A origem de um bairro
Vista Alegre foi, durante o período republicano, o bairro aristocrático por excelência da cidade de Santiago de Cuba, e a primeira urbanização da zona oriental cujo projeto foi concebido antes de ser construído a partir de idéias renovadoras de uma incipiente modernidade, e materializado com uma visão que prognosticava o desenvolvimento futuro.
Sua gênese, em 1907, e sua localização nos arredores da cidade de então, constituíram a mostra palpável do momento em que a alta burguesia santiagueira abandonava o centro fundacional compacto, estreito e contaminado socialmente, portanto incompatível com as novas exigências que a modernidade lhe impunha, para se estabelecer em um novo bairro exclusivo, amplo, tranqüilo e climaticamente privilegiado. “A nova localização se comportou então como um tipo de oásis, em contraste com a compactação existente no centro tradicional” (1) (figura 1).
Vista Alegre partiu de uma estrutura regular em forma de quadrícula, que deixava às claras as influências do modelo urbano colonial, mesmo que, do ponto de vista da forma e do lugar do crescimento, tenha significado uma ruptura com este. A nova alternativa, que ignorava o tradicional prolongamento da cidade, consolidada pela busca de um local com qualidades ambientais idôneas e um sentido diferente de concepção da quadrícula à maneira de Ensanche, refletiu a originalidade e a peculiaridade da implantação.
A nova urbanização cresceu limitada ao norte e ao sul por duas vias importantes; a primeira garantia a conexão com o povoado de Caney e a segunda até a zona de San Juan, aonde se encontravam os poços de água que abasteceriam o novo núcleo. Na orientação o oeste, através de uma calçada de aproximadamente dois quilômetros, se vincularia à cidade fundacional. O esquema urbano foi orientado de NE-SO e de NO-SE, aproveitando o favorável regime de brisas da zona escolhida. As quadras, predominantemente quadradas, oscilavam entre 90x90 e 100x100 metros e foram subdivididas em parcelas de 18 a 15 metros de frente por 45 de fundo. O bairro, com o passar do tempo, chegou a completar um total de 63 quadras, que ocuparam uma superfície de 64,5 hectares, aproximadamente.
Os edifícios em Vista Alegre constituem uma mostra completa do desenvolvimento estilístico ocorrido nas artes arquitetônicas durante o período da República Mediatizada, a ponto de ter o bairro se convertido na vital e fidedigna expressão de quase um século de arquitetura na cidade. A aparição e utilização extensa de materiais modernos, de procedimentos construtivos atualizados, a atuação de numerosas empresas construtoras cubanas e norte-americanas (e inclusive de capitais combinados), e o egresso de profissionais do ramo oriundos de escolas européias, norte-americanas e de Havana, com idéias relativamente novas e atualizadas, permitiram um desenvolvimento urbanístico acentuado durante os três primeiros decênios, e consolidado, na década do cinqüenta.
Da miscelânea de estilos arquitetônicos sobrepostos e coexistindo na quadrícula ”vistalegrina” no transcorrer das diferentes décadas, duas tendências marcariam definitivamente a imagem global do bairro – o Ecletismo e o Movimento Moderno, que se consolidou nos anos cinqüenta. Este último gerou as transformações espaciais, formais, técnico-construtivas e funcionais mais relevantes das edificações construídas na segunda metade do século XX, agrupando um total de 165 imóveis (figura 2).
O Movimento Moderno em Vista Alegre
O segundo pós-guerra introduziu no país de modo extensivo novas maneiras de fazer a arquitetura. Foi durante estes anos que os códigos do Movimento Moderno começaram a se manifestar no bairro, que já havia vivenciado uma primeira modernidade que havia irrompido no meio arquitetônico, trazendo à luz um incipiente Art Decó e um Proto-racionalismo ainda ancorado no academicismo.
Na década do cinquenta aumentaram os investimentos no novo bairro, incentivado pela iniciativa privada com a construção de edifícios de apartamentos de até três pavimentos, e o predomínio da habitação unifamiliar. O bairro “se colocava assim, uma vez mais, na corrida em busca da modernidade avançada que, como continuação do mesmo sentir coletivo de princípios de século, se havia apoderado da sociedade cubana“ (2).
Nestes anos Vista Alegre mostra uma tendência à ampliação, manifestando-se na aparição de diferentes projetos de urbanização que significavam uma mudança na concepção original. Estas novas idéias se expressavam em complexas estruturas viárias, sinuosidades e rupturas com o esquema planimétrico, de acordo com as influências do desenho urbano norte-americano, muito na moda durante aquele período. Destaca-se o executado pelo arquiteto Francisco Ravelo em 1949, que inclui novas áreas residenciais até o perímetro leste do bairro.
Esta ampliação implantou, em uma de suas quadras, “o condomínio”, como uma nova tipologia residencial que conformou um ambiente urbano atrativo e um exemplo singular na cidade. Este conjunto está composto por várias edificações isoladas dentro de uma mesma parcela, pertencendo a uma única família, e que inclui espaços comuns como piscina e quadras de jogos. Foi projetado pelo arquiteto Alberto Ramírez León, para a família López-Lageyre e López-Vázquez e se encontra situado em um local proeminente, limitando visualmente a avenida principal do bairro e oferecendo uma imagem hierarquizada das edificações que o conformam (figuras 3 e 4).
No novo bairro, apesar de seu caráter absolutamente residencial, se hierarquiza a presença do único edifício público, o “Vista Alegre Tênis Clube”, atual Círculo Recreativo Orestes Acosta, projeto do arquiteto Celestino Sarille, de 1959, que assumiu uma expressão formal em correspondência com os postulados do Movimento Moderno. Implantado em uma das quadras centrais da avenida principal, constitui um exemplo significativo da arquitetura moderna, importância ampliada por sua forte incidência urbana e elevado nível de desenho (figura 5).
Em termos de arquitetura, o Movimento Moderno constitui um momento de esplendor no processo de urbanização de Vista Alegre, pela qualidade das obras, variedade formal e aumento quantitativo dos imóveis. As edificações mantiveram uma clara horizontalidade compositiva devido à sua pouca altura e se implantavam de forma isolada, aonde se observa a presença de jardins que rodeavam e limitavam as amplas parcelas (figura 6).
As racionalidades formal e construtiva denotam a vontade de modernidade da época, sendo o tema habitacional a melhor expressão dos avanços técnicos construtivos e significação estético-formal que demandava o setor da alta burguesia. Construídas com estrutura de esqueleto, muros de tijolos, vigas invertidas e embebidas, cobertura de concreto armado inclinada, plana ou quebrada, as casas se distinguem pelos excelentes detalhes de acabamento e a variedade e força expressiva dos materiais empregados. Argumentos que eram considerados já na concepção do projeto, como demonstram os memoriais descritivos das obras (figura 7).
A arquitetura doméstica se caracterizou também pelas formas simples, a intersecção de volumes e planos, as lajes em balanço, os grandes panos de vidro, jogos de desníveis, os baixos pontaletes e grandes beirais. A adaptação à topografia, a filtragem da luz com o uso de gelosias e elementos inovadores como os brise-soleis, a vigência do corredor e do balcão, assim como a aparição dos terraços, oferecem novas expressões que rememoram a arquitetura tradicional santiagueira (figura 8).
Por outro lado, a configuração espacial manifesta variações em sua concepção e distribuição, em correspondência com o poder aquisitivo dos proprietários. São aplicadas novas soluções funcionais e as diferentes atividades são zoneadas e organizadas em amplos espaços dotados de um grande conforto. Com freqüência estes se comunicam ou se isolam através de galerias e desníveis, e mantém comunicação com as áreas exteriores mediante o uso de espaçosos terraços e fechamentos flexíveis, tornando-os mais funcionais e práticos (figura 9).
Da mesma forma, a inclusão do automóvel como parte da vida cotidiana, tornou necessária a proliferação das garagens e estacionamentos, os quais se expressam nas fachadas principais e geram na maioria dos imóveis um acesso diferenciado.
Nas edificações se reconhece a dedicação do arquiteto em conferir a cada obra sua própria personalidade, fazendo uso de “variedade de influências, motivações e aspirações que coexistem na década de cinquenta” (3). Muitos são os profissionais que incursionam na arquitetura moderna que se desenvolve no bairro Vista Alegre. Alguns recém formados na Escola de Arquitetura de Havana e outros com sólida formação que foram capazes de assimilar os novos princípios. Arquitetos como Ulises Cruz Bustillo, Sebastián e Javier Ravelo, Idelfonso Moncada, Jesús Vázquez, Antonio Bruna, Adriano Rogés, construíram obras representativas para o repertório habitacional. Ressalta dentro do grupo o experimentado e reconhecido arquiteto Rodulfo Ibarra, que se destaca pela quantidade de obras construídas.
Menção especial merece o trabalho criativo dos arquitetos Félix Muñoz Cusiné, Margarita Egaña, Norma do Mazo, Celestino Sarille, Ricardo Eguilior e Ermina Oduardo, cujas extraordinárias soluções funcionais, formais e estruturais expressam as potencialidades da tecnologia, os efeitos plásticos e a integração dos valores universais do Movimento Moderno com elementos locais (figura 10).
O desenvolvimento urbano e arquitetônico de Vista Alegre nos últimos anos do período republicano expressou não apenas a configuração definitiva do bairro, mas também a imagem consolidada dos postulados modernos. O olhar voltado para esta arquitetura revela lições de criatividade e a transcendência histórica de um patrimônio de indubitável significação, o qual, ainda hoje, mostra falta de reconhecimento e de proteção. A conservação da arquitetura moderna constitui “uma responsabilidade iniludível do presente com o passado e com o futuro” (4). Reconhecer seu valor representa um desafio em pró da memória histórica da cidade de Santiago de Cuba.
notas
1
FLEITAS MONNAR, María Teresa. El proceso de urbanización de Santiago de Cuba en el período (1868 - 1930), Tese de doutorado, Departamento de Historia da Arte, Universidade de Oriente, 2001, p. 95.
2
RODRÍGUEZ, Eduardo Luís. “La Habana republicana: seis décadas de desarrollo urbano en la capital de Cuba”, revista Temas, n. 24-25, jan./jun. 2001, p. 128.
3
RODRÍGUEZ, Eduardo Luis. La Habana, arquitectura del siglo XX. Barcelona, Editorial Blume, 1998, p. 245.
4
CÁRDENAS, Eliana. “Guanabacoa: ¿Añorar el pasado?”, revista Arquitectura y Urbanismo, n. 4, Vol. XXII, La Habana, 2001, p. 29.
bibliografía complementar
FONG LÓPEZ, Carmen; GRISEL, Ricardo Brito: “Estudio preliminar de la arquitectura racionalista en Santiago de Cuba”, Trabajo de diploma para obtener el título de arquitecto, Tutoras: Arq. Milene Soto y Flora Morcate, Facultad de Construcciones, Universidad de Oriente, Santiago de Cuba, 1996.
HERNÁNDEZ, Ernel. “Diseños Constructivos de la arquitectura doméstica de los años cincuenta en el reparto Vista Alegre”, Trabajo de diploma para obtener el título de arquitecto, Tutora: Arq. Milene Soto, Facultad de Construcciones, Universidad de Oriente, Santiago de Cuba, 2003.
MORRIS, Robert; CRESCENTIANA D., Charles: “Las edificaciones en Vista Alegre”, Trabajo de Diploma para obtener el título de arquitecto, Tutora: Arq. María Teresa Muñoz Castillo, Facultad de Construcciones, Universidad de Oriente, Santiago de Cuba, 2004.
PÉREZ MALETÁ, Conrado: “Vista Alegre: Caracterización Histórica y Urbana del Reparto”, Trabajo de Diploma para obtener el título de arquitecto, Tutora : Arq. María Teresa Muñoz Castillo, Facultad de Construcciones, Universidad de Oriente, Santiago de Cuba, 2003.
sobre os autores
Milene Soto Suárez, arquiteta, Mestre em história, arquitetura e cidades, Professora Auxiliar do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da Faculdade de Construções da Universidade de Oriente, Santiago de Cuba
María Teresa Muñoz Castillo, arquiteta, Professora Assistente do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da Faculdade de Construções da Universidade de Oriente, Santiago de Cuba