“Pensamos na Manaus de amanhã, Manaus dos nossos filhos e das gerações futuras. O que estaremos preservando para eles?”
Severiano Porto (1)
A fala do arquiteto na conferência Arquitetura na Amazônia realizada na Biblioteca Nacional em 1976 dá luz a preservação do patrimônio arquitetônico e ambiental de Manaus. A sua passagem em 10 de dezembro de 2020 nos permite revisitar uma trajetória singular na utilização da madeira, do concreto, do aço e da cerâmica armada, considerando as especificidades com uma liberdade que o distinguem como arquiteto dos materiais apropriados.
Severiano Mario Vieira de Magalhães Porto nasceu em Uberlândia em 1930, e teve a sua formação no Rio de Janeiro onde concluiu a Faculdade Nacional de Arquitetura em 1954. Nos anos iniciais de sua afirmação profissional atuou em projetos e construções de edifícios na zona sul carioca. Em 1965, aos 35 anos, consolidou-se profissionalmente na Amazônia participando de forma ativa na modernização da Região Norte. Mineiro de nascimento, carioca por adoção e amazonense de coração. Brasileiro.
As arquiteturas produzidas por Severiano Porto e seu sócio Mario Emílio Ribeiro (1930/2014) começaram a se destacar nas premiações do Instituto de Arquitetos do Brasil na Guanabara a partir do final dos anos 1960 e se intensificaram na década de 1970. O reconhecimento pela crítica internacional chegaria na década perdida com a participação em exposições internacionais da arquitetura brasileira e a consagração na Bienal de Arquitectura de Buenos Aires – BA'85 e no Seminário de Arquitectura Latinoamericana – SAL em 1985. Na década de 1990 Porto se tornou um conferencista internacional e apresentou uma Amazônia utópica e desconhecida dos próprios brasileiros. Afinal, o Brazil não conhece o Brasil.
No inicio do novo milênio retornou a Niterói e encerrou uma trajetória profissional de sucesso na Amazônia. Da presença ativa no Amazonas desde os anos 1960 ficou um presente vazio desde 2002, justamente no início da formação dos arquitetos no Estado. Ainda se propagam na atualidade os rótulos da década de 1980 que o próprio arquiteto refutava. Com tantas premiações é paradoxal que a arquitetura de Porto seja pouco analisada e conhecida em contraponto a um discurso mitificado e simplista. Aos desavisados (2), Porto é erudito e parte da arquitetura moderna brasileira.
Além das obras que desenvolveu na região Norte, Porto teve um papel destacado no Amazonas a partir da operação da Zona Franca de Manaus em 1965. A sua circulação profissional na esfera municipal, estadual e federal resultou em uma série de homenagens e condecorações nos anos 1970 ao ponto de seu nome ser cogitado para prefeito de Manaus em 1975. Com sua reconhecida elegância e humildade, o arquiteto agradeceu o convite, pois tinha muitos projetos no escritório para realizar (3). Com habilidade e jogo de cintura para driblar as adversidades foi professor da Faculdade de Tecnologia da Universidade do Amazonas (atual UFAM) entre 1972 e 1998 no curso de Engenharia Civil e por treze vezes professor homenageado. Foi um dos fundadores do CREA/AM-RR em 1974 e do IAB/AM em 1976.
Em uma Amazônia entre ruínas e cinzas o seu legado permanecerá?
O homem de 90 anos, casado com Gilda, pai de Mario e avô de Paula e André é mais uma vítima da Covid-19. É mais uma árvore que tomba. É mais uma perda na cultura brasileira. Foi-se o maestro da arquitetura na Amazônia.
Principais premiações e condecorações
Estádio Vivaldo Lima, 1965-1971 (demolido em 2010)
Restaurante Chapéu de Palha, 1967-1968 (demolido em 1986) – III Premiação Anual do IAB/GB, 1967
Medalha Tiradentes, Policia Militar do Amazonas, 1969
Residência do Arquiteto, 1971 (demolida em 2003) – Prêmio Marcelo Roberto na IX Premiação Anual do IAB/RJ, 1971
Título de Cidadão Benemérito do Amazonas, Assembleia Legislativa do Amazonas, 1973
Reservatórios Elevados da Cosama, 1972-1973 – X Premiação Anual do IAB/RJ, 1972
Sede da Suframa, 1971-1974 (reforma, 1995-1998) – XII Premiação Anual do IAB/RJ, 1974
Residência Robert Schuster, 1977-1981 – XVI Premiação Anual do IAB/RJ, 1978
Residência João Luiz Osório, 1978 – Menção honrosa na XVI Premiação Anual do IAB/RJ, 1978
Pousada na Ilha de Silves, 1978-1984 – XX Premiação Anual do IAB/RJ, 1982
Premio Universidad de Buenos Aires, Bienal de Arquitectura de Buenos Aires, 1985
International Honorary Citizen, American Institute Architects (AIA) e Governo do Estado de Lousianna
Personalidade do Ano (Severiano Porto e Mario Emilio Ribeiro) – XXIV Premiação Anual do IAB/RJ, 1986
Premiação Anual Nacional (Severiano Porto) – Menção honrosa na XXV Premiação Anual do IAB/RJ, 1986
Centro de Proteção Ambiental de Balbina (1985/88) – XXV Premiação Anual do IAB/RJ, 1987
Campus da Universidade do Amazonas (Atual setor norte da Ufam) – XXV Premiação Anual do IAB/RJ, 1987
Colar de Ouro do IAB, 2004
Professor Honoris Causa da Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2003
Professor Emérito da Universidade Federal do Amazonas, 2011
Medalha Rui Araújo, Assembleia Legislativa do Estado, 2016
Global Awards of Sustainable Architecture, 2020, Cité de l’Architecture et du Patrimoine
notas
1
PORTO, Severiano (1976). Arquitetura na Amazônia. In: DOYLE, Plínio (Org.). Ciclo de estudos amazônicos. Anais da Biblioteca Nacional, v. 101, Rio de Janeiro, Biblioteca Nacional / Divisão de Publicações e Divulgação, 1981, p. 224 <https://bit.ly/3a6OJJV>.
2
ZEIN, Ruth Verde. Um arquiteto brasileiro: Severiano Mário Porto. Projeto São Paulo, n. 83, jan. 1986, p. 44.
3
Silêncio continua. Jornal do Commercio do AM, Manaus, 4 mar. 1975, p. 2.
sobre o autor
Marcos Cereto é arquiteto e professor da Faculdade de Tecnologia da UFAM. Idealizador do Núcleo de Arquitetura Moderna na Amazônia – Nama e membro do Conselho Superior do Instituto de Arquitetos do Brasil. Autor de: CERETO, Marcos. Severiano Mario Porto: [re]pensando a arquitetura [moderna] na Amazônia. Orientador Carlos Eduardo Dias Comas. Tese de doutorado. Porto Alegre, Propar UFRGS, 2020.