Um barulho de carros começa a rondar em uma rua tranquila, aliás, este local se tratava da última casa da vila antiga de Trancoso (Bahia, Brasil). Era uma divisa, a partir dali somente estrada de terra. Os carros chegavam acabando com a tranquilidade da loja de crepes em pleno domingo. O casal que trabalhava na loja, um brasileiro e uma francesa, fizeram questão de nos informar – vocês estão sabendo do festival de música de Trancoso? – Sabe aquela empresa a L´occitane, eles construíram uma grande concha acústica, coisa de primeiro mundo. Mesmo estando há uma semana em Trancoso somente agora se ouviu boatos sobre o festival de música erudita que estava acontecendo na região. Eram músicos principalmente da Europa e Sudeste do Brasil. Empresários Brasileiros, Franceses e Austríacos construíram um grande teatro a céu aberto em um dos terrenos da Região. Para chegar até o local não foi tarefa fácil, ingressos para ver a apresentação já haviam acabado meses antes, e boatos diziam que mesmo com ingressos a mão, muitos não puderam entrar devido um overbooking cultural. Restou apelar para a organização, após algumas ligações expuseram que o local estava aberto ao público nos demais horários.
Dentre o labirinto de estradas de terra batida em meio à mata e pastos, passa-se por muitos clubes fechados, campos de golfes, casas particulares e aldeias indígenas, apesar de isolados de centros urbanos a divisão de lotes privados ocorre da mesma forma que em qualquer cidade. Da mesma forma, as praias da região se tratavam de praias privadas, pois conhecer algumas delas é praticamente impossível devido os acessos serem restritos aos proprietários. Após meia hora de estrada no sentido Arraial D´Ajuda, virando para o aeroporto da região uma portaria “não prevista” bloqueava o caminho, um homem, diferentemente do que foi dito pela promoter, dizia que se tratava de uma área particular, e que o acesso era permitido somente com o nome na lista. Sem sinal no celular para resolver o incomodo, ele liberou a cancela depois de muita conversa, mas disse que nós deveríamos nos acertar com os seguranças no teatro.
Mais alguns minutos de estrada muito ruim, uma obra e um campo de golfe são avistados, sem lugar para estacionar e sem sinalização o carro quase invade o campo. Uma grama Bermudas (Cynodum dactylum) forrava uma gigantesca área do terreno; uma obra que parecia cenário de ficção científica, que se tratava do novo teatro, servia de cenário para o campo de golfe. O teatro foi projetado pelo arquiteto François Valentiny, de Luxemburgo, que aliás precisou de uma grande ajuda da tecnologia para a construção, pois toda a estrutura escultórica, que esteticamente parece muito com o seu trabalho gráfico, com um “quê” de surrealismo, foi concluída em apenas um ano sendo executado em steel framing, estrutura metálica e concreto pré-fabricado – o teatro possui duas salas gêmeas, uma coberta e outra descoberta, cada uma comportando 1200 pessoas; as salas se sobrepõem, a de cima está a céu aberto e a de baixo está coberta, mas apesar de ser subterrânea é bem arejada com grandes recuos do terreno e grandes aberturas triangulares; o centro cultural completo ainda possui um anexo que dá suporte comportando um café, salas de ensaio, banheiros e reunião – o calor de meio dia apertava, a grama que não fazia parte da flora local necessitava de muita água e os aspersores estavam todos ligados tornando o lugar úmido e ainda mais quente. Além do som dos aspersores e dos carrinhos de golfe um som agradável saía do teatro; músicos estavam ensaiando na sala coberta, era a Orquestra Jovem do Estado de São Paulo que tocava com solistas: pianistas, trompetistas, e violinistas europeus.
A pitoresca obra de longe lembra uma referência arquitetônica brasileira, que parece fazer completo sentido naquele contexto, pois aquele espaço se tratava de um lugar de exceção nos arredores de Trancoso. Com exceção dos operários das obras anexadas, tudo parecia fazer parte de um filme ou uma novela: pessoas bem vestidas, música clássica, e também uma cosmopolitização em terras brasilianas, mas para quem chegou ali de forma quase “clandestina” é impossível não se incomodar com os olhares atentos dos seguranças. Depois do belo ensaio a partida foi por uma estrada quase abandonada que leva ao aeroporto regional, que pareceria abandonado se não fosse à esquadra de jatos estacionados, cujos proprietários provavelmente são estrangeiros. A estrada está em um completo abandono, quase sendo engolida pela mata atlântica, mas que também parece fazer parte do cenário criado, ligando enfim à BA-001.
sobre o autor
Lutero Pröscholdt é arquiteto e urbanista pela UFES. Doutorando pelo PPGAU UFBA. Tem experiência em projeto, com participação em diversos concursos de arquitetura. Atualmente pesquisa o espaço urbano como um campo subjetivo e partilhado.