Gabriela Celani e David Sperling: No livro Ornament: The Politics of Architecture and Subjectivity (2013) você apresenta uma posição crítica sobre o ornamento ao longo da história da arquitetura, colocando-o entre subjetividade e política. Como você diz na introdução do livro: “O retorno do ornamento está ligado tanto ao novo tipo de subjetividade característica da era digital quanto à possibilidade de contribuição da arquitetura para os significados e valores coletivos emergentes”. Se o retorno do ornamento está claramente ligado à era digital, em termos de subjetividade, poderíamos dizer que ele está intimamente ligado à própria lógica da produção digital e às forças estruturais que lideram a indústria criativa e o neoliberalismo? Isso não é, em última análise, um reforço ao poder de muito poucos de decidir e produzir o que será consumido como bens comuns? Se sim, que tipo de significados e valores coletivos você vê emergindo dos star architects da era digital?
Antoine Picon: O ornamento está, obviamente, ligado à lógica da produção digital. Por exemplo, o computador permite brincar com texturas, modular a forma etc. Mas acho que o aspecto mais profundo tem a ver com novas formas de subjetividade, o que também está relacionado ao que eu disse sobre a competição entre cidades. A experiência urbana tornou-se uma dimensão completamente estratégica do urbanismo contemporâneo. Então, vai muito além da lógica da produção digital. É realmente um anseio por uma arquitetura que, como a moda, como a culinária, fará parte dessa experiência. Eu acredito que com o digital podemos compartilhar experiências, sensações. Isso reforça o poder dos poucos que decidem e produzem o que consumimos como bens comuns? Eu acho que a arquitetura não é democrática. Ela está ligada ao poder, gostemos ou não. E, em geral, ela não é emancipatória. Ela pode ser mobilizada para objetivos emancipatórios, mas raramente é emancipatória. Tomemos Aravena como exemplo. É muito impressionante como ele vem construindo com muito mais frequência para a Universidade Católica do que para os pobres.
GC/DS: ...que é o que vem sendo mais divulgado...
AP: O que a arquitetura pode fazer é rever a realidade de uma situação. O ornamento é um bom revelador de estruturas de poder, significados sociais, incluindo ideologias. Esta é uma das razões pelas quais eu tenho clamado pela volta do ornamento, porque a negação do ornamento é ainda pior; está ligado à ficção de que a arquitetura pode tratar a todos como iguais, o que não é verdade.
GC/DS: O que também está relacionado com a industrialização.
AP: Provavelmente, a grande ambição dos modernos era que todos pudessem ser tratados da mesma forma através da arquitetura. Mas isso na verdade falhou. Eu gostaria que a arquitetura fosse diferente, mas é por isso que a maioria dos textos sobre arquitetura e política falham; porque não existe arquitetura democrática.
GC/DS: Uma coisa que eu tenho ouvido muito é que os edifícios têm que ser bonitos para que as pessoas os amem e eles os mantenham, e isso é mais sustentável do que destruí-los.
AP: Minha interpretação disso é que, para ser suportável, a vida precisa ter significado. O papel da arquitetura é criar um ambiente com significado para a vida humana. O que a arquitetura faz acima de tudo é criar ambientes, ambientes em que a ação humana pareça ter um significado. A arquitetura torna a vida significativa, razão pela qual devemos mantê-la, não apenas porque ela é bonita. Significativo é mais profundo do que bonito. Isso quer dizer que o ser humano tem um lugar lá. Sem arquitetura não há lugar para os humanos; há apenas um lugar para os animais e para os fenômenos naturais. Existe uma história sobre Roma, na qual Romulus traça o limite da cidade, e o limite da cidade transforma o que está dentro dele. É o lugar que pertence à vida pública cívica, a um conjunto de valores etc. Para mim, a arquitetura é isso. É traçar uma espécie de limite e criar uma arena na qual a ação humana tem um significado.
GC/DS: E você acha que a beleza está relacionada ao ornamento?
AP: O ornamento tem mais a ver com prazer do que com beleza. E acima de tudo, tem a ver com significado. Eu escrevi um livro que tem uma contraproposta em comparação à de Farshid [Moussavi], que fala sobre afeto. Acredito profundamente que o ornamento ajuda a tornar o mundo significativo. A palavra ornamento tem a mesma etimologia, em latim, da palavra ordem, que é uma das razões pelas quais Gombrich deu o título a seu livro [The Sense of Order: A Study in the Psychology of Decorative Art]. O ornamento contribui para criar um mundo ordenado, onde os humanos podem ver que existe uma ordem humana. Então, há um lugar para eles.