Eduardo Costa: O que mudou na dinâmica do seu trabalho?
Nelson Kon: São mudanças de várias ordens. Os fotógrafos parecem bastante otimistas com as novas mídias fotográficas. Não estou tão empolgado assim. Há uma questão muito complicada para nós: antigamente, eu fotografava um dia e entregava o conjunto de cromos ou as provas de contatos dos filmes para o cliente escolher. Uma vez escolhidas as imagens, mandava o material para o laboratório fazer as cópias. Hoje, fotografo um dia e, depois, dependendo da extensão do trabalho, gasto um ou dois dias para o tratamento digital das imagens. Trabalho o dobro ou o triplo do que trabalhava antes. Todo esse trabalho de tratamento digital feito por birôs migrou para dentro do estúdio do fotógrafo. Não estou exagerando, o trabalho dobrou ou triplicou. E quanto os fotógrafos cobram a mais por isso? Zero!
Uma outra questão difícil: a minha Hasselblad é de 1985. Ela tem 23 anos. Minha Arca (Swiss) é de 1997, tem 11 anos. Você comprava um equipamento desses e trocava uma ou duas vezes na vida inteira, porque são excelentes, robustos! Se cair no chão, não quebra. Se quebrar alguma coisa, você troca uma peça. Só que os fabricantes não ganhavam dinheiro. E eles perceberam isso. O digital foi o “pulo do gato” da indústria. Agora, eles estão realmente ganhando dinheiro. E todo mundo entrou nessa, todos os fabricantes: Sinar, Hasselblad, Kodak, até a Leica! Hoje, seu equipamento vai durar três anos, no máximo, não sei exatamente. E são caríssimos! São muito mais caros do que eram. Se você fizer uma conta de quanto o equipamento dura e quanto você gasta por mês para amortizá-lo, essa relação deve ter quintuplicado. Nessa questão comercial, o fotógrafo se deu mal. Não sei por que não se fala muito sobre isso. Há até aqueles que falam que o digital economiza filmes. Pago U$ 30 mil em um equipamento que vai durar dois ou três anos e o sujeito vem dizer que economiza filmes?
O outro lado é que o digital realmente apresenta novas possibilidades técnicas bem interessantes, além da rapidez, praticidade e aquelas coisas todas que dizem sobre isso. Existem aquelas discussões chatas sobre a imagem manipulada, a banalização da fotografia – um pouco como foi o colorido contra o preto-e-branco. Isso não me interessa. Não dou muita importância para o equipamento que se usa. Entrei no digital porque não tinha muito jeito. Os fabricantes destruíram o mercado, ninguém mais quer fabricar e vender filmes. Foi uma escolha inevitável.
EC: Mas seu ato de fotografar mudou em alguma coisa?
NK: O jeito de fotografar muda em parte. A mudança mais óbvia é o fato de vermos a imagem produzida na hora. Tudo o que vinha com o ato de fotografar e não ver o resultado, toda a expectativa, a surpresa, a insegurança, a angústia, tudo isso não tem mais. Você vê na hora o resultado. Isso implica em clara mudança de atitude. Não só você vê na hora, mas quando você está com o cliente, ele também vê na hora.
Sonia Gouveia: E isso é bom?
NK: É bom e é ruim. Evidentemente, a edição é parte fundamental no trabalho fotográfico. No tempo do analógico, o resultado só era apresentado ao cliente após ser revelado e editado. Com o cliente a seu lado, tudo muda. Cada cliente tem um comportando diferente, mas, de qualquer forma, a relação com eles muda muito. Além disso, a possibilidade de visualização da imagem no ato da captação ajuda na construção do quadro. Por outro lado, parece-me que ficamos mais inconseqüentes no ato de fotografar. Para eu fotografar é: olhar e construir a imagem mentalmente. O fato de você já enxergar a imagem imediatamente diminui esse trabalho mental.
Em um primeiro momento, o choque da mudança tecnológica é grande: o trabalho de tratamento digital é muito pesado e ainda não consegui delegar a outras pessoas; as imagens parecem plastificadas, falsas; a resposta de cores para situações de mistura de fontes de luz é muito ruim; há o problema do fluxo digital – como fazer o que visualizo em meu monitor ser o mesmo que o cliente vai ver e o mesmo que será impresso em qualquer mídia? Essas novas soluções digitais são muito novas e incipientes. Com o tempo, os fotógrafos vão encontrar boas soluções de adaptação e a tecnologia vai tapar vários buracos.
Há também novas possibilidades e começo a desenvolver técnicas específicas. Por exemplo, a grande dor de cabeça dos fotógrafos de arquitetura sempre foi a questão dos contrastes excessivos. Você fotografa um interior e lá fora a imagem fica lavada, branca, estourada. Sempre evitei algumas situações de luz extrema porque não me satisfazia o resultado. Agora, encaro várias dessas situações porque consigo resolvê-las digitalmente. É bacana a solução. Será que agora sou um manipulador? Sempre manipulei e continuo manipulando. Até posso dizer mais: nesses casos, consigo, hoje, um resultado muito mais próximo à percepção do olho humano do que eu conseguia antes. Então, a tecnologia é bacana!