Ruth,
Acabei de ler as suas palavras sobre o Éolo e fiquei emocionado. Não sei bem porque, mas essas coisas batem mais forte quando a gente está longe de casa. Senti vontade de conversar com você e com todos aqueles que, como nós, tiveram a oportunidade de conhecê-lo. Considerando o assunto, o lugar mais adequado para esse encontro seria num boteco em BH. O bar do Pelé, talvez, onde certamente contaríamos com a agradável e imprescindível presença do Sylvio (de Podestá). Diante da impossibilidade, vai ter que ser nesse espaço virtual mesmo.
O acaso me fez encontrar, pela última vez, com o Éolo quando estive no Brasil em abril desse ano. Fui levado pelo João Diniz à uma festa e lá estava ele... Primeiro, o susto com o seu abatimento físico decorrente da luta contra a doença, que até então não sabia. Depois a surpresa ainda maior com o seu inabalado tesão pela vida. Sem fumar nem beber, falou a noite inteira sobre arquitetura. Percebi aí como o meu próprio interesse pela arquitetura, que imaginava ser grande, ficava pequeno junto ao dele. Senti-me feliz por estar em sua companhia e constrangido por não conseguir demonstrar o mesmo entusiasmo pelo tema.
No final da festa, ele se despediu me convidando para no dia seguinte irmos ao atelier do seu amigo, o artista plástico Amílcar de Castro. Ele queria que eu conhecesse o Amílcar e o seu trabalho, fonte de inspiração da sua proposta vencedora do concurso para a sede do Grupo Corpo (pois é, o Éolo ganhou concursos até aos quarenta e dois minutos do segundo tempo). Depois de uma longa e descontraída conversa com os dois, fomos apreciar as obras do artista expostas no atelier. Saí de lá meio leve e feliz da vida, um pouco pelo efeito do vinho delicioso que tomamos, mas principalmente por ter vivido aquela experiência.
Mas o meu encontro com o Éolo não acabou ai... “Agora você está pronto para conhecer de perto a nossa proposta. Sem esse papo com o Amílcar você não iria entender porra nenhuma. Amanhã a gente se encontra lá no escritório dos meninos”. Os meninos (Alexandre Garcia e Carlos Maciel) eram, juntamente com sua companheira Jô Vasconcellos, seus parceiros na proposta.
Chegamos, o João e eu, um pouco antes da hora combinada e começamos a subir as escadas. O escritório ficava no terceiro andar (se não me engano) de um prédio antigo sem elevador. O meu primeiro pensamento foi: como é que o Éolo consegue subir e descer todos os dias essa escada na condição física em que se encontra? Após alguns minutos, apareceram a Jô e logo atrás o Éolo, apoiado em sua bengala, ofegante, mas com um olhar de quem acabou de vencer mais um desafio. Assim que recuperou o fôlego, começou a apresentar o projeto em ritmo acelerado e com o seu usual entusiasmo. Parecia ser fundamental que eu entendesse rápido todo o processo de criação até chegar a proposta final. Como se eu fosse um cliente apressado ou mesmo membro de um júri e prestes a tomar a minha decisão. Lembro claramente da presença de um forte sentimento de urgência.
É incrível como eu simplesmente não fiz as conexões necessárias para entender o que estava vivenciando naqueles dias que passei em BH. Hoje, revendo a situação enquanto te escrevo, tudo faz o maior sentido. O Éolo tinha muita pressa em acabar os seus projetos em andamento. O problema é que a própria vida é um grande projeto em andamento, que só é concluído quando tudo, inexplicavelmente, se acaba.
Um grande abraco,
Zeca
nota
1
Email enviado à arquiteta Ruth Verde Zein após a leitura do artigo “Éolo Maia 1942/2002”, Texto Especial Arquitextos nº 148, setembro de 2002.
sobre o autor
Zeca Brandão é arquiteto e Professor Universidade Federal de Pernambuco – UFPE – e doutorando pela Architectural Association School of London – AASchool na condição de bolsista da CAPES