Arqtextos: O que acha da atual produção da arquitetura brasileira? Como a compararia com a dos anos 30 a 70, auge das chamadas “escolas paulista e carioca”? O que pensa da divulgação desse material mais recente em revistas especializadas?
Abílio Guerra: Tenho publicado nos últimos tempos diversos resultados de concursos Brasil afora. O que me tem chamado atenção é o elevado número de arquitetos muito jovens que tem se destacado nestes concursos. São jovens de São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Porto Alegre e das principais capitais, mas também gente de cidades grandes do interior ou de capitais de Estados mais periféricos, o que demonstra o vigor da novíssima geração. Certamente eles terão que passar pela provação de esperar as oportunidades de construir, oportunidades muito escassas no momento atual. A jovem geração de arquitetos, que anda por volta dos 30 a 40 e poucos anos de idade, tem uma safra excelente, em especial na cidade de São Paulo. Ângelo Bucci, Álvaro Puntoni, MMBB, Una, Piratininga, Andrade & Morettin, Projeto Paulista, Mario Biselli, Renato e Lilian Dal Pian, Marcelo Barbosa, Jupira Corbucci e outros excelentes arquitetos, deram prosseguimento, com variações e perspectivas próprias, aos pressupostos fincados pela chamada “Escola Paulista”, ou então se mostraram refratários a ela, buscando caminhos alternativos e renovadores. Evidentemente, por estar em São Paulo, conheço muito melhor as coisas que se fazem por aqui, mas ressalto essa minha percepção de que a arquitetura de boa qualidade da novíssima geração é mais diversificada geograficamente, o que seria – caso eu tenha alguma razão – muito bom para todos nós.
Quando se fala em produção atual, teríamos que considerar também as obras da “velha guarda” atuante, arquitetos como Paulo Mendes da Rocha, Lelé, Eduardo de Almeida, Oscar Niemeyer, José Walter Toscano, Severiano Porto, Pedro Paulo de Mello Saraiva e outros. Também seria obrigatória a presença das gerações intermediárias, constando nomes como Hector Vigliecca, Edson Elito e Marcos Acayaba. Somada, a produção de todas as gerações atuantes conforma um painel de muito bom nível que, evidentemente, só poderia alcançar um parâmetro de possível comparação com momentos áureos de nossa arquitetura se fossem dadas a eles as mesmas possibilidades. Contudo, vale a pena ressaltar que sobre o passado existe uma carga aurática que torna muito difícil se falar com propriedade, sendo praticamente impossível se falar, sem se criar frisson, sobre problemas evidentes em alguns encaminhamentos destas arquiteturas consagradas, que nem de longe são apenas magníficas como muitos supõem.
A: Quais, na sua opinião, os principais nomes da arquitetura brasileira atual? Quais os projetos que considera mais relevantes?
AG: Já mencionei diversos nomes de arquitetos que considero relevantes ao responder as perguntas anteriores. Mais uma vez ressalto que não quero ter a pretensão de ser o juiz dessa questão, pois não me sinto habilitado a tanto. Mas gostaria de responder a pergunta com um comentário sobre uma distinção muito forte, que tem me chamado muito a atenção, que nos últimos anos tem se cristalizado entre a produção mais qualificada das cidades do Rio de Janeiro e São Paulo.
Na primeira, temos um aporte do conhecimento urbanístico como nunca ocorreu em nosso país. As duas séries de projetos urbanos do Rio-Cidade e as dezenas de intervenções do Favela-Bairro conformaram um respeitável arsenal de conhecimentos e procedimentos na escala urbana que constituem parâmetro para todos os que se interessam pelo tema. Também é visível os vasos comunicantes entre as produções projetual e a acadêmica, com a sedimentação conceitual de conquistas práticas. Arquitetos como Jorge Jáuregui, Índio da Costa, Vicente del Rio, Pablo Benetti e diversos outros foram capazes de uma reflexão sistemática e uma atuação coerente, aonde puderam contemplar demandas complexas e diferenciadas das realidades locais. Questões como sociabilidade, identidade, espaço público, fundamentais para uma real qualificação do espaço cidadão, tiveram ali espaço para se manifestarem. Por outro lado, a arquitetura de edifícios não tem a mesma expressão e não se mostra à altura das manifestações de períodos anteriores.
Em São Paulo temos uma inversão da situação, com um urbanismo mambembe, entregue à especulação imobiliária ou aos seus representantes entronados no poder público – situação felizmente em processo de reversão nos anos mais recentes–, enquanto a arquitetura mostra-se, mesmo que em guetos, viva e vigorosa. O poder público em nível estadual teve uma destacada participação, principalmente nos âmbitos de recuperação de edifícios históricos – Pinacoteca do Estado, Sala de Concertos São Paulo na Estação Júlio Prestes, Estação da Luz, Edifício do DEOPS – e nas novas estações de sistemas de transportes de massa, com destaque para a estação Sumaré de Metrô, projeto de Wilson Brascetti. Nem de longe esta atuação consegue equilibrar a péssima produção promovida pela iniciativa privada, aonde projetos de bom padrão, como o Hospital Oswaldo Cruz, de Botti & Rubin, é uma prova melancólica de que se faz o ruim por opção.
A: Pretende dar seguimento aos projetos atuais? Quais seus planos para os próximos anos?
AG: Meus planos são muito ambiciosos: continuar a produzir livros, conceber e organizar eventos, manter e ampliar o Portal Vitruvius, continuar a entrar em sala de aula para conversar com meus alunos, e isso tudo por muitos anos.