Palimpsesto é uma palavra de origem grega, que em sentido literal significa “aquilo que se raspa para escrever de novo”.
O Google nos ensina que a origem do termo tem a ver com o uso do pergaminho como suporte para a escrita, na antiguidade e na idade média. Um palimpsesto é um escrito que guarda vestígios de outro escrito anterior, que existiu sobre a mesma superfície. Essa prática de apagar para reescrever era comum por razões de economia: o pergaminho era um material escasso e caro, por isso o costume de raspar um texto para fazer outro em cima, sobre seus restos.
Cidades também podem ser lidas como palimpsestos: elas resultam do acúmulo de sucessivos “textos” parcialmente apagados, que guardam sentidos e memórias materiais de diferentes épocas (1). Compreender uma cidade exige habilidade para reconhecer e decifrar essas diferentes camadas de historicidade, às vezes pouco acessíveis ao olhar comum.
São Paulo é uma cidade que se desenvolveu marcada por sucessivas demolições e reconstruções, ou apagamentos e reescrituras, e por isso se apresenta como palimpsesto. Uma demonstração disto surgiu neste 1º de maio, em meio à tragédia do Largo do Paissandu. O desmoronamento do edifício Wilton Paes de Almeida fez ressurgir um pequeno vestígio de texto anterior, de uma época em que a cidade era menos brutal e beber Caracu era beber saúde.
notas
NA – Republicação ligeiramente modificada de: JAYO, Martin. Cidade palimpsesto. Blog Quando a cidade era mais gentil, São Paulo, 02 mai. 2018 <https://quandoacidade.wordpress.com/2018/05/02/cidade-palimpsesto>.
1
Sobre o palimpsesto como metáfora da cidade: “A cidade de São Paulo é um palimpsesto – um imenso pergaminho cuja escrita é raspada de tempos em tempos, para receber outra nova”. TOLEDO, Benedito Lima de. São Paulo três cidades em um século. São Paulo, Duas Cidades, 1981. Ver também: PESAVENTO, Sandra Jatahy. Com os olhos no passado: a cidade como palimpsesto. Esboços, Florianópolis, vol. 11 n.11, 2004. <https://periodicos.ufsc.br/index.php/esbocos/article/view/334>
sobre o autor
Martin Jayo é professor da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP e editor do blog Quando a Cidade era Mais Gentil.