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architexts ISSN 1809-6298


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A idéia de um conceito que participe como elemento indutor do projeto é recorrente compreendida como algo externo, uma ficção, analogia, metáfora ou discurso que daria relevância ao projeto e articularia todos os condicionantes de forma significativa


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MACIEL, Carlos Alberto. Arquitetura, projeto e conceito. Arquitextos, São Paulo, ano 04, n. 043.10, Vitruvius, dez. 2003 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/04.043/633>.

A realização de um projeto de arquitetura, como qualquer outro trabalho, tem premissas que lhe são próprias: há um programa a ser atendido, há um lugar em que se implantará o edifício, e há um modo de construir a ser determinado. Esse conjunto de premissas é elaborado graficamente em um desenho que opera como mediador entre a idéia do projeto e sua realização concreta.

A idéia de um conceito que participe como elemento indutor do processo de projeto é de modo recorrente compreendida como algo externo a essas premissas, uma ficção, analogia, metáfora ou discurso filosófico que, servindo como ponto de partida, daria relevância ao projeto e milagrosamente articularia todos os condicionantes em uma forma significativa. Essa estratégia reduz a importância de dados existentes do problema e valoriza elementos que em princípio sequer existem como premissas necessárias para a realização da arquitetura. Na ausência de um grande padrão ideal legitimador das ações do arquiteto, já diagnosticada desde a emergência do pensamento pós-moderno, a busca de ficções legitimadoras isoladas como algo que confira qualidade à arquitetura tem sido uma estratégia usual tanto entre arquitetos que ocupam posições dominantes no cenário internacional como na produção local, prática e acadêmica.

Em contrapartida a essa tendência, proponho pensar o conceito como o esforço do arquiteto em compreender, interpretar e transformar os dados pré-existentes do problema arquitetônico, que se constituem em fundamento para seu trabalho: o lugar, o programa, e a construção. Esta abordagem não procura determinar um procedimento lógico e racional que concatenaria uma seqüência de resultados obtidos cientificamente a partir da observação dos condicionantes. Tal entendimento do processo de projeto – e por conseqüência, do conceito -, em oposição extrema à primeira abordagem citada, suporia a eliminação completa da subjetividade do arquiteto. Contudo, no processo de projeto, a compreensão e interpretação de cada aspecto colocado como premissa exige por parte do arquiteto a tomada de sucessivas decisões. Cada uma dessas decisões é um ato racional, operado a partir do conhecimento específico do problema, relativizado pela experiência vivida do arquiteto e pelo momento em que se realiza o projeto. Como esclarece Brandão acerca da leitura ou fruição de uma obra acabada, “[t]oda compreensão é histórica e emerge da situação existencial e da experiência vivida por aquele que se propõe à tarefa de compreender ou interpretar alguma coisa” (2). Assim, a aparente restrição que a delimitação clara de um campo de ação sobre o qual o arquiteto opera durante o processo de projeto não se constitui em eliminação da subjetividade, mas, pelo contrário, exige um direcionamento desta subjetividade como algo operativo sobre os problemas efetivamente colocados pelo mundo ao arquiteto. Enquanto a busca pelo conceito por parte do fruidor ou usuário parte da interpretação do objeto em si, no ato do projeto o objeto é o que se busca realizar, e portanto não se dá ao conhecimento do autor para que dele se extraiam, se compreendam ou se estabeleçam conceitos. Sendo assim, é necessário recuar nesta busca por algo concreto que, antes da realização do edifício, já esteja disponível ao conhecimento do arquiteto e que permita sua interpretação. No caso do projeto, o que se coloca como concreto à compreensão do arquiteto são, na grande maioria dos casos, as demandas e determinações relativas ao lugar, ao programa e à construção.

Lugar

E delinearia meu projeto, tendo em conta a intenção dos humanos que iriam me pagar; atento à localização, às luzes, às sombras e aos ventos; feita a escolha do terreno, de acordo com suas dimensões, sua exposição, seus acessos, terras contíguas, e a natureza profunda do subsolo... (3)

A geografia, a topografia e a geometria do terreno, sua conformação geológica, a paisagem física e cultural, a estrutura urbana, o sol, os ventos e as chuvas e ainda a legislação de uso e ocupação do solo são dados pré-existentes que podem ser extraídos de uma análise cuidadosa do lugar. Cada um desses aspectos se coloca de antemão ao conhecimento do arquiteto: tudo já está ali, demandando apenas um esforço rigoroso de observação. Buscar compreender as implicações de cada um destes aspectos nas relações de uso e no processo de construção é fundamental tanto sob o ponto de vista técnico como conceitual.

Sob o ponto de vista pragmático e técnico, a compreensão do lugar em todos os aspectos citados traz o conhecimento necessário para se evitarem equívocos banais que podem comprometer a habitabilidade dos espaços, gerando incompatibilidades em relação ao clima e à natureza, que interferem na vida cotidiana e exigem remendos posteriores, nem sempre pertinentes. Essas correções a posteriori, na maioria dos casos, interferem nas soluções formal e construtiva pretendidas para o edifício e chegam a comprometer a arquitetura nas suas relações de uso. Esses mesmos equívocos decorrentes da desconsideração do lugar podem implicar ainda em graves incompatibilidades técnicas na relação entre a construção e o sítio, agindo negativamente sobre o equilíbrio das forças naturais e acarretando ao edifício desgaste mais acelerado pela ação do tempo em virtude da inadequação da sua inserção, seja no que diz respeito à relação com o terreno natural ou com os aspectos do clima ou mesmo com uma estrutura urbana pré-existente. Podem acarretar ainda aumentos consideráveis no custo de final de construção e manutenção do edifício, comprometendo sua viabilidade e por vezes inviabilizando sua construção.

Sob o ponto de vista conceitual, a compreensão e a interpretação do lugar podem contribuir para gerar o espaço arquitetônico, na medida em que tem o potencial de induzir modos diferenciados de ordenação da construção e das relações de uso que ali acontecem. A conformação pré-existente do terreno natural, sua planimetria e altimetria, e ainda a sua relação com a estrutura urbana, com a paisagem e com os aspectos naturais inerentes ao sítio, relativos ao clima, permitem a identificação de diretrizes latentes de ordenação do espaço e da forma. Tais diretrizes, uma vez interpretadas pelo arquiteto, podem se repercutir diretamente na configuração final do objeto arquitetônico, seja de modo a reafirmar os aspectos espaciais e formais pré-existentes no lugar, seja de modo a negá-los, ou ainda de modo a incluí-los como referência parcial à realização da construção, em uma dialética permanente entre as determinações do lugar, do programa e da construção.

Programa

Acreditava que um navio, de algum modo, deveria ser criado pelo conhecimento do mar, como que moldado pela própria onda!... Mas, na verdade, esse conhecimento consiste em substituir o mar, em nossos raciocínios, pelas ações que ele exerce sobre um corpo, - como se se tratasse, para nós, de descobrir as outras ações que a essas se opõem, defrontando-nos tão somente com um equilíbrio de poderes, uns e outros extraídos da natureza, onde não se combatiam utilmente (4).

Os usos e atividades que geralmente dão origem à demanda por um edifício são em geral colocados no início do processo de projeto. Também são colocadas as restrições relativas à economia, um aspecto geralmente desconsiderado ou subestimado pelos arquitetos (5).

Desconsiderar as definições relativas às limitações econômicas ou entendê-las como uma restrição à criação é recorrer à exclusão do problema para buscar uma solução mais simples e fácil (6). A consideração das questões de economia, quando se opera com recursos limitados, característica recorrente no contexto brasileiro, é antes de tudo uma premissa que pressupõe a viabilidade da construção. Sendo assim, ignorar as restrições e limitações de ordem econômica representa em um contexto de escassez um ato de irresponsabilidade em relação ao usuário, no caso de uma relação particular entre arquiteto e cliente, ou em relação à sociedade, no caso em que o cliente se trate de uma instituição pública. Representa ainda um descompromisso do arquiteto com a realização concreta de sua obra. A necessidade da atenção à economia remete à questão do decoro, apontada por Vitruvio: “o decoro é o aspecto correto da obra, que resulta da perfeita adequação do edifício, no qual não haja nada que não esteja fundado em alguma razão” (7). Mesmo em situações em que a escassez não é condição para a realização da arquitetura, o dispêndio excessivo e supérfluo implica em última instância na inserção direta do trabalho do arquiteto no mundo do consumo desenfreado, a promover a não preservação dos recursos naturais disponíveis para o homem no planeta. Como aponta Moneo,

A construção de um edifício requer um empenho enorme e um grande investimento. Arquitetura em princípio, quase por princípio econômico, deve ser durável. Os materiais devem assegurar vida longa aos edifícios. Antes um edifício era construído para durar para sempre ou, pelo menos, certamente não esperávamos que desaparecesse (8).

Ao se estabelecer um programa, surge a necessidade da determinação de dimensões dos espaços a fim de acomodar as diversas atividades propostas para o edifício. Esse dimensionamento se constitui em parte fundamental da interpretação do programa. Como aponta Le Corbusier, a noção da dimensão deve ser algo que ultrapassa a abstração da reprodução de padrões métricos universalmente aceitos, considerando as dimensões e a escala do homem como referência para a determinação dos espaços:

O metro é apenas uma cifra sem corporeidade [...] As cifras do Modulor são ‘medidas’, e, por conseguinte, feitos em si que têm corporeidade; [...] os objetos que se deve construir [...] são, de qualquer modo, ‘continentes do homem’ ou prolongamentos do homem. Para escolher as melhores medidas vale mais ‘vê-las e apreciá-las com a separação das mãos’ do que pensá-las somente (isso para as medidas muito próximas da estatura humana). [...] A arquitetura (e com essa palavra englobo a quase totalidade dos objetos construídos) deve ser tão carnal e substancial como espiritual e especulativa (9).

Para além das questões relativas às proporções da forma, o domínio efetivo das dimensões permite a atuação ativa do arquiteto sobre a construção a fim de definir espaços qualitativamente distintos. A definição da ambiência de um espaço de permanência ou de um percurso e a demarcação de seu caráter público ou privado são diretamente determinados pelas suas dimensões. Portanto o dimensionamento é fundamental, em primeira instância, para um domínio das demandas de espaço a que correspondem as diversas atividades e, em segunda instância, para a definição de hierarquias e demarcação de diferenciações claras entre os espaços de naturezas distintas.

Em relação aos usos e atividades demandados em um programa, para além de um atendimento imediato às questões utilitárias entendidas em um sentido funcionalista, é possível buscar como parte desta estratégia conceitual a investigação dos diversos modos de vida dos usuários, conhecidos ou imaginados, a fim de buscar nesses modos de vida as especificidades que sugiram o espaço mais apropriável e mais adequado para que estes hábitos tomem lugar. Como aponta Brandão,

Os conceitos, como aqueles que elaboramos durante a produção de um projeto, não surgem do nada, mas da reflexão sobre a nossa própria experiência dos espaços e daquilo que nos fornece a tradição que lhes concerne. Assim, (...) cumpre elaborar a reflexão sobre nossa experiência desses espaços, sobre a imagem, os significados e sentidos que a tradição nos transmite e que se depositou como repertório da cultura (10).

Essa compreensão da tradição pode aqui ser tomada como uma interpretação do repertório acumulado da cultura a fim de transformá-lo em proposições adequadas para o presente, ao invés de reproduzir padrões de espaço culturalmente desenvolvidos ao longo da história para esta ou aquela finalidade. Nesse sentido, parece mais fértil, como sugere Valéry, construir o navio a partir da compreensão das forças que o mar lhe impõe, ou seja, pensar o espaço fisicamente construído a partir das forças e tensões que as diferenciações entre os domínios do individual e do coletivo nele determinam. A partir deste entendimento, parece possível interpretar e interferir nestes diferentes modos de vida, a partir da reelaboração dos padrões recorrentes na tradição, promovendo articulações variadas entre as atividades e os domínios territoriais, a fim de estabelecer no espaço físico continuidades e descontinuidades, integrações, separações e fragmentações, ora controladas pelas necessárias transições, ora justapostas em demarcações e rupturas violentas entre os domínios do público e do privado.

A demarcação de territórios com caracterizações distintas em suas relações de privacidade evoca a premissa de que a arquitetura se funda na necessidade de mediação das relações humanas (11). A partir desse entendimento, é possível superar uma visão funcionalista, que definiria o espaço como atendimento objetivo a atividades específicas, passando ao entendimento da questão dos usos e da ocupação humana do espaço edificado a partir da compreensão das diversas possibilidades de vivência do edifício no cotidiano. Habitamos simplesmente o espaço, mesmo quando nele momentaneamente não desenvolvemos qualquer atividade, ou seja, o habitar não passa pela noção da função ou da utilidade imediata.

A arquitetura pode surgir do conhecimento e da interpretação dos condicionantes impostos pela vida cotidiana. Quando entendida assim, resulta mais circunstancial e menos ideal. Nesse sentido, cada projeto é um ato único, que deve incorporar as contradições específicas surgidas do embate entre seus condicionantes. A forma é portanto algo que resulta deste embate, e é mais relevante quando evita os gestos retóricos que procuram, por um lado, a determinação de uma linguagem a priori e, por outro lado, a caracterização de um discurso sobre algum dos aspectos envolvidos na sua realização.

A arquitetura pode prescindir do discurso, desvestir as pretensões excessivas que extrapolam seus fundamentos primeiros e cuidar daquilo que lhe é mais caro, e tem sido mais abandonado, que é a importância do conhecimento da construção como o único meio de viabilização do espaço físico destinado à habitação pelo homem.

Construção

Eupalinos era senhor de seu preceito. Nada negligenciava. Prescrevia o corte das tábuas no veio da madeira, a fim de que, interpostas entre a alvenaria e as vigas que nelas se apoiassem, impedissem a umidade de penetrar nas fibras, embebendo-as e apodrecendo-as. Prestava a mesma atenção a todos os pontos sensíveis do edifício. Dir-se-ia tratar-se de seu próprio corpo. Durante o trabalho da construção, raramente afastava-se do canteiro. Conhecia todas as suas pedras: cuidava da precisão de seu talhe, estudava minuciosamente todos os meios de evitar que as arestas se ferissem ou que a pureza dos encaixes se alterasse. Ordenava a prática da cinzeladura, a reserva dos calços, a execução de biséis no mármore dos adornos, dispensava o mais fino cuidado ao reboco que aplicava nos muros de simples pedra (12).

A definição das fundações, da estrutura, das proteções contra as intempéries, das instalações complementares, dos processos construtivos e dos detalhes, bem como a eleição dos materiais, são escolhas do arquiteto que visam a viabilizar a realização do espaço imaginado e resultam na forma arquitetônica. Assim como nos aspectos relativos ao lugar e ao programa, é possível identificar diretrizes latentes de ordenação do espaço e da forma em cada aspecto relacionado à construção. Pensar cada um desses aspectos para além de suas determinações técnico-funcionais, da viabilização do abrigo, implica em pensar o elemento da construção como gerador de espaço, e não o contrário. Respeitar as especificidades de cada solução técnica, compreender o comportamento dos elementos em relação às forças da natureza, em especial a gravidade, implica em explorar conceitualmente as possibilidades da construção. Nesse sentido, cabe concordar com Joaquim Guedes, que aponta que “[h]á que aprender a imaginar o objeto e ao mesmo tempo inventar sua construção” (13).

O conhecimento da construção é a única possibilidade de se viabilizar concretamente a idéia do objeto arquitetônico. Sua desconsideração é a garantia da falência da arquitetura – e do arquiteto -, na medida em que deixa para outro a responsabilidade fundamental das definições que em última instância implicam na geração da forma visível e tangível do edifício, e na definição da ambiência e da conformação do espaço interior destinado à vida humana. Desconhecer os procedimentos para a construção do objeto é operar apenas sobre a imagem pretendida para o edifício e seu espaço interior, é o simulacro da decoração e do ornamento supérfluo. Se há algum caminho possível para a arquitetura nesse momento, acredito ser sua realização através da manipulação ativa de sua lógica de construção, operando a partir de seus fundamentos para atingir uma resposta concreta, fisicamente edificada, que faça repercutir no objeto arquitetônico, de modo complexo, o conhecimento, a interpretação e a transformação de todas as restrições e determinações do lugar, do programa e das próprias possibilidades de construção.

O desenho como mediador

Sou avaro em divagações. Concebo como se executasse (14).

A representação gráfica é, e parece que por muito tempo continuará sendo, o modo de mediação entre a idéia e a sua realização concreta, a construção. Portanto, o desenho é o ponto crítico no processo, pois não é apenas a representação final de uma idéia pensada de antemão, mas é a própria construção da idéia. Enquanto desenha, o arquiteto testa hipóteses de resolução das diversas contradições que surgem do embate entre as demandas impostas pelo sítio, pelo programa e pela construção. Como confirma Brandão,

a expressão gráfica (...) não é apenas representação de uma idéia mas um momento de compreensão e construção dessa idéia. (...)Dizer que essa relação é dialógica significa dizer que ela se desenvolve a partir do jogo de perguntas e respostas que são colocadas entre os dois momentos. Esse jogo se desenvolverá também para estabelecer a relação entre o projeto e a obra e, depois, entre a obra e o habitante. Cumpre reafirmar, desde já, que a própria definição do conceito é mediatizada pelas perguntas colocadas pela construção, pela contextualização e pela fruição da obra (15).

Como mediador que visa a concepção e a realização do edifício, o desenho deve explicitar com clareza os procedimentos para a construção do objeto. Se tratado de modo abstrato e desvinculado da lógica e das implicações da construção, o desenho perde sua relação direta com o objeto arquitetônico, e deixa de ser o meio para sua realização. Arrisca-se assim a não realização do edifício como previsto, por mera impossibilidade ou divergência entre a técnica possível e o espaço e volume imaginados. A deficiência da representação decorre do desconhecimento da construção. Portanto, a representação, para ser suficiente e para viabilizar a construção de um edifício qualquer, deve se fundamentar no conhecimento de todas as premissas que interferem nesta realização do objeto. Rafael Moneo confirma essa hipótese:

Muitos arquitetos atualmente inventam processos e ensinam técnicas de desenho sem a preocupação com a realidade da construção. A tirania dos desenhos é evidente em muitos edifícios em que o construtor procura seguir literalmente o desenho. A realidade pertence ao desenho, não ao edifício. [...] Os edifícios se referem tão diretamente às definições do arquiteto e estão tão desconectados com a operação da construção que a única referência é o desenho. Mas um verdadeiro desenho de arquitetura deve implicar sobretudo o Conhecimento da construção (16).

A necessidade do conhecimento acumulado associado à observação acurada dos aspectos específicos que dizem respeito a cada projeto sugere uma possibilidade de abordagem metodológica do projeto arquitetônico. O ato de projetar pode ser entendido como um trabalho reflexivo, um esforço de equilíbrio entre o construir, o habitar e o pensar colocados como premissa para este debate. É um ato de pensar a construção, o hábito e o lugar, de modo a transformar a situação pré-existente em algo novo, que configure um suporte habitável, no sentido pragmático da configuração do abrigo e da proteção que o conhecimento da técnica viabiliza, e no sentido específico da mediação das relações humanas, que somente se realiza a partir do conhecimento da vida cotidiana e da atuação intencional do arquiteto sobre as articulações físicas do espaço e da construção. A linguagem e a forma surgem como decorrência imediata, mas não óbvia, deste trabalho reflexivo sobre os dados pré-existentes do problema.

Fiar-se em relatos legitimadores externos, ainda que eleitos caso a caso, é cometer o mesmo erro dos herdeiros desavisados de arquiteturas do passado, que entenderam a arquitetura de sua época como um padrão baseado em um repertório formal a ser reproduzido, reduzindo a importância da consideração efetiva dos condicionantes reais que surgem da vida cotidiana.

notas

1
Este artigo foi elaborado originalmente para publicação e apresentação em mesa redonda do Seminário Arquitetura e Conceito, promovido pelo Núcleo de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Escola de Arquitetura da UFMG, em julho de 2003, sob o Tema: “Construir, Habitar, Pensar, hoje. O que é Projetar?”, sob a coordenação do prof. Dr. José dos Santos Cabral Filho.

2
BRANDÃO, Carlos Antônio Leite. “Linguagem e arquitetura: o problema do conceito”. Revista de Teoria e História da Arquitetura e do Urbanismo. vol.1, n.1, novembro de 2000. Belo Horizonte: Grupo de Pesquisa "Hermenêutica e Arquitetura" da Escola de Arquitetura da UFMG. Disponível: <http://www.arq.ufmg.br/ia>. Acesso em 25 jun. 2003.

3
VALÉRY, Paul. Eupalinos ou O Arquiteto. Tradução Olga Reggiani. São Paulo: Editora 34, 1996, p. 175.

4
Idem, ibidem, p. 155.

5
Vitruvio aponta a economia como um importante definidor da arquitetura, sendo um pressuposto à utilidade. Daí resulta a abordagem, neste trabalho, da economia em conjunto com as questões referentes ao uso, configurando as demandas relativas ao programa. Sobre isso, cf. VITRUVIO, Marco Lucio. Los diez libros de arquitectura. Tradução direta do latim, prólogo e notas por Agustín Blanquéz. Barcelona: Editorial Iberia, 1955, p.16.

6
Robert Venturi aponta a simplificação decorrente da exclusão de problemas como uma estratégia para assegurar uma pré-determinação da forma. Contrapõe a essa tendência a necessidade da busca por uma complexidade que inclua efetivamente na resolução da forma as diversas demandas que comparecem no processo de projeto. Cf. VENTURI, Robert. Complexidade e Contradição em Arquitetura. Tradução Álvaro Cabral. São Paulo: Martins Fontes, 1995.

7
VITRUVIO. Op. cit., p.14.

8
”The construction of a building entails an enormous amount of effort and a major investment. Architecture in principle, almost by economic principle, should be durable. Materials should provide for the buildings's long life. A building formerly was built to last forever or, at least, we certainly did not expect it to disappear”. MONEO, Rafael. “The solitude of Buidings”. Kenzo Tange Lecture, Harvard University Graduate School of Design, março, 1985. (discurso). Disponível: <http://web.arch-mag.com/3/recy/recy1t.html>. Acesso em 05 jun 2003, s/p.

9
LE CORBUSIER. El modulor: Ensayo sobre uma medida armonica a la escala humana aplicable universalmente a la arquitectura y a la mecánica. Buenos Aires: Editorial Poseidon, 1961, p. 56-57.

10
BRANDÃO, Carlos Antônio Leite. Op. cit., s/p.

11
Para aprofundar o entendimento da arquitetura como mediação dos códigos de ética da sociedade, cf. CABRAL FILHO, José dos Santos. Formal games and interactive design. Sheffield: School of Architectural Studies, 1996. (Tese), seção 1.3.1. Disponível: <http://www.arquitetura.ufmg.br/lagear/cabral/phd/index.html>. Acesso em 15 mar. 2000.

12
VALÉRY, Paul. Op. cit., p. 39.

13
GUEDES, Joaquim. “Geometria Habitada”. In: VALÉRY, Paul. Eupalinos ou O Arquiteto. Tradução Olga Reggiani. São Paulo: Editora 34, 1996 (Prefácio), p.12.

14
VALÉRY, Paul. Op. cit., p. 51.

15
BRANDÃO, Carlos Antônio Leite. Op. cit., s/p.

16
Many architects today invent processes or master drawing techniques without concern for the reality of building. The tyranny of drawings is evident in many buildings when the builder tries to follow the drawing literally. The reality belongs to the drawing, not to the building. [...] The buildings refer so directly to the architect's definition and are so unconnected with the operation of building that the only reference is the drawing. But a truly architectural drawing should imply above all the Knowledge of construction. MONEO, Rafael. Op. cit., s/p.

sobre o autor

Carlos Alberto Maciel é arquiteto e urbanista, mestre em Teoria e Prática de Projeto pela EA-UFMG, professor no Unicentro Izabela Hendrix e na Universidade de Itaúna, possui projetos premiados em diversos concursos nacionais, como o Centro de Arte Corpo, o 4o Prêmio Jovens Arquitetos e a 4a Bienal Internacional de Arquitetura de São Paulo.

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