtivo arquiteto e urbanista da Bahia. Esse papel de destaque só seria reforçado nos anos seguintes, com os projetos da Avenida de Contorno, da primeira Estação Rodoviária de Salvador (na Sete Portas), da Estação Marítima de Passageiros (atual sede da CODEBA), da Faculdade de Arquitetura e da Escola Politécnica da UFBA e de dezenas de edifícios comerciais, residenciais e com os mais diversos usos erguidos em Salvador e em cidades como Itabuna, Jequié, Itaparica, São Félix, Paulo Afonso, Aracaju, Maceió e Vitória.
Como se não fosse suficiente, Rebouças teve também atuação destacada, por mais de trinta anos, como professor do curso de arquitetura da UFBA, além de ter sido o fundador e primeiro presidente do Instituto de Arquitetos do Brasil – Departamento da Bahia (IAB-BA), que, coincidentemente, completou, no mesmo dia do centenário de Caymmi, seu 60º aniversário.
Com seus lápis e seus pincéis, mas acima de tudo com um profundo conhecimento da realidade local, Rebouças deixou sua marca na paisagem de Salvador, transformada inexoravelmente a partir de suas ideias e do seu traço. Vinte anos após seu falecimento, porém, Salvador não tem lhe feito justiça: boa parte das suas obras vêm sendo demolidas ou radicalmente descaracterizadas.
Para homenagear Rebouças no ano do seu centenário de nascimento e resgatar sua importante contribuição na modernização arquitetônica e urbanística da Bahia, o IAB-BA, a Faculdade de Arquitetura da UFBA e a Odebrecht, com o apoio do Iphan, do Conselho de Arquitetura e Urbanismo da Bahia (CAU-BA), do Governo do Estado da Bahia e da Prefeitura de Salvador, promoverão, até o final do ano, uma série de eventos técnicos e comemorativos (2).
notas
1
RISÉRIO, Antonio. Caymmi: uma utopia de lugar. São Paulo, Perspectiva, 1993, p. 108-109.
2
A programação completa está disponível no site www.diogenesreboucas.com.br.
sobre o autor
Nivaldo Andrade é arquiteto e professor da UFBA.