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XAVIER DE MENDONÇA, Denise. Rossi e Eisenman... Freud explica! Arquitextos, São Paulo, ano 01, n. 005.11, Vitruvius, out. 2000 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/01.005/977>.

Genius Loci – a idéia de reconhecimento de Rossi

A produção de uma arquitetura comprometida com a crítica ao Movimento Moderno, deveria, segundo Rossi, retomar à alguns princípios que haviam sido rechaçados por este. Para ele, a raiz da concepção arquitetônica está na correta articulação dos elementos da memória, do locus e do desenho. Rossi crê que o resultado desta justa articulação de elementos pelo objeto arquitetônico é capaz de evocar a idéia de locus, que é a idéia de um lugar marcado pela presença protetora do genius loci (1).

A presença desta marca dota o espaço de um registro que o diferencia das demais estruturas espaciais. Sendo assim, por esta particular característica, uma vez na presença deste espaço marcado – o locus –, podemos experimentar um contato com o universo da memória e da reconhecibilidade.

O conceito de "topia" para Rossi é o espaço do reconhecimento. E como a própria construção da palavra – reconhecer – indica um conhecimento através da memória. Rememorar-se, no entanto, não é somente a reincidência de experiências pessoais isoladas; para Rossi, a memória do lugar é o resultado de sobreposições das experiências individuais e coletivas, onde se acomodam signos do arbítrio e da tradição.

Deste modo, a experiência de ausência natural à vivência do homem moderno, pode enfim ser amenizada por meio do reconhecimento de estruturas permanentes, já que todo processo de identidade implica ao mesmo tempo a fundação de um objeto de identificação e de um sujeito que identifica. Deste modo a certificação do mundo funciona como um espelho na certificação do nosso ego.

No entanto a estratégia do reconhecimento afim de minimizar o estado de ausência natural da condição do homem moderno, exibe em sua gênese um fator que contraria a intenção inicial. Tal fator aparece na dimensão temporal das ações implicadas no método. Aqui uma primeira ação de caráter pretérito – lembrar ou recordar – é usada como meio na identificação de uma condição de presente – a realidade, a identidade –; deste modo, o momento da identificação se dá exatamente quando o sujeito é suspenso do seu estado de presença e é remetido para o passado, para um estado de não presença. Verifica-se, portanto, que o processo proposto por Rossi – do reconhecimento como um modo de relacionamento com o presente – reforça o que ele próprio pretendia amenizar, o estado de ausência.

A idéia de permanência

A memória, para Rossi, antes que uma fonte de modelos a serem reproduzidos no presente, é a possibilidade de retomar a relação dialética com o mundo dentro do processo histórico, a partir das notações espaciais – as permanências.

O locus, desta forma, se manifesta pela sua capacidade de significar, através do que lhe é recorrente. A idéia de permanência é um conceito que propõe uma afirmação do processo histórico como a comprovação de estruturas constantes – o tipo. E importante lembrar que a noção de tipo para Rossi não corresponde a um sistema de operação formal; para ele, o tipo é o registro de uma estrutura persistente.

Assim, paradoxalmente, se por um lado, o conceito de permanência se sustenta na consideração de que a produção arquitetônica se confirma através do processo histórico, por outro, rompe com a noção de tempo linear progressivo e, acima de tudo, com a noção de história como um processo evolutivo, já que a noção de tipo é a idéia de uma estrutura constante, como um relato atemporal.

A noção de história para Rossi pode ser comparado ao conceito de rito. A idéia de repetição é que dá sentido ao rito. O seu significado e forma estão contidos no rigor da reprodução contínua de sua estrutura. A qualidade da ação aqui depende muito mais do caráter de fé contido na evocação, do que nos princípios intelectuais de compreensão dos procedimentos. Deste modo, assim como o fiel ao se dedicar ao rito acredita no seu poder transcendente e em suas potencialidades terapêuticas, do mesmo modo Rossi acredita no poder das permanências na recuperação de um sistema de valores para uma realidade esvaziada de sentido e fugidio.

O fim do clássico para Eisenman

Ao contrário de Rossi, Eisenman não acredita na existência de uma supraestrutura recorrente que pudesse garantir uma identidade para a linguagem arquitetônica contemporânea. Para ele o resgate de um significado para a arquitetura dentro da idéia de história é apenas uma simulação do sentido de eterno, da qualidade de se tornar clássica.

Para Eisenman a necessidade de auto-certificação do sentido arquitetônico se dá, historicamente, desde o momento em que o veículo arquitetura se apercebe, afastado do seu conteúdo, de sua essência significante. Aqui, portanto, o restabelecimento da relação entre significante e significado só pode ocorrer pelo que se conhece como valor de verdade. E é através da representação do passado, – da fonte de significado clássico – que se confirmam as ações do presente.

Desde então a arquitetura não mais se reconhece como pura apresentação, uma vez que identifica e persegue uma essência que se encontra deslocada de si. Ela agora se realiza na representação de algo. E nesta qualidade de um segundo registro, ela se afirma somente a partir de seu valor de linguagem, como um continente de uma essência alheia.

Para Eisenman a proposta moderna não conseguiu operar o rompimento com a tradição figurativa. Ao negar a necessidade de confirmação histórica pela representação, o Movimento Moderno introduz a certeza racional como a única fonte possível de verdades para a arquitetura. Uma razão que incorpora a idéia de eficiência e justifica a fisicalidade do objeto por sua função. Aqui podemos identificar que a necessidade de auto-certificação pelo valor de eterno foi substituído pela necessidade da justificativa racional para a ação (2). Ou seja a tradição figurativa opera no Moderno apenas uma substituição do ideário da linguagem natural para o ideário racional, que passa a ser a imagem representativa da realidade.

Para Eisenman, a Arquitetura Moderna não conseguiu se libertar da idéia da afirmação de um sistema pela afirmação da verdade – a razão –; pela conquista de um significado – a função; e pela promulgação de um resultado ao evidenciar a realidade – a forma. Neste sentido o Moderno não teria realizado a abstração, teria, apenas, a ilustrado.

A defesa de uma atopia

Em direção oposto ao que propõe Rossi em seu sistema de reconhecimento através das permanências, que para ele só significava a produção de novas simulações, Eisenman aposta no processo de estranhamento e deslocamento na apreensão da realidade. Como uma estratégia, Eisenman aponta o processo de dissimulação como a única possibilidade de absorção de uma realidade que não se mostra, em nenhum de seus aspectos, apreensível como verdade.

A atopia , diferente de utopia, não é a negação do lugar, é, antes disso, o lugar deslocado, ou ainda uma condição de falsa origem.

Eisenman nega a possibilidade de realizar o sentido legítimo do lugar pela arquitetura; ao contrário disto, ele diz que o lugar agora é um lugar inventado. Ele argumenta que se antes era lícito à linguagem arquitetônica gerar relações de significado com a topografia, com a tipologia circundante, com às tradições culturais, com a história, todas, segundo ele, idéias de verdade, agora à arquitetura não cabe mais tal tarefa, uma vez que nenhum destes paradigmas se mostram passíveis de serem fixados como valor dentro desta realidade fugidia do mundo moderno.

Mesmo quando retira das qualidades de sua locação referências para servir de estímulo para a ação projetual, Eisenman não está pretendendo a recuperação de um estado original de solo, de um sentido de lugar. Ele trata esta referência como uma aparição, uma enunciação fragmentada de um passado que se apresenta, não como um resgate de uma realidade perdida, mas, antes, como uma ficção que disputa uma simultânea existência com a ficção do presente.

Como um arqueólogo, Eisenman escava a temporalidade do presente para produzir múltiplas origens ficcionais, pois considera ser esta a única forma de romper com a idéia progressiva do tempo, fazendo do topus o lugar da invenção.

Por uma indecidibilidade do texto

Derrida afirma que a única condição para que um texto não produza um único sentido é através do que ele chama de excesso, que é a capacidade de um trabalho produzir muitos significados simultaneamente, incluindo os contraditórios, não intencionais e os indesejáveis (3).

Neste sentido o trabalho de Eisenman produz uma condição de excesso, no momento que amplia o terreno do discurso arquitetônico fazendo com que este seja afetado por processos estranhos a sua linguagem convencional, desencadeando uma série de reações de conseqüências insuspeitas. Eisenman utiliza, portanto, de princípios deslocados da natureza tradicional da arquitetura para que estes, a partir do seu estado "entre", contaminem, aduzam e distorçam o processo de conformação arquitetônica.

E bom notar, no entanto, que Eisenman, ao falar de referenciais deslocados, não pretende uma simples incorporação de elementos não-arquitetônicos à sua obra. Com sua atitude quer, isso sim, discutir a possibilidade ou a impossibilidade, de se afirmar, hoje, a existência de padrões ou valores legítimos à prática arquitetônica. Uma vez que se admite que a situação contemporânea está marcada pela perda definitiva de um sistema de valores, antes garantido pela reprodução do conceito de verdade, então os referenciais que Eisenman incorpora em seus projetos podem ser chamados de estranhos à tradição da linguagem arquitetônica, porem não podem ser classificados como não arquitetônicos. O que ele tematiza é que, uma vez sendo impossível, hoje, para a Arquitetura a defesa pela promulgação de novas verdades, ela, igualmente, se encontra impedida de afirmar as não verdades. Deste modo, quem irá negar que, a sobreposições de sinuosidade que um remo imprime, em seu sucessivos movimentos, sobre a água; ou que a forma sugerida pelo desenho, da amplitude e freqüência, de uma onda sonora, não sejam referenciais passíveis de serem considerados arquitetônicos?

A atopia, portanto, é a afirmação do não referente, do não específico. Um objeto em condição atópica é um objeto suspenso na temporalidade do presente, uma vez que não possui origem – passado – e não aspira a um ideal final – futuro –, só pode ser encontrado no presente que é este estado "entre", de onde emanam traços de mensagens arqueológicas de futuro e indícios premonitórios de passado.

Uma conclusão a la Freud

Ao contrário do que se possa supor, o problema aqui levantado da preocupação pela definição de um topos para o Homem não é uma temática restrita a condição contemporânea; o assunto remonta na verdade à origem da instalação do sentimento de angústia moderno. Sua presença pode ser identificada desde os primeiros momento em que a consciência intelectual do homem se apercebe distinta e, portanto, distante da natureza.

Com a falência da ordem racional na organização do mundo moderno, vê-se frustrada uma das últimas possibilidades de reconstituição de um sistema de valores fixos capaz de ancorar a produção, e, como conseqüência, encontra-se igualmente frustrada a chance do homem em afugentar o sentido da angustia. A civilização experimenta portanto, então, um estado de ânimo absolutamente afetado por um sentido de impotência e negatividade. Neste momento a consciência deste estado descreve duas ações reativas que tentaremos esboçar. Uma primeira reação tenta combater a negatividade com positividade e a segunda pensa que a única saída para se superar a negatividade está na sua potencialização. Estas duas reações à uma mesma demanda serve para ilustrar a condição pós-moderna, ou melhor dizendo a situação de crítica dos paradigmas modernos. Desta forma, considerando os temas aqui expostos, poderíamos afirmar, mesmo sob o risco de estarmos reduzindo o conteúdo implicado nas obras, que a natureza do trabalho de Rossi pertence ao primeiro grupo assim como o de Eisenman é moldado à segunda atitude.

Em um conhecido texto chamado Luto e Melancolia (4), Freud explica que em reação a perda de algo ou alguém, uma pessoa pode desenvolver dois tipos distintos de reação – o luto ou a melancolia. Em ambas reações o princípio da dor pela perda é comum, uma vez que tanto em um como em outro se processa uma tentativa de desvio de libido do objeto amado e isto sempre representa uma grande penalidade. No entanto a diferença reside no fato que o luto tem claramente definido o objeto de sua perda, enquanto que na melancolia o objeto da perda permanece retirado da consciência. Ou ainda, na melancolia pode-se saber que a morte de alguém tenha originado o estado doloroso, mas não se pode saber o que de si se perdeu neste alguém. Deste modo, ao contrário do luto que pode, ao fim do processo, separar-se do objeto da perda, a melancolia permanece atrelada à perda uma vez que o objeto da perda e seu próprio ego estão fundidos no mesmo processo, não permitindo que o desvio de libido se complete, pois uma vez concluído, significaria a morte do próprio ego.

O fim de um sistema de valores estável, a perda da aura da arte, são apenas alguns fatores que desenham esta situação de desalento da humanidade .A presença da morte nos é comum desde muito. O campo da cultura também manifesta reações a este estado, onde os conceitos de Freud anteriormente descritos, poderiam nos servir como metáforas para o entendimento destas. Neste sentido, arriscando uma analise comparativa, poderíamos chamar o Rossi de melancólico e atribuir a Eisenman uma atitude enlutada.

A melancolia de Rossi pode ser evidenciada em sua defesa da idéia de uma estrutura permanente. Este apego ao processo histórico na constituição desta estrutura, demonstra a identificação de um estado de morte porém exibe também a necessidade de não se apartar do que está morrendo apegando-se a este objeto, não pela substituição por imagens fetichizadas, como fez boa parte da produção dita pós-moderna, mas através da tentativa da incorporação ao próprio ego das qualidades do objeto que morre.

Eisenman, por sua vez, não procura preencher este estado de ausência provocado pela perda. A exemplo do que afirma Freud, a atitude de luto mantém consciente o objeto retirado de si. Como uma atitude de luto Eisenman mantém com o objeto morto apenas o ritual de afastamento, de desvio de libido, fazendo deste ritual o único vínculo possível de comunicação com a realidade, ou seja, mantendo em estado de consciência o caráter evanescente da realidade.

notas

1
"La elección del lugar para una construción concreta como para una ciudad, tenía un valor preeminente en el mundo clásico; la sítuación, el sitio, estaba gobernado por el genius loci, por la divindad local, una divindad precisamente do tipo intermedio que presidía cuanto se desarrollaba en ese mismo lugar". ROSSI,Aldo. La arquitectura de la ciudad, Editora Gustavo Gili, Barcelona, 1976, p. 157.

2
EISENMAN, Peter. The end of lhe classical, catálogo da exposição Malhas, Escalas, Rastros e Dobras na Obra de Peter Eísenman. São Paulo, MASP, 1993.

3
KIPNIS, Jeff. A matter of respect, A+U, Japão, 1991. Kipnis cita Jacques Derrida.

4
FREUD, Sigmund. Luto e Melancolia in edições Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud, vol. XIV, Imago Editora, Rio de Janeiro, 1974.

sobre o autor

Denise Xavier de Mendonça é arquiteta e professora de História e Teoria da Arquitetura e do Urbanismo, Arquitetura Contemporânea e Projeto na Universidade 9 de Julho de São Paulo e no Centro Universitário Moura Lacerda de Ribeirão Preto, Mestre em Teoria e História da Arquitetura pela EESC - Escola de Engenharia de São Carlos - USP.

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