Janela, porta, parede, teto, muro.
O entendimento dos espaços de nosso dia a dia passa pela idéia e do conhecimento de seus limites.
As muralhas romanas, o muro de Berlin, as cercas agrícolas, as grandes vitrines envidraçadas, o arame farpado dos latifúndios, as grades de uma cadeia, são algumas das diversas barreiras que separam historicamente o homem de sua própria natureza a partir de códigos naturais, geográficos, humanos, sociais.
A cidade nasce com a necessidade humana de se proteger do meio selvagem e se afirma como território de inúmeras fronteiras.
O crescimento caótico das metrópoles, a partir da somatória de ações individuais, gera as leis do acaso configuradoras de grande parte das urbes atuais, são ações que configuram a imagem destes aglomerados.
Esta figura de espanto oculta inúmeras fronteiras, sutis ou não, que determinam as ações dos cidadãos gerando suas leis de sobrevivência na tirana ordem de um verdadeiro apartheid social.
Estas barreiras, configuram guetos sociais, e funcionam como bolhas de cultura, poder, saber, riqueza e miséria, construindo uma pirâmide de posições onde a ascensão social é possível, embora sempre enquadrando o indivíduo em sua origem étnica, classista, ou econômica.
O transcurso de um simples dia de qualquer cidadão é um trespassar de fronteiras.
A noite e o dia, o sono e a vigília, a saúde e a doença, o trabalho e o descanso; determinam uma rítmica vital coordenada por fluxos naturais nem sempre harmônicos.
A estas ordens orgânicas se somam aos rituais da movimentação: o interno e o externo, o transportar e o parar, o deslocar-se, o chegar, a oposição entre o tempo móvel e o tempo estático.
A busca humana da felicidade está justamente no saber e poder equilibrar esta aparente contradição de lidar com limites e tentar desfazer neles algumas dúvidas, crescer para sobreviver.
A própria busca do conhecimento representa uma ruptura das próprias fronteiras.
Encarar os nossos preconceitos conscientizar-se das próprias questões, buscar no próximo o diálogo das duvidas, da dor ou prazer, são ações que podem definir nossa existência como um constante romper de limites.
Como entender os limites da cidade?
Serão necessárias e verdadeiras as atuais fronteiras entre o habitacional e o comercial, o recreacional e o industrial, o centro e a periferia, o rico e o pobre, o burguês e o revolucionário, o globalizado e o nacionalista?
São pólos em conflitos dinâmicos, ora se fundindo, ora acirrando contradições.
Seria a cidade ideal e possível aquela onde não houvesse limites?
Como uma célula que se reproduz infinitamente, definindo sempre novos contornos, a cidade pulsa em continuado crescimento.
Interessante entendê-la como uma evolução fractal, onde as partes reproduzem sempre as características do todo, ecoando uma ordem vital definidora de seu próprio caráter.
Será possível entender esta urbe como uma entidade holística apesar de toda a luta que se trava em seu interior?
Passado o período heróico da Carta de Atenas, que entendia a cidade em quatro funções básicas: habitação, circulação, trabalho e lazer, têm-se hoje leituras diversas do fenômeno urbano que consideram posturas do historicismo ao caos, do pragmatismo à anarquia.
Arquitetos e urbanistas são elementos chaves no entendimento destas questões, mas não podem pretender-se os únicos entendedores destes enigmas. Unem-se a eles outros agentes numa rede que se exige hoje mais coesa e integrada do que nos primeiros momentos modernistas.
Distante está a ilusão daqueles tempos onde se acreditava o urbanismo e a arquitetura capazes de transformar o mundo. Talvez tenham sido capazes de transformar a si mesmos, e quiçá inaugurar uma nova ordem onde se desfazem as distancias entre as diversas áreas do conhecimento.
Cada profissional ciente de seu papel social busca entender outros ofícios, talvez até exerça alguns deles por necessidade, experiência ou prazer.
A noção dos limites seria posta em dúvida. A cidade funcionaria como um corpo vivo onde as diferentes partes exercem muito mais funções de complementaridade que de oposição.
A celebrada ordem racional daria lugar a um sistema intuitivamente orgânico.
A utopia pode ter um efeito propulsor. A descontinuidade do pensamento originalmente demolidora dos limites da razão pode exercer boa influência nas decisões.
Estas idéias se acoplam a outras que buscam essa nova ordem numa estratégia de reconhecimento, quebra e busca de novos paradigmas.
São motivos para que os pessimistas prossigam e antevejam melhoras, para que os otimistas reflitam e questionem suas certezas.
Janela, porta, parede, teto, muro, se existem limites devemos descobrir como os transpor.
sobre o autor
João Diniz, arquiteto formado pela EAUFMG em 1980, desde então mantém escritório próprio em Belo Horizonte. Leciona na Faculdade de Arquitetura da FEA-FUMEC em Belo Horizonte. Foi um dos 15 arquitetos brasileiros convidados pela V Bienal Internacional de Arquitetura e Design de São Paulo em 2003 para expor sua obra em Sala Especial.