Heloisa Mendes Pereira: Sua arquitetura demonstra bastante essa questão da franqueza, clareza, não só quanto ao material, mas de relação entre técnica e arte, teoria e projeto sendo uma referência muito importante na nossa arquitetura. Você chegou a pensar durante a sua carreira na possibilidade da sua obra ser um exemplo, pensando em compor um acervo de arquitetura para futuros arquitetos, pesquisadores? Quais razões que te levaram a fazer essa doação para Universidade, e como você enxerga a importância desse material para pesquisas e estudos?
Decio Tozzi: Nunca pensei nisso, nem teria a arrogância de pensar. A gente nunca sabe até onde vai chegar. Eis que surgiu o interesse pela Unicamp, talvez pela facilidade de articular com meu neto o Arthur que foi mediador e incentivador dessa doação. Ele falou comigo, eu tinha meu acervo aqui em São Paulo, guardado em um Selfbox, eram duas salas. Um custo bem alto e que não era adequado para conservar esse material. Entrava bastante umidade e poeira, tanto que a maior parte dos documentos você já dever visto que estavam com as pontas envergando.
HMP: Sim estavam mesmo. Foi preciso higienizar todos os tubos, readequar o armazenamento dos projetos.
DT: Imagino, já está no fim este trabalho?
HMP: A higienização superficial, dessa parte de poeira e pequenas crostas de sujeira, sim. Aí, os projetos que estavam nos tubos, foram retirados e transferidos para novas embalagens para evitar que os danos por oxidação das tampas de metal continuassem as comprometer as folhas de desenho... Mas os tubos originais foram mantidos, eles também foram higienizados e guardados junto da documentação do acervo, porque mesmo este objeto é uma representação importante do acervo.
DT: Sim, era um material da época, eles eram vendidos nas lojas de material de arquitetura.
HMP: É então, são representações importantes da história.
DT: A história tem um papel fundamental em qualquer campo, é fundamental ter mesmo esses exemplares para que qualquer pesquisador, profissional e mesmo os que estão aprendendo, tenham acesso a essa fonte direta do próprio autor. E eles vão descobrir coisas que ainda não foram expostas e que aconteceram, como você está revelando no seu discurso. Por esse manuseio e contato você vai percebendo uma coisinha aqui, outra ali, que fazem parte da história e do processo.
HMP: Certamente. É a partir dessas leituras que surgem importante reflexões e questionamentos que enriquecem a pesquisa, como por exemplo a residência funcionou como um campo experimental na sua carreira?
DT: Bom dentro daquela ideia de que a arquitetura deveria ser revista em função de novas relações sociais eu tenho algumas coisas, por exemplo a eliminação o máximo possível do corredor, então não tem aquela passagem intermediária que não é espaço nenhum, então eu procuro encontrar um desenho que abrigue e ao mesmo integre os espaços. Isso você pode identificar na casa do Teófilo, na casa do meu irmão Elio, na casa do Claudio... Na casa da Carmen... embora a casa da Carmen tenha uma área de serviço, a casa da Carmen se notabiliza, se caracteriza mais pela forma que busca uma relação com a paisagem do que com o programa, o programa é antigo, como era a vontade da cliente na época.
HMP: É o programa residencial envolve bastante a questão do cliente, que uma circunstancias específica de cada proposta, assim como local. E fica muito evidente a preocupação que você tem com essas circunstancias específicas de cada projeto residencial, cliente, lugar...
DT: As visuais, a paisagem...
HMP: Exatamente, isso acaba exigindo uma inventividade maior por parte do ato de projetar.
DT: Tem as ideias gerais que são aplicadas de forma individual em cada projeto.
HMP: Sim, é interessante observar que em muitos dos seus projetos existem algumas limitantes que acabam por se configurar como diretrizes favoráveis da arquitetura.
DT: Sem dúvida, a subversão dessas aparentes limitações ou adversidades pode não ser o ponto inicial, mas acaba desembocando nelas. A arquitetura é sempre transformar realidades, sempre pensar numa transformação da vida e numa interpretação nova. Então a arquitetura busca com o material e a técnica existente transformar, dominar, o sentido do uso.
HMP: E dessa forma é possível alcançar uma boa arquitetura que seja honesta tanto com o existente, como com o que ainda vai acontecer. Aquilo que vai passar a existir.
DT: A mão do homem fazendo ela vai estar lá presente. Uma vez eu deixei numa obra o nome de um operário escrito no concreto, eu deixei lá. Acho que na do Carlos Paschoal.
[risos]
HMP: Ah que legal! É a construção é resultado de uma ação humana e a sua existência representa isso independente do contexto. Sobre este a pesquisa observou uma diferença considerável entre as residências que estão no meio urbano e aquelas de paisagens mais naturais. Isso acabou sendo interpretada como uma maior liberdade de criação e maior expressão poética, no caso das casas em meio a paisagens naturais, isso de fato ocorre?
DT: Ocorre sim, e ocorre porque a questão do lugar é muito importante, a obra vai determinar uma transformação ambiente. E mesmo que ela seja abstrata em termos de calor e outras características do meio natural, mas ela fisicamente passa a ser uma realidade e uma nova questão ali e vai influenciar uma nova relação espacial.
HMP: É acaba que dentro da malha urbana existem mais barreiras intransponíveis.
DT: Quando é na paisagem natural você busca certas diretrizes que são as visuais, a escala da paisagem, a vegetação, qual a relação que vai haver com o entorno, o relevo. Tudo isso influi basicamente e determina a arquitetura.
HMP: Sim, essa relação com a paisagem é algo bastante marcante na sua obra e desenho. Inclusive em nosso estudo observamos também que os seus projetos buscam de alguma forma fluir para além do lote, como por exemplo nas casas que eu estou estudando a gente vê na Pereira Paschoal a implantação em patamares e a vedação em vidro privilegiando se abrindo de maneira visual para entorno, enquanto que na Carmen Carvalhal você escava o terreno para que a casa se acomode e de continuidade a topografia privilegiando a visão da represa, na Geraldo Abbondanza ela se propõe quase que como uma ligação abrigada entre a rua e a praia, e na do Claudio no Guarujá é marcante a abertura circular da laje que amplia o espaço de forma zenital. A intenção seria mesmo uma amplitude virtual do lote?
DT: Não, não necessariamente ampliar o lote, mas fundamentalmente interpretar o entorno.
HMP: Entendi... E você não projetou uma casa para si né?
DT: Casa de ferreiro espeto de pau que fala, não é? Não! Eu nunca pensei em fazer uma casa para mim, não sei se por comodismo, talvez uma falha minha. Gozado isso
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