Arqtextos: Comente a trajetória das principais revistas de arquitetura brasileira mais recentes – Módulo, Projeto, AU – e seu papel no panorama arquitetônico brasileiro.
Abílio Guerra: Vou fugir, sem qualquer ranço de vergonha, dessa pergunta. Não por uma pretensa “ética” que me impediria de falar de colegas. Na verdade não me sinto muito habilitado para falar dessas publicações, pois não as acompanho com a merecida atenção. Mas não me furto a fazer alguns comentários genéricos que são muito mais um sentimento do que propriamente uma constatação. O que eu ouço sistematicamente de colegas é que as revistas brasileiras estão publicando obras muito ruins, o que para uns seria o sintoma de uma produção média ruim, e para outros prova da falta de critério dos editores.
Mas eu vejo a situação de um outro ponto de vista. Considero que parte substancial da arquitetura produzida hoje no mundo é de baixa qualidade, portanto é praticamente impossível não se publicar coisas ruins. Mas também entendo que em praticamente todos os períodos da história da arquitetura tivemos a presença constante da arquitetura de baixa qualidade, pois fazer bem feito é algo absurdamente mais difícil do que fazer mal feito. Contudo, o que sempre aconteceu, ao menos desde o Renascimento, é que o tacão de medida do que deve ser feito é o mesmo que vai depois medir o que foi realizado. As codificações cifradas em Tratados garantiam que o circuito da produção ficasse totalmente sobre controle. Com o advento do modernismo, os códices foram abolidos, mas os novos modos de fazer tinham como juízes os adeptos da causa – Pevsner, Benevolo, Zevi e demais. Arquitetura era coisa de arquiteto, feita e avaliada pela corporação. O que não era considerado bom, sequer era considerado, estava “fora”. Quando olhamos para esses períodos pela triagem das publicações, temos então aquela sensação agradável de uma produção média de excepcional qualidade, quando na verdade tudo aquilo é fruto de uma seleção do começo ao fim.
Uma nova realidade se montou após a Segunda Guerra Mundial. Aconteceu à arquitetura algo similar ao cinema – transformou-se em business. O cinema, que nasceu como entretenimento, ganhou aura de grande arte nos anos 20 do século passado. Com a consolidação de Hollywood, transformou-se em um ramo da indústria, com sua produção sendo concebida como mercadoria, que seria jogada no mercado com a finalidade de se obter o maior lucro possível. O que não implica que Hollywood não tenha excepcionais artistas – atores, diretores, roteiristas, escritores, maquiadores, etc. –, mas não há dúvida que a avaliação artística da produção cinematográfica ficou maculada pela introdução de aspectos extra-estéticos, que são essenciais a sua própria existência. Na arquitetura atual, em toda parte do mundo, temos uma realidade muito parecida: como mercadoria a serviço da reprodução do capital, já não se submete mais aos constructos intelectuais produzidos dentro da corporação.
Como as revistas estão no final da linha de produção, ficou muito mais difícil ser editor de arquitetura. Os editores das revistas Acrópole, Módulo, Habitat e outras mais antigas, publicavam o que era feito por um grupo relativamente pequeno de profissionais, que monopolizavam as encomendas e projetavam segundo modos acordados por eles mesmos. Com a nova realidade, o editor já não tem mais a segurança da situação anterior. Ele tem que escolher o que publicar. Eu diria que ele tem que fazer algo ainda mais difícil: ele tem que escolher não exatamente o que publicar, mas como olhar para o que vai publicar. Dentro desse circuito temos excepcionais arquitetos, como Norman Foster e Renzo Piano, que fazem um sem número de concessões, mas que conseguem garantir uma qualidade respeitável para a maior parte de suas obras. Cabe ao editor de arquitetura – ao menos no meu modo de entender seu papel na sociedade atual – escolher o ponto de vista correto para olhar a obra desses arquitetos. Foi o que tentei fazer com Christian de Portzamparc, ganhador do Prêmio Pritzker e membro do jet set internacional, recortando e elegendo sua obra de uma forma inusual.