O êxito é um obstáculo à liberdade: essa premissa de vida diz muito sobre o homem Éolo e o arquiteto Éolo. Embora várias vezes rotulado e associado à imagem da arquitetura pós-moderna, Éolo negava a idéia de que o arquiteto deva ter um traço próprio, e apostava na busca da invenção, na busca por fazer algo que ele nunca antes tivesse feito. Se há um rótulo possível para ele e seu trabalho é a liberdade de pensamento. Esta atitude que tinha diante do trabalho e da vida era o que mais se podia aproximar de um rótulo. Uma influência positiva que vai contra todas as tendências da valorização da imagem e da reprodução de formas que impera em nosso cotidiano.
Éolo nos apareceu de repente: quando éramos estudantes, havia na escola um sujeito diferente, que na sua diferença, contraposta à mesmice do cenário acadêmico de então, nos chamava a atenção e despertava muito interesse. Assim conhecemos Éolo: primeiro como seus estagiários – e da Jô -, depois como seus alunos, daí a nos tornarmos amigos foi um passo, e dessa amizade surgiu a parceria de trabalho. Tudo sempre muito naturalmente, como a vida deve ser, ou pelo menos, como ele sempre fez ser.
Na escola, repropunha as estratégias de trabalho: criou o “panelaço”, uma reunião aparentemente informal, em que todos apresentavam seus projetos e todos comentavam e criticavam. Promovia uma exposição mútua em que professores e alunos se aproximavam na intenção primordial de fazer e aprender arquitetura.
Pautado por uma forte e legítima preocupação de criar uma arquitetura genuinamente brasileira, e muitas vezes por isso criticado, o patropi Éolo sempre buscou fazer repercutir em seu trabalho a realidade da vida e do cotidiano brasileiros, assumindo inteligentemente as imperfeições, dificuldades e limitações que nossa condição pobre e desigual nos impõe e transformando-as em grandes virtudes, a recuperar valores por muito tempo ignorados. Acreditou que o mais importante a fazer era buscar uma arquitetura que se fundasse no processo cultural de um povo genuinamente brasileiro, nas manifestações mais legítimas do homem tupiniquim. Essa compreensão da nossa especificidade e a relativização dos padrões e influências universais para adequá-los ao nosso cotidiano talvez sejam os elementos que realmente o caracterizavam como um homem pós-moderno, e não as alegorias e a exuberância de uma etapa de sua produção como arquiteto. A experiência de ver a cultura brasileira minguar na ditadura foi imperativa para que Éolo, Jô e vários outros arquitetos estabelecessem uma posição de resistência, sem perder o fundamental compromisso com a alegria, a vida e a liberdade que tão bem os caracteriza.
Recentemente, a oportunidade do trabalho conjunto, em um primeiro momento no Concurso de Cusco (2) e depois no Centro de Arte Corpo (3), nos aproximou mais e nos permitiu conhecer efetivamente a competência profissional e a sabedoria de Éolo e Jô. O primeiro atrevimento, improvável entre a maioria dos arquitetos mais velhos, foi a inciativa do velho Éolo – a propósito, o mais jovem da equipe! – em propor a igualdade total de condições, em que deveria valer antes de tudo a melhor idéia. Depois, a sabedoria de conduzir o processo com calma, dando as pausas necessárias para que pudéssemos refletir sobre o que fazíamos. E por último, a desconfiança permanente sobre tudo o que era produzido, a estimular novamente uma reflexão constante sobre a arquitetura que várias vezes extrapolava a imediaticidade do projeto e conduzia a questões mais fundamentais de nosso oficío e de nosso país. Essa busca pelo desconhecido permitia sua constante renovação, era o estímulo fundamental para sua vida e sua arquitetura.
A alegria eólica, irônica e atrevida, foi um atrativo e tanto para nós estudantes. Criador de polêmicas inimagináveis, protagonista de momentos às vezes surrealistas - ele próprio disso se gabava -, tinha uma posição contundente diante do mundo e dos absurdos da vida, posição exemplar de resistência, inteligentemente recheada de muita ironia e sabedoria. Soube como ninguém ensinar, através do seu exemplo, duas lições fundamentais: a primeira, de que arquitetura se funda na vida, e não o contrário. A segunda, de que é preciso antes de tudo ser livre, e que o maior desafio do homem é se livrar de seus êxitos, e continuar buscando a invenção e liberdade de pensamento por toda a vida.
Ser brasileiro é ser Éolo. Eis a lição do patropi. Aprendamos com ele. Saravá!
notas
1
Nota do editor - O presente número de Arquitextos, nº 029 de outubro de 2002, em homenagem a Éolo Maia, contou com a editoria de Fernando Lara.
2
Concurso internacional de ideas: Rehabilitación del Centro Historico del Cusco, Plaza San Francisco de Asís, Cuzco, Peru, junho de 2001, equipe Alexandre Brasil, Carlos Alberto Maciel, Éolo Maia, Jô Vasconcellos.
3
4o Prêmio Usiminas de Arquitetura em Aço, versão nacional, novembro de 2001 (1a etapa) e março de 2002 (2a etapa), equipe Alexandre Brasil, Carlos Alberto Maciel, Éolo Maia, Jô Vasconcellos, com consultoria de Amilcar de Castro.
sobre os autores
Alexandre Brasil Garcia e Carlos Alberto Maciel são arquitetos, professores da ufmg e autores do projeto do Centro de Arte Corpo, em parceria com Éolo Maia e Jô Vasconcellos