A escala da cidade, desejo inerente de seu criador, pretende ser respeitada. Utilizando-se das palavras de Costa: “...respeitar Brasília. De complementar com sensibilidade e lucidez o que ainda lhe falta, preservando o que válido sobreviveu (1)”. Propor a ocupação das passagens transformando-as em lugar, articulados na escala magnífica das Asas, pelo transporte não motorizado representado pela ciclovia, é expressão do respeito que temos com a Capital. Propomos “...desarmado de preconceitos e tabus urbanísticos e imbuído da dignidade implícita do programa: inventar....(2) “ um novo lugar.
A mobilidade urbana, com ênfase no transporte coletivo e no deslocamento não motorizado, vem se destacando atualmente como pauta nas politicas públicas das grandes cidades. Com Brasília não poderia ser diferente. A cidade projetada por Lúcio Costa nos anos 50, sobre a qual o transporte motorizado é uma condição preeminente busca, no século XXI,formas de se reinventar em relação ao deslocamento de seus cidadãos. Prova disto é a recente inauguração do Metrô de Brasília, ligando o terminal rodoviário às cidades satélites, e o plano cicloviário de circulação entre as superquadras, proposto pelo Governo do Distrito Federal.
Ao propor um concurso nacional para passagem de pedestres, a Companhia de Planejamento do DF demonstra seu alinhamento com estas políticas públicas. Priorizar a circulação peatonal, com autonomia e segurança, solucionando conflitos entre pedestres e veículos e valorizando espaços livres, nos parece uma atitude adequada neste sentido.
Nesta transformação, que é também cultural, a escala do projeto original deve ser preservada, mesmo que não contemplasse em suas origens, a escala do pedestre. Como então compatibilizar duas escalas tão diferentes? O simples tratamento das passagens, com melhorias pontuais na sua acessibilidade, iluminação, conforto e segurança, seriam suficientes para resolver este conflito? Talvez a escala do Plano Piloto também necessite de outras estratégias para integrar a paisagem urbana preservada com as novas políticas de mobilidade sustentável, priorizando os pedestres e os meios de transportes menos poluentes,além do tratamento pontual das passagens.
Como resposta a estas condições indicamos soluções de projeto, apresentadas na escala da cidade, que buscam alternativas para aliviar o conflito entre pedestres e veículos, com ênfase no transporte não-motorizado. As 16 passagens subterrâneas ao longo de mais de 13 quilômetros das Asas devem possibilitar a ligação entre as quadras, os setores e os caminhos da Capital. Uma solução que possa ser reproduzida nestes 16 momentos, tratados de maneira conjunta, tanto no que diz respeito a sua função, quanto aos diferentes usos agregados, a sua estética, acessibilidade, segurança emanutenção. Uma solução em escala.
Brasília necessita além da articulação entre as 16 passagens, algo que qualifique este lugar como um novo território, propicio à mobilidade alternativa. Como cidade plana e planejada, nenhum outro transporte parece mais adequado do que aquele realizado com a ajuda de bicicletas. Uma ciclovia de 13,5 quilômetros, uma régua que mede a cidade, entre asAsasNorte e Sul. Um elemento integrador sobre a estrutura viária consolidada.
Elemento que cruza e integra cada passagem subterrânea, aumentando sua função de simples cruzar para estar. Lugar que consolida o encontro do ciclista com o pedestre, que surge como alternativa de espaço na cidade,sob o eixo rodoviário, propiciando segurança e acessibilidade por seu uso, por sua pré-existência. Lugar não mais para ser percebido na velocidade do automóvel. Um lugar diferente, a ser usufruído à velocidade de 4 a 20 km por hora, pedalando ou caminhando. Esta é a vocação deste novo lugar, urbano por planejamento, construído por desejo, mas ainda esvaziado na vocação. Preencheremos!
Iniciamos a proposta baseados nos parâmetros expostos no termo de referência. Um projeto tipo, que solucione a questão da acessibilidade nos acessos junto às calçadas. O que nada mais é que oferecer condição de autonomia e segurança à circulação de pedestres por meio de rebaixamentos de solo e da integração com as edificações lindeiras propondocaminhos intuitivos que direcionam à Passagem. Assim é a escala da cidade do futuro, da cidade criada por Lúcio Costa. É Brasília.
Não nos fez sentido abrir pequenas brechas sobre as estreitas calçadas, mas integrar os diferentes níveis por rampas, ora lineares, ora helicoidais, e principalmente por acesso aos edifícios públicos ou institucionais, reforçando a integração dos percursos à paisagem construída. É o que propomos junto ao acesso do Banco Central e do Hospital de Base. São as variáveis possíveis para os acessos do Tipo 1, ao quais chamamos de Passagens.
Uma vez sob o eixo rodoviário, iniciamos o percurso por meio do ajuste do nível do solo, em plano inclinado com 3% de declividade ao longo de toda sua extensão, solucionando a acessibilidade entre os trechos da pista principal e da pista leste. Esta simples estratégia elimina a necessidade de equipamentos assistivos e não interfere na estrutura construída, apenas rebaixando o pavimento. Com isto garantimos autonomia e segurança a todos os usuários, inclusive aos ciclistas. Importante salientar a necessidade de estudo futuro para o aumento da largura das passagens sob os eixos, tornando-as adequadas ao fluxo crescente, o que facilitará e atrairá pedestres e ciclistas quando da consolidação da ciclovia.
Com os acessos do Tipo 1 implantados, alimentamos a ciclovia junto ao eixo rodoviáriode ambos os lados ligando o extremo da Asa Sul à Norte. Ciclovia que se articula com as passagens viárias e os abrigos de ônibus. Pedestres, inclusive aquelescom mobilidade reduzida, e ciclistas acessam o nível conveniente da via através de uma sequência articulada de rampas e escadas.Chegamos assim ao percurso iluminado, com curtas distâncias e várias possibilidades dedeslocamento; aquilo que já era observado por Lucio Costa em seu relatório “Brasília 57-85”. Uma sequência de platôs surge junto ao talude vegetal, respeitando as principais espécies arbóreas, criando lugares de estar, descanso, contemplação e possíveis áreas para a instalação de abrigos. Concretiza-se o Tipo 1.
Os possíveis abrigos irão surgir da dobra de um dos platôs, criando uma cobertura impermeabilizada, cuja área pode ser ocupada por cafés, pequenos comércios ou mesmo serviços públicos. Espaços articulados às passagens, com áreas servidas e de serviço, com fácil acesso e boa ventilação, em cuja cobertura, transformada em cruzamento com a ciclovia, gera espaços de descanso, guarda de bicicletas ou simples contemplação da paisagem. Implantamos assim a proposta do Tipo 2 , a que chamamos de Lugares.
Ali estão previstas ações que minimizam as interferências com infraestruturas existentes, que promovem segurança pelo uso e pela instalação de mobiliário e adequam a drenagem de águas pluviais com dispositivosdrenantes que requerem baixos custos de manutenção. Propiciam ainda equipamentos e mobiliário urbano como bancos, lixeiras, brinquedos, suportes para publicidade, entre outros, que dinamizam a relação do usuário com o local.
O edital se refere ainda à disponibilidade do projeto em incrementar o uso e os acessos ao Lugar, com a implantação do Tipo 3, por meio do aumento dos abrigos para comércio e serviços e estacionamento coberto, com acesso pelos trevos conhecidos como tesourinhas. Claramente o objetivo é de adensamento construtivo para expansão futura do local. Nos parece contrassenso admitir esta variação do tipo2, que implicaria novamente na ocupação da paisagem pelo automóvel. Os setores comerciais das superquadras já proveem esta função, sendo que a ocupação das áreas livres junto as passagens, está proposta na escala do pedestre. Ainda que o acesso pela tesourinha demonstre não ser o mais adequado por questões de segurança e de características como espaço físico, misturar estas funções enfraqueceria a afirmação da proposta como lugar do pedestre e do ciclista. Necessariamente uma pista auxiliar, para aceleração e desaceleração,deve ser implantada para o acesso a este local, o que implicaria na redução do espaço físico disponível, de geometria específica para manobras e pouco ou nenhum espaço para as vagas. Ao invés desta solução, propomos espaços acessíveis pelos modais não motorizados, pedestres e ciclistas. Admitimos como solução adequada ao projetodispor em vários locais do entorno parques de estacionamento facilmente acessíveis às Passagens.
notas
1
Costa, Lúcio. Ingredientes da concepção urbanística de Brasília. In Registro de uma vivencia. São Paulo: Empresa das Artes, 1995. Pág. 282.
2
Costa, Lúcio. Brasília revisitada (1987). In Registro de uma vivencia. São Paulo: Empresa das Artes, 1995. Pág. 331.
ficha técnica
Local
Brasília DF
Data
2012
Autores do projeto
Gustavo Partezani
Daniel Horigoshi Maeda
Diogo Sequeira Esteves
Guilherme BivarMarques
Ingrid Schmidt Ori
Rafael Giorgi Costa (Piratininga Arquitetos Associados)