O espaço sempre será pouco para relembrar um amigo. Permito-me reavivar duas memórias de Éolo, de épocas distintas.
A primeira é de meus tempos de estudante, no início dos anos 80, FAU-USP. Todos nós, Geração Coca-Cola saindo das fraldas, caíamos no mundo embalados pela Diretas Já, enroscados nos restos de Libelus e de PCs e PCsdosBs, tentando entender a absurdidade da "recondução" de Artigas, de Paulo e Maitrejean ao templo que eles haviam erigido. Morreu Artigas, de desgosto, morreu Tancredo. Nossos dilemas oscilavam entre as roupas dark e a estrelinha do PT, saída do forno. E queríamos saber o que era Arquitetura.
Mofo institucional, de direita e de esquerda, ressentimentos dos quais não queríamos ser herdeiros. Ao Merino chegavam os primeiros caixotes de livros importados. Procurávamos ar fresco, e nesse momento aparecia o livro de Éolo. Eclético, vital, cheio de projetos de cunho social feitos na raça, com cor e forma nova, nova para nós. Vinda de Minas. Capela de Santana do Pé do Morro, acenando para Lúcio Costa. Glórias ao Bispo de Mariana. Viaduto residencial de estrutura metálica (uau!), alvenaria auto-portante com materialidade romântica, janela triangular em parede amarelo-ovo e rosa-choque, barrado verde, lógico. E palestras, bolsa a tiracolo, cabelo comprido, sorriso aberto.
A segunda, quinze anos depois, aconteceu na Alemanha. Já assentado por aqui, tive em 1997 a oportunidade de convocar quatro escritórios brasileiros para um concurso internacional visando a reestruturação do Bairro Amarelo em Berlim Oriental, um conjunto habitacional de pré-fabricados de concreto com 3.200 habitações. Tarefa sensível e difícil num contexto social em flamas, depois da bancarrota do socialismo real. E era a chance de restabelecer uma presença brasileira depois do nosso isolamento do mundo. Optei por chamar colegas que, com as mais diferentes linguagens e atitudes, introduziram novas vitalidades no panorama nacional: Anne Marie Sumner, Brasil Arquitetura (ganhadores do concurso), Éolo Maia e Jô Vasconcellos, e Marcos Acayaba (que infelizmente não participou).
Se bem me lembro, foi a primeira vez que o Éolo saiu da América do Sul. O que caminhamos naqueles dias! Éolo de olho arregalado, comendo tudo o que via, mas com aquele silêncio humilde do mineiro que conhece o mundo, mas quer ver para comprovar. Em Hellersdorf, o que mais fiz foi traduzir suas perguntas às crianças do bairro sobre o lugar onde moravam, e sobre o lugar que imaginavam. Era 1º de fevereiro, um frio "dus diabo", tudo o que queríamos era um café em lugar aquecido. Éolo não havia terminado com suas entrevistas, sumiu, e conseguiu com pernas e braços pedir, num quiosque de vietnamitas, garrafinhas de vodka para todos nós. Salvou o dia. Voltou em abril com seu projeto, e os alemães, que imaginavam já ter visto tudo, tiveram que respirar fundo. Não ganhou, mas voltou para casa com mais um baú de idéias, e falando em como solucionar o problema habitacional no Brasil.
A priori, Éolo não negava nada nem ninguém. Não comprava briga, os outros é que se sentiam acuados por sua falta de falsos pudores. Deixou uma obra extensa, heterogênea, a ser investigada. E um trem de amigos.
sobre o autor
Pedro Moreira (1965), Arquiteto, formado pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, 1987-88. Atuação profissional no Brasil, Inglaterra e Alemanha. Sócio em Nedelykov Moreira Architekten, Berlim. Supervisor de Projetos Internacionais das Oficinas da Fundação Bauhaus-Dessau (2001). Artigos publicados e Conferências no Brasil, Argentina e Alemanha