A dimensão arquitetônica nos estudos da cidade
Adalberto Retto e Barbara Boifava: O título da sua entrevista "História da arquitetura e História da cidade: um casamento difícil", explicita uma diferença substancial nos estudos sobre a cidade. Qual o real prejuízo para a história urbana ao utilizar somente a dimensão arquitetônica nos estudos da cidade?
Donatella Calabi: Falando de "casamento difícil", uma recensão publicada há muitos anos atrás no "Journal of Urban History" reclamava da distância existente entre os dois campos de estudo: aquele da história da arquitetura e aquele da história da cidade (1). Destacava que somente um dentre dez artigos publicados pela mesma revista tratava de história da arquitetura, enquanto a maior parte dos ensaios discutiam urbanismo (City planning), matéria ligada à arquitetura, mas freqüentemente, muito mais relacionada às questões de engenharia e de obras públicas. A ausência de uma dimensão arquitetônica se nota não somente nas histórias gerais dos processos de urbanização, mas também nos estudos de cidades individuais, como sustentava Joseph Arnold se referindo principalmente às publicações anglo-americanas. Em se tratando da cidade européia, era uma lacuna que lhe parecia ainda mais marcante, dada a importância dos estabelecimentos urbanos, e, dentro destes, dos aspectos arquitetônicos, na Europa do Ancièn Régime.
Em algumas publicações o autor de uma história da cidade se desculpava desta "omissão". Citarei dois exemplos particularmente significativos. No seu célebre ensaio sobre Florença no Renascimento, Goldthwaite declara ter excluído questões de "estilo" arquitetônico, porque não se sentia à altura de uma análise semelhante (2). Mais recentemente, Marino Berengo, na introdução do seu livro monumental sobre história urbana, do qual a sociedade européia era o sujeito primário, tem uma atitude análoga, (mesmo se atenuada por algum tipo de remorso). Na "Europa das cidades" diz o autor, falta um capítulo sobre "urbanismo": "A forma urbis", que foi desenhada e transformada nas várias nações fica fora do meu quadro: os tempos da "interdisciplinaridade", muito evocados nestes anos, não estão ainda maduros para mim (3).
Também, em um estudo da "Society of Architectural Historians" sobre o ofício e formação do historiador da arquitetura nos Estados Unidos da América, a História da cidade não é nem mesmo mencionada (4). Na realidade, em todos os países ocidentais, parece que existem margens de incompreensão entre os dois âmbitos de estudo.
Em suma, acredito que se possa afirmar que, freqüentemente, os "historiadores urbanos" (próximos ao campo da História das instituições, ou àquele da História social e econômica) são míopes, enquanto os historiadores da arquitetura ou da arte ficaram surdos às questões sócio-econômicas e políticas, ou institucionais. Os resultados são freqüentemente antiquados e metodologicamente ingênuos.
Apesar das citações iniciais, não acredito que as afirmações que acenei sejam somente válidas para o contexto americano. Talvez, poderíamos sustentar que o discurso não seria aceitável para a cultura européia e, talvez também, para aquela italiana? E mais: é legítimo falar de "casamento difícil" entre os dois campos de estudo, ou se trata de testemunhar um consenso de "separação" ou de "divórcio"?
notas
1
Joseph Arnold, Architectural history and Urban History: a difficult marriage, in "Journal of Urban History", 1 novembre 1990, pp. 70-78.
2
Richard A. Goldthwaite, La costruzione della Firenze rinascimentale, Bologna 1984 [1980].
3
Marino Berengo, L'Europa delle città, Torino, Einaudi 1999, Prefazione, p. XIV.
4
Elisabeth Blair Mac Dougall (organização), The architectural historian in America, Hanover+London 1990.