Sonia Gouveia: Você acredita ser privilegiada a arquitetura fotogênica nas revistas?
Nelson Kon: Não exatamente. Acho que hoje em dia se faz muita arquitetura para sair na revista. As revistas não precisam mais se esforçar: os arquitetos mais conhecidos estão fazendo arquitetura para sair na revista. Quantos espaços não são decepcionantes na hora em que você chega ao local, comparados com as fotografias? Muitos arquitetos perceberam que o edifício vai ser visitado por 500 ou 1.000 pessoas e vai ser visto por 10 milhões, por intermédio das imagens. Então, o que lhes interessa mais? Atingir as 500 ou os 10 milhões de pessoas? É que os arquitetos não são todos iguais, mas fazer arquitetura para aparecer nas revistas é uma coisa que foi crescendo com o tempo e agora explodiu.
SG: Então você crê que tem muito arquiteto fazendo boa arquitetura e acaba não sendo publicado porque, digamos, não se enquadra em determinada estética?
NK: Deve existir. Não sei bem, porque se não sai na revista, também não sei o que o arquiteto faz. Você vê como essa coisa é forte? Não posso dizer que tal arquiteto que não sai na revista é bacana, porque não conheço o trabalho dele. Mas não vamos exagerar: gosto de muitas coisas que são mostradas nas revistas.
Eduardo Costa: Você falou que, de certa forma, a arquitetura é feita para ser fotografada. Existem algumas que, seguindo esse raciocínio, não sairiam em revista. Você crê, então, que há um estilo, uma forma de fazer-se arquitetura diretamente vinculada à fotografia?
NK: No Brasil, grande parte dos arquitetos não está engajada neste movimento de projetar para aparecer na revista, mas alguns estão. Sinto isso, por exemplo, no discurso de alguns de meus clientes. Está claro, em cada frase do sujeito, como ele faz uma arquitetura puramente visual. Esses arquitetos, em geral, querem ir comigo ao local pra mostrar os ângulos, porque projetaram pensando naquelas fotografias. Eu acho isso incrível.
EC: E são ângulos bons, realmente, para você dizer: “aqui realmente é uma boa fotografia”?
NK: Não sou um entusiasta desta arquitetura puramente visual, mas, muitas vezes, devo admitir que resultam em belas imagens.
SG: Quando acredita que uma arquitetura não é necessariamente boa ou você não gosta do estilo, você tem uma postura diferente ao fotografar?
NK: Sinto-me mais à vontade quando gosto do projeto, porque sei melhor o quê fotografar. Quando aquilo não me diz nada, não sei direito o que devo fotografar, então prefiro ter essa “aula inaugural” para o arquiteto mostrar o que ele fez e por que fez. Os arquitetos com os quais tenho mais afinidade não falam muito. Entendo melhor a arquitetura deles e eles confiam em mim. É interessante terem um certo desprendimento e permitirem, ao fotógrafo, uma leitura mais livre de sua obra – podem ter boas e más surpresas.
EC: Como o fotógrafo constrói a idéia do arquiteto? Muitas vezes trata-se de um espaço excelente que acaba ficando muito mais evidente na fotografia. Por exemplo, a relação do Richard Neutra com o Julius Shulman. O Shulman foi quem, praticamente, mostrou a arquitetura do Neutra. Você nota que, realmente, existe esse papel do fotógrafo na hora de construir a reputação do arquiteto? Como, por exemplo, nas fotos de Marcel Gautherot e (George Everard) Kidder Smith sobre a arquitetura do Oscar Niemeyer.
NK: Acredito que sim. Sentiam-se um pouco como me sinto com esses arquitetos de minha geração – com os quais tenho mais afinidade. Sobre o Shulman, há uma questão interessante: ele hoje está no pedestal mais alto e as referências a ele são sempre muito positivas e acríticas. Há um livro didático que Shulman escreveu na década de 1960 no qual, nos ensinamentos e nas descrições de algumas de suas conhecidas imagens, percebem-se algumas pequenas perversidades. Fica muito claro como ele estava comprometido com a construção de uma imagem positiva para a arquitetura que estava registrando. Em um momento do livro, ele descreve uma foto de sua autoria, do edifício-sede de um banco, na qual usou uma forte objetiva grande angular. No primeiro plano, o cliente. Na esquina seguinte, o edifício do banco concorrente. Com o uso daquele recurso, o prédio do concorrente fica insignificante diante da imponência do primeiro.
Em outra passagem do livro, ele mostra uma situação em que precisa fotografar uma pequena casa em um daqueles lotes americanos sem graça: quadrado, plano, a casa no meio e um gramado em volta. Algo chato de fotografar. Aquilo que não tem ambiência. Daí, ele pega uns tripés e pendura uns galhos próximos à câmera. Coloca uma base com vasinhos de plantas embaixo e faz aquela foto da casa “no meio do mato”, um belo entorno. A mim, parece algo desonesto. O Shulman considera isso uma coisa do ofício, legítimo.
Independente de ser honesto ou desonesto, é algo a ser discutido com um pouco mais de profundidade, sem todo esse confete que sempre acompanha as referências ao trabalho dele.