Antoine Picon pode ser considerado como um dos poucos teóricos contemporâneos que vem assumindo a tarefa de inscrever a arquitetura digital na historiografia da arquitetura, apontando criticamente as singularidades de sua condição ontológica, sem desvinculá-la de um lastro histórico e cultural. Sua formação em engenharia e arquitetura, e doutorado em história, confere à sua obra um claro assento na reflexão acerca das técnicas e seus desdobramentos estéticos, assim como em considerações filosóficas acerca dos atravessamentos da arquitetura com as ciências e as tecnologias.
Com uma vasta obra composta por livros e artigos, Picon vem escrevendo regularmente sobre estes temas deste 1998. Em 2003, com Architecture and the sciences: exchanging metaphors, viria a direcionar seu interesse pela historiografia e crítica da arquitetura contemporânea, diante das potencialidades e dos dilemas que se apresentam com as tecnologias digitais. Títulos como Digital Culture in Architecture: An Introduction for the Design Profession (2010), Ornament: The Politics of Architecture and Subjectivity (2013) e, o mais recente comentado nesta entrevista pelo autor, La materialité de l'architecture (2018), constroem sua fortuna crítica em um contexto marcado em grande medida pelo pragmatismo e positividade dos processos digitais.
Nesta entrevista, organizada em seis partes, Picon recupera aspectos inerentes à disciplina da arquitetura que vêm sendo reconfiguradas pelo digital. Em “Arquitetura e computadores”, afirma-se o projeto como estratégia, na qual a criação de cenários opera por meio de alteridades. Picon defende que o projeto se posiciona cada vez mais como articulação entre experimentação com materiais e “ser” computacional, apontando os modelos baseados em informação (BIM) e os modelos paramétricos como realidades distintas que se apresentam para a arquitetura no futuro.
Em “Estatutos em transformação”, o autor defende que a própria profissão estaria diante de profundas alterações, em decorrência das transformações por que passam o projeto, as formas e os modos de fabricação. Neste contexto, as lógicas que regem o star system, e o imperativo de ser um arquiteto reconhecido ou perecer, estariam sendo confrontadas por distintas formas de cooperação que permitem os sistemas digitais, além de um interesse renovado pela política e pela justiça por parte dos estudantes.
No bloco “Arquitetura e inovação” discute-se os desafios da educação em arquitetura em um mundo em transformação, a necessidade de inovação e uma certa condição do arquiteto como empreendedor, assim como as limitações das pesquisas realizadas por escritórios de arquitetura. E, como historiador, Picon acaba por defender a História e a Cultura não como receituários, mas como instrumentos para pensar sobre os problemas contemporâneos e sobre mudanças.
Em “Produção do bem comum”, o autor enfatiza a importância do resgate do ornamento pela arquitetura digital e a reconexão que promove com as subjetividades e os significados. Advoga por um realismo, assumindo que a arquitetura raramente é democrática e emancipatória, pois está vinculada a sistemas de poder. O papel da arquitetura seria, então, o de criar ambientes “com significado para a vida humana”.
Nas duas últimas partes, Picon fala de suas impressões acerca das arquiteturas brasileira e latino-americana, encerrando a entrevista com um comentário sobre seu livro recentemente publicado, acerca da materialidade na arquitetura, novamente diante da condição digital.