Gabriela Celani e David Sperling: Na edição da AD sobre Digital Property (2016) você inicia a Introdução, com Wendy For, com esta frase: “A tecnologia digital, e a fabricação digital em particular, mudaram profundamente o status do projeto arquitetônico. Enquanto o processo de projeto foi acelerado, os resultados, geralmente em formato digital, podem circular indefinidamente. [...] edifícios inteiros agora podem ser replicados com grande fidelidade ou personalizados [...] O BIM resume isso”. Isso se assemelha ao texto A obra de arte na era da reprodutibilidade técnica de Walter Benjamin (1935), no qual ele dizia que a fotografia e o cinema não apenas haviam causado uma “profunda mudança em termos de impacto sobre o público; [mas tinham] também estabelecido um lugar próprio entre os processos artísticos”. Você vê algo semelhante acontecendo em termos do uso de tecnologias digitais na arquitetura? Essas tecnologias teriam “estabelecido um lugar próprio” na arquitetura?
Antoine Picon: Eu acho que há novas formas de projeto, de cooperação, que o digital tornou possível. Por exemplo, um tipo de projeto mais em rede, em vez de apenas a integração vertical. Vê-se uma tendência a redes mais horizontais. Parte da evolução da autoria tem a ver com isso. Não tenho certeza se é comparável à questão da fotografia e do cinema. Acredito que o digital está, na verdade, desafiando profundamente as estruturas tradicionais da profissão. Todos nós falamos interminavelmente sobre como o digital está mudando a fabricação, mudando a forma etc. Mas muito poucas coisas são ditas sobre isso mudar a profissão, exceto com o BIM. O resto não é dito, mas acho que o digital está transformando a maneira como organizamos a profissão.
GC/DS: À medida que os projetos se tornam mais e mais complexos, há uma necessidade intrínseca de se ter mais e mais pessoas colaborando em um projeto e, portanto, as informações precisam ser compartilhadas. Esses super projetos geralmente incluem dezenas de consultores, empreiteiros etc., para que a autoria seja dissolvida. Mas ainda os arquitetos principais – especialmente os arquitetos estrela (star architects), como pudemos ver sob uma perspectiva etnográfica em “The Competition” (2013), um documentário por Angel Borrego Cubero – obtêm crédito por esses projetos. E a educação em arquitetura parece ensinar os alunos a reivindicar a autoria de seus projetos, ao mesmo tempo em que são incentivados a buscar trabalho interdisciplinar. Em seu texto, você fala sobre o “desafio da justa retribuição”. Por que você acha que a autoria ainda é tão importante para os arquitetos?
AP: Nunca nos livraremos da autoria na arquitetura, porque com a autoria vem o prestígio, o dinheiro. Nos últimos 20 a 30 anos, vimos uma forma extremamente hiperbólica de autoria em um domínio tradicionalmente marcado por formas de produção relativamente coletivas. Eu acho que a autoria não vai desaparecer, mas pode ser menos determinante comparada com o que ela é hoje, e devemos reconhecer que o digital possibilita novas formas de autoria e novas formas de autoria em camadas. O problema, com frequência é, em primeiro lugar, que a organização profissional está evoluindo muito rapidamente. Não é apenas a disciplina, mas também a estruturação profissional. Da mesma forma, a figura do arquiteto não é necessariamente apenas a do proprietário heroico de uma prática, maior ou menor, ou a do empregado. Existem várias formas entre esses dois, hoje. Existem modos de cooperação que estão em ascensão e são diferentes. Com os computadores, você pode ter nichos de conhecimento que não existiam antes. E, como eles atualmente se multiplicam, eles criam uma ecologia alternativa ao sistema de arquitetos famosos (star architects) que vem reinando nos últimos 20 anos.
Mas acho que agora há um interesse maior na política e na justiça pelos estudantes, e estamos caminhando para um mundo um pouco mais equilibrado, no qual o papel dos arquitetos será mais diversificado. O sistema dos star architects e a web 2.0 têm tido uma lógica do tipo “o vencedor leva tudo”. E isso está muito ligado à competição entre cidades. Cada cidade queria ter um edifício assinado por seu arquiteto famoso. Se a cidade ao meu lado já tiver Zaha Hadid, é melhor eu ter Herzog e De Meuron, para me diferenciar melhor dela. Uma maneira mais equilibrada de imaginar o mundo seria provavelmente acalmar essa competição. Não podemos continuar tendo apenas construções de grife sofisticadas como a única coisa que a profissão simboliza. Por exemplo, é muito impressionante para mim que arquitetos como Jeanne Gang estejam defendendo um retorno aos valores da comunidade. Há uma necessidade de redescobrir uma ética mais fundamental para a arquitetura. Eu não sou contra arquitetos famosos. Alguns deles são muito talentosos. É mais para re-diversificar os critérios em que a profissão funciona. Os estudantes precisam ter uma alternativa além do star system ou nada.
GC/DS: Mas talvez os prefeitos ainda estejam interessados nisso…
AP: Bem, quando Napoleão III contratou Garnier para construir a Ópera de Paris, ele definitivamente queria um prédio de grife. Sempre haverá a necessidade de marcos urbanos monumentais. Mas nós só temos que perceber que esta não é a única maneira de ser um arquiteto de sucesso. O sucesso na arquitetura pode ser medido de várias maneiras. Eu visitei a Casa Curutchet na Argentina, a única casa que Le Corbusier construiu na América Latina. É uma casa muito pequena, mas é admirável. É pequena, mas extremamente complexa. De certa forma, é um edifício modesto. É uma casa com um consultório médico. Trata-se de um patrimônio mundial, não é um museu gigantesco. Le Corbusier sonhava em projetar cidades inteiras na América Latina e acabou fazendo apenas essa casinha, mas ela pode ter mais significado do que tantas coisas grandes. Acho que a arquitetura não é fundamentalmente quantitativa, apesar do Koolhaas tentar nos persuadir disso.
GC/DS: Esse é um exemplo perfeito!