Questão de método
Adalberto Retto e Barbara Boifava: Qual a importância das "Questões de método" nos estudos sobre a cidade?
Donatella Calabi: Gostaria de enfatizar a importância das questões de método, ligadas também a aspectos de terminologia. No âmbito disciplinar da história da cidade existem confusões, não somente no linguajar comum e de senso comum, mas até mesmo nas titulações acadêmicas: por exemplo "História da cidade" e "História do urbanismo" usados como sinônimos; ou "cidade moderna" e "cidade contemporânea" como se fossem a mesma coisa. Eu proporia uma interpretação da História da cidade como ponto de vista da história geral; uma prática metodológica complexa. Tornam-se, assim, fundamentais algumas categorias conceituais: entre estas, em particular, as de continuidade/descontinuidade em um arco temporal de longo período. Considero que os momentos mais significativos para propostas, projetos, modificações da configuração física, sejam os de descontinuidade, nos quais ocorrem episódios de ruptura, acontecimentos traumáticos: uma guerra, uma crise econômica, uma mudança de poder, um incêndio, um terremoto, o desmoronamento de uma ponte ou de um conjunto de edifícios. Mas existem também fatores de inércia (hábitos, tradições, interesses fundiários, ou ligados a algumas práticas que obstaculizam as mudanças). A História da cidade, muito mais que a da arquitetura, sente o efeito destas oscilações. É muito mais difícil, de fato, no campo da História urbana, do que na da história de cada edifício, fazer datações, assim como é muito mais difícil estabelecer com certeza os nomes dos autores. Para a construção civil, como para a pintura, ou para estatuária, é normalmente possível reconhecer quem é o artífice (não acontece sempre, mas freqüentemente); uma parte da cidade, usualmente, é fruto de mais de um autor e são infinitos os fatores que determinaram seu desenho.
Justamente por isso, a questão da oscilação entre momentos de continuidade e de descontinuidade na história longa de um assentamento e dos seus processos de transformação física é, na minha opinião, de singular importância. Creio que a possibilidade, e às vezes a necessidade, de ler acontecimentos, como aqueles de único manufato, em um longo arco cronológico, (mais do que quando se estuda episódios mais circunscritos do ponto de vista espacial ou temporal), sejam colocadas com extrema clareza, sabendo que os instrumentos para o estudo da História da cidade e aqueles para o estudo da história da arquitetura são diferentes, ainda se interrelacionados. Não podemos, esquecer que na História da cidade (mesmo que se trate de Ancièn Régime ou da Idade contemporânea), existiram momentos de rupturas, episódios pontuais, momentos particulares que constituíram ocasiões de reflexão, de renovação, de disposição às novas formas e novos modelos; e que destes se deve partir da inércia às mudanças, sem esquecer as fases de viscosidade.
Enfim, não é exatamente uma leitura "evolutiva" que estou propondo com este discurso, como aquela que teve tanto sucesso na historiografia. Pelo contrário. Proponho, contemporaneamente, uma reflexão sobre o tema de como o fator tempo incide (diferentemente de outras disciplinas afins) sobre os episódios significativos do nosso âmbito de pesquisa.