Sonia Gouveia: Você conseguiria definir a fotografia de arquitetura? Porque, claramente, nem toda a fotografia em que aparece um edifício é uma fotografia de arquitetura.
Nelson Kon: Considero essa definição difícil. Podemos definir a arquitetura como todo espaço construído pelo homem? Se for isso, uma caverna não é arquitetura. Se o homem for morar lá, isso é arquitetura. Da apropriação de uma caverna pelo homem até a construção de cidades, tudo é arquitetura. A fotografia de arquitetura é a fotografia disso tudo. Então, virou algo enorme. Não sei se dá para estabelecer os limites.
Um exemplo interessante: fotógrafos de rua como Cartier-Bresson ou Brassai registraram a vida nas cidades européias nas décadas de 1930 a 1950. Podemos tentar colocar o trabalho deles em alguma categoria, mas acho que isso não funciona. Paralelamente ao trabalho deles, havia gente fotografando as mesmas cidades daquele jeito que se fazia no século 19 – vista frontal, vista oblíqua – foto documental. Agora, se você quiser conhecer Paris da década de 1950 – a cidade, sua arquitetura – vai ver Cartier-Bresson ou o trabalho desses outros fotógrafos documentais? É claro que o Bresson – tem muita arquitetura ali: a arquitetura e sua pulsação.
Nesse enorme universo que estou chamando de fotografia de arquitetura, eu definiria o que eu faço mais especificamente como fotografia do edifício. Aqui é realmente uma coisa mais facilmente demarcável. Faço um pouco de fotos de cidade também, mas, primordialmente, fotografia de edifícios.
SG: Dentro desta discussão, o (Fernando) Fuão, em “Papel do papel: As folhas da arquitetura...” (6), fala que a função do fotógrafo de arquitetura é embelezar o edifício. Você concorda com essa afirmação?
NK: Como eu disse antes, as revistas de arquitetura e os seus fotógrafos não surgiram para fazer crítica de arquitetura, surgiram em uma militância a favor da difusão da arquitetura moderna. Eram assim e mudaram pouco. No momento em que a arquitetura moderna se consolidou, deveria haver uma mudança no caráter das revistas. Portanto, concordo com o que diz Fuão. As revistas e fotógrafos continuam militantes, a serviço de uma arquitetura e com uma posição quase sempre positiva e acrítica em relação aos projetos que apresentam. Basta você pegar, por exemplo, os títulos das matérias nas revistas brasileiras: parecem anúncios publicitários. Você encontra títulos como “A interessante apropriação de não sei o quê”, com adjetivos. São, em geral, textos em louvor à arquitetura. As fotos seguem a mesma linha.
SG: Na década de 1990, em um número especial da revista Projeto, tanto Fernando Fuão quanto Marina Waisman (7) tinham uma posição bem pessimista com relação à fotografia de arquitetura. Eles colocavam até o termo “ditadura da imagem”, na qual as arquiteturas fotogênicas eram privilegiadas nas revistas em detrimento de arquiteturas não-fotogênicas, porém com outros valores, como funcionalidade.
NK: Isso começou na arquitetura moderna e explodiu no pós-moderno. Hoje é isso.
notas
6
FUÃO, Fernando Freitas. Papel do papel: As folhas da arquitetura e arquitetura mesma. Revista Projeto, São Paulo, n. 176, p. 84-85, jul. 1994.
7
WAISMAN, Marina. O centro se desloca para as margens. Tradução de Anita Regina Di Marco. Revista Projeto, São Paulo, n. 129, p. 73-101, jan – fev 1990.