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architexts ISSN 1809-6298

abstracts

português
O artigo apresenta uma análise das lógicas subjacentes à concepção e implementação do Museu Oscar Niemeyer, em Curitiba, de seus efeitos socioespaciais, simbólicos e nas práticas de gestão urbana

english
The approach describes the logics to the conception and implementation of the Museum Oscar Niemeyer in Curitiba, its effect social-spatial, symbolic and in urban management


how to quote

MOURA, Rosa. Efeitos simbólicos do museu Oscar Niemeyer na internacionalização de Curitiba. Arquitextos, São Paulo, ano 11, n. 125.08, Vitruvius, out. 2010 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/11.125/3567>.


Foto Rosa Moura

Análise de um ícone

Este artigo desvenda a essência do conteúdo simbólico de um novo objeto cultural, o Museu Oscar Niemeyer, no espaço urbano de Curitiba, em um recorte temporal da virada para o século XXI, quando o município reorienta sua inserção na divisão internacional do trabalho. Resgata tópicos dos resultados de pesquisa comparativa entre grandes projetos urbanos em cidades brasileiras (1).

A análise busca avaliar as lógicas determinantes e os efeitos socioespaciais desencadeados pela presença do Museu, tendo como pressuposto que formas espaciais são formas culturais, frutos das relações sociais, e que configuram uma paisagem cultural, qual seja, de um lado a resultante de uma cultura que a modelou, de outro, ela mesma uma “matriz cultural” – conforme ressalta Corrêa (2). Essa matriz permite à paisagem servir como mediadora na transmissão de valores, conhecimentos e símbolos.

Para considerar ambas as dimensões, discute-se no artigo a associação entre a tomada de decisão pela obra e a intenção de renovar atributos urbanos, com vistas a ampliar a competitividade da metrópole no mercado mundial de cidades – no caso de Curitiba, requalificando o “modelo” para garantir sua eficácia. Tenta, também, decodificar o significado simbólico, bem como os novos significados então apropriados pelos usos e pelos usuários, não só do equipamento, como de seu entorno imediato.

Entende-se ainda que o papel de um objeto cultural, como o em análise, pode se reduzir apenas a um produto para consumo. Segundo Harvey (3), na lógica cultural do pós-modernismo, o consumo deixa de restringir-se a bens e alcança os serviços, não só pessoais, mas de negócios, educativos, de saúde, e também de entretenimento, espetáculos, happenings e distrações. O Museu, enquanto objeto de consumo, pode cumprir um papel importante, porém passageiro, dada a acentuada volatilidade e o caráter necessariamente efêmero tanto do modismo quanto das próprias ideias e ideologias, valores e práticas estabelecidas. Harvey salienta que, sob tal condição, o sentido da frase de Marx, “tudo que é sólido se desmancha no ar”, nunca foi tão real quanto agora.

Uma conjunção de interesses

A ideia da criação do que hoje é o Museu Oscar Niemeyer é antiga, porém tomou corpo no ano 2000, quando a Fundação Guggenheim anunciou a decisão de implantar uma unidade no Brasil, deixando em aberto a escolha do local. O governo do Paraná, na pessoa do governador e arquiteto Jaime Lerner, com apoio pleno do município, iniciou campanha pela candidatura da cidade, e não só buscou a viabilidade física dessa implantação como se adiantou na construção simbólica da importância da arte, da cultura e da necessidade de um novo museu para a cidade e Estado.


Foto Rosa Moura


Valendo-se de estudos de mercado e viabilidade comercial, e entendendo museu como “empreendimento comercial”, a Fundação elegeu a cidade do Rio de Janeiro, não obstante tenham sido utilizadas diversas estratégias de convencimento pelas demais municipalidades – que incluíam ainda Recife e Salvador. Segundo Sánchez e Bienenstein (4), cada governo expôs seu rol de “vantagens competitivas”, numa extremada luta pelo que representava a “griffe-museu” em termos de capital simbólico, posto que a instalação desencadearia um processo de reestruturação urbana de parcelas degradadas das referidas cidades (5).

A inspiração em Bilbao fez com que fossem assumidos, quase que sem discussão, os potenciais benefícios da instalação de museus associada a projetos de transformação urbana, ou gentrificação de espaços, para o que se mobilizam setores público e privado, na busca de intervenções que promovam efeitos transformadores no perfil econômico da cidade, voltando-a, nesse caso, para o turismo cultural.

Mesmo frustrada a expectativa de sediar um Guggenheim, a ideia da criação de um museu foi colocada em prática. Curitiba apostou seriamente em uma obra que pudesse distingui-la no cenário cultural latino-americano.

O então governador Jaime Lerner convidou Oscar Niemeyer para intervir em um antigo projeto do próprio arquiteto, o Edifício Castello Branco, construído entre 1974 e 1976, com paisagismo, parcialmente executado, de Burle Marx, e localização privilegiada, próximo ao Palácio do Governo, tendo aos fundos o parque João Paulo II. O prédio foi concebido como Instituto de Educação do Paraná, porém sempre utilizado para o funcionamento de órgãos do governo do Estado.

O valor arquitetônico do edifício, com vãos livres e balanços, tendo a caixa superior suspensa sobre pilotis, fachadas completamente cegas e iluminação zenital, em si já justificavam sua apropriação enquanto espaço de arte e arquitetura. Sua refuncionalização significava dar uso adequado a uma edificação imprópria ao funcionamento em curso, reaproximando-o de sua função original.

A aceitação do convite por Niemeyer se fez mediante uma imposição: “a de construir um novo prédio, que se tornasse símbolo da instituição cultural” (6). Nasceu daí um anexo frontal que, pelas formas, foi imediatamente batizado de “Olho”, abrigando a sala principal de exposições do Museu e criando uma nova identidade ao espaço. Constitui-se em um imenso volume de concreto e vidro, cuja criação se vale dos traços sinuosos do arquiteto para propiciar leveza e simplicidade, suspenso do solo de modo a não esconder a construção original.

Começou, assim, a tomar corpo um novo ícone curitibano: o NovoMuseu Arte, Arquitetura e Cidade, construído em pouco mais de seis meses, inaugurado nos últimos dias da gestão Lerner, em novembro de 2002, e reinaugurado em julho de 2003, pelo então governador Roberto Requião, com o nome do arquiteto a quem prestou homenagem.

Demarcação de territórios de poder

A possibilidade da candidatura de Curitiba a uma das filiais da griffe Guggenheim foi incorporada enquanto uma prioridade do governo estadual do Paraná, num tácito pacto de apoio do município. Irmanar-se a Nova York ou repetir o impulso econômico-urbanístico verificado em Bilbao virtualizavam a possibilidade de requalificar o padrão de atratividade urbana, necessário ao projeto de internacionalização da metrópole.

A opção pelo investimento foi motivo de relativa polêmica e reducionismos. Para muitos, tratava-se de uma obra considerada “não-essencial” em um Estado (ou uma metrópole) onde afloram necessidades sociais básicas.

Para minimizar os comentários, o governador Jaime Lerner sempre fez uso de dados comparativos com obras similares de outras partes do mundo, procurando fazer crer que o investimento não onerava substancialmente os cofres públicos (7). Efetivamente, os recursos aplicados no Museu são irrisórios se comparados aos investimentos em políticas culturais na Europa e Japão; porém, expressivos quando colocados lado a lado a outros realizados pelo governo, como confirmam dados da execução orçamentária (8).

Durante os poucos meses de execução, foi sublinhada sua finalidade, não só como espaço de exposição de obras de arte, mas também como espaço de debate de temas e práticas de arquitetura, design e urbanismo – uma forma de dar centralidade à histórica atuação de Lerner nessa área, expondo, conjuntamente com o acervo artístico, os exemplos arquitetônico-urbanísticos de Curitiba. Tal intenção materializava a transmissão e consolidação de uma leitura particular da cidade.

Para que o Museu pudesse ser inaugurado ainda no governo Lerner, as obras eram ininterruptas e a inauguração, em novembro de 2002, deu-se ainda com etapas inconclusas. Mas garantiu a presença de Oscar Niemeyer e do então Presidente da República Fernando Henrique Cardoso.

Foi demarcado um território de poder. Não obstante, essa demonstração de força política foi imediatamente desconstruída pelo governador eleito, Roberto Requião, opositor histórico, que deu destino mais popular que o originalmente concebido para a obra, sem contudo relevar o propósito original do projeto.

Em fevereiro de 2003, foi assinado pelo novo governador decreto mudando o nome do Museu, que logo após foi fechado para conclusão e obras de infraestrutura, tendo sido reaberto julho do mesmo ano.

A busca da visibilidade para Curitiba voltava a se revelar nas palavras do próprio governador, transcendendo a mudança de governo, de grupos e de posicionamentos políticos: “Estamos abrindo uma janela para o mundo ao inaugurar um espaço cultural como este” (9).

A mudança de um governo com modos operandi neoliberal para outro apoiado em forte crítica a essa opção político-ideológica promoveu alterações na sistemática de gestão do Museu. Foi criada a Sociedade Amigos do Museu Oscar Niemeyer, sob a forma de pessoa jurídica de direito privado, sem fins lucrativos, descartando a gestão terceirizada prevista pelo governo anterior, livrando-se de pendências jurídicas e passando para as mãos do Estado a condução das atividades.

Destacam-se, na atual política de gestão, o reduzido valor da entrada e a franquia como incentivo ao acesso a famílias e trabalhadores de baixa-renda, assim como alunos das escolas públicas (10). Associadas à diversidade expositiva, são ainda desenvolvidas, gratuitamente, oficinas de arte, dramatização, “contação” de histórias, palestras, cursos e debates relacionados às exposições em cartaz. Esse modelo de gestão, entretanto, deve ser considerado uma política deste governo, o que significa que nada garante sua continuidade, mudadas as condições políticas atuais.

Como evidência da oposição ao sistema, a ausência deliberada de algumas personalidades na frequência ao Museu e a postura crítica de determinados artistas locais e proprietários de galerias encontram ressonância na mídia, que dá pouca cobertura a exposições e outras atividades programadas.

Novo marco simbólico da cidade-modelo

No caminho aberto pela gestão consolidada no município de Curitiba, que tem transformado a política urbana numa escala contínua de oferta de produtos urbanísticos “premiados”, sob retórica convincente da sua importância para a vida dos curitibanos, a presença do Museu poderia operar enquanto elemento fundamental na atualização e renovação do modelo-Curitiba. Sua constituição em marco se encontra explícita no anúncio oficial da obra pela municipalidade.

“No final de 2002, um novo marco arquitetônico enriqueceu a paisagem do Centro Cívico da capital paranaense: o Museu Oscar Niemeyer. A imponente estrutura do novo edifício, em formato de olho, complementou de forma monumental a simplicidade das linhas retas do antigo edifício Castello Branco, construído na década de 60.

O projeto do novo conjunto, elaborado pelo grande mestre da arquitetura nacional, concretizou o casamento perfeito entre o arrojo da engenharia e a sensibilidade da arte”. (11)


Foto Rosa Moura

O Museu e particularmente o Olho foram facilmente introjetados no imaginário social do morador da cidade, tornados novos símbolos contemporâneos e referências obrigatórias na composição da sua imagem urbana. Desde sua proposição – com destaque à importância da consolidação internacional da imagem da cidade que sediaria “um dos maiores espaços culturais da América Latina”, conforme lugar comum na mídia local e nacional –, passando pelo intervalo da construção, e culminando com a cerimônia de inauguração, foi veiculada de forma intensa sua positividade na qualificação urbana e no up grade cultural que possibilitaria.

Durante a construção, a empresa responsável, construtora CESBE, manteve aberta uma agenda de visitações ao canteiro de obras, e atualizado seu web site com informações técnicas, notícias, previsões e simulações sobre o andamento dos trabalhos, espetacularizando a própria obra. Particularmente, a edificação do Olho foi contemplada com uma apresentação em power point que, ao mesmo tempo informava técnicas e procedimentos, enquanto demonstrava a corrida contra o tempo desencadeada pela exigência dos prazos – já que faltavam poucos meses para o término previsto para conclusão (e para o fim do governo...).

Tomando como referência pesquisa realizada na véspera da inauguração, com os operários em atividade, depreendem-se algumas conclusões reveladoras no que concerne à ordem simbólica. Foram entrevistados 28 trabalhadores envolvidos diretamente na obra por um período maior que um mês, em um único dia, 20/11/2002, data em que ainda se dispunha de “um número significativo de operários trabalhando e o edifício já [contava] com seus principais elementos de obra finalizados” (12).

“Para os operários, mesmo entre aqueles que duvidavam da validade da obra, propondo outros usos mais sociais como hospitais e escolas no lugar de um museu, o júbilo se confirmava na unanimidade de que a obra contribuirá para um melhor posicionamento da cidade de Curitiba na acirrada concorrência urbana globalizada” (13).

Com afirmações como “será um marco para Curitiba”, “será reconhecida no exterior”, “a obra será o símbolo de Curitiba”, “podendo até ser comparada com outras capitais do mundo”, “é lindo demais isso aí”, ficou evidente o poder simbólico da mensagem veiculada. Uma das conclusões da pesquisa salientou a marca do modelo de planejamento adotado, “que aposta no marketing de uma cidade como forma de atrair investimentos”, deixando entrever certa descrença no cumprimento da função reservada ao equipamento.

“Ficou claro, pois, para os operários aquilo que parece ser, de fato, o interesse da obra: menos museu e mais simbologia arquitetônica a serviço da competitividade entre as cidades, menos acervo museográfico e mais ícone” (14).

Assim, na visão dos operários, pouco pesou o uso ou o conteúdo da obra, mas sim o elemento arquitetônico que seria disponibilizado na cidade. Entendimento difundido pelos formadores de opinião e amplamente veiculado pela mídia, como sintetiza matéria do jornal de maior circulação no Paraná:

“Ontem pela manhã, mesmo fechado para visitação, a arquitetura surpreendente atraía as pessoas que paravam para admirar a criação do famoso arquiteto Oscar Niemeyer” (15).

Tal entendimento foi assimilado conjuntamente à construção da obra, como apontam funcionários da empresa que colaborou na projeção do espetáculo, ao informarem as muitas conexões internacionais no site da CESBE para acompanhamento fotográfico da obra. “Curitiba não só ‘será’ reconhecida no exterior como ‘já está sendo’”, afirmam (16).


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No ato da inauguração, a grandeza e a ousadia do Museu ganham ainda mais espaço na mídia, associados à notoriedade de outros símbolos do urbanismo curitibano.

“Não é fácil criar um novo monumento arquitetônico numa cidade que tem um teatro todo feito de aço, dentro de uma antiga pedreira, exibe um museu botânico que é uma estufa enorme inspirada em palácios de cristal ingleses do século XIX e construiu uma Universidade Livre do Meio Ambiente com madeira de eucalipto, na qual há uma rampa em espiral com 22 metros de comprimento. Mas a reconstrução de uma obra de Oscar Niemeyer acabou emparelhando com tudo isso e já se inscrevia na última sexta-feira, mesmo recebendo os retoques para a inauguração, como novo ponto turístico de Curitiba” (17).

Produtos como esse, particularmente quando integrados ao discurso oficial, inscrevem-se no que se usa chamar de ícones urbanos, a saber, construções de “impacto, seja por sua localização estratégica, visibilidade, escala, forma, aparência, monumentalidade ou uso”, os quais, “desde a sua concepção, vêm causar alguma expectativa em relação à sua implantação.” (18) Tais construções permitem o resgate do papel do ícone como “catalisador de ações que se multiplicam em torno do processo de revitalização de áreas degradadas nas cidades”, assim como, “de revolucionar o conceito do espaço em que serão inseridos”, dado que “já nascem com uma grande carga significativa”, pois são concebidos com esse objetivo.

“Esses ícones da contemporaneidade são construídos a partir de uma concepção política, que visa sua projeção internacional. Se, em outros momentos, eles possuíam um significado e uma aparência condizentes com a sociedade local, eles agora pertencem à sociedade global.

[...] [Nesse aspecto] Curitiba tem se destacado por iniciativas como o “Ligeirinho”, a Ópera de Arame e o Novo Museu, projetado por Oscar Niemeyer. O governador do Paraná, arquiteto Jaime Lerner, desde sua gestão como prefeito de Curitiba, vem tentando colocar a cidade no hall das capitais culturais do país, através de iniciativas como as mencionadas” (19).

A despeito da crítica, intensamente utilizada por políticos da oposição ao uso de imagens, símbolos e marketing pelos sucessivos governos de Lerner e de seus seguidores, o efeito simbólico do Museu não foi descartado na composição do plano do governo que o sucede. Relatório elaborado para subsidiar discussões sobre a incorporação do equipamento na linha programática do governo Requião torna literal a acepção de que “sua força simbólica poderá colocar a arte e arquitetura – urbanismo e design – no vocabulário cotidiano dos paranaenses”, projetando “visibilidade e prestígio para promover eventos culturais de interesse nacional e internacional”, assim como compondo “importante símbolo para firmar a personalidade cultural dos paranaenses” (20).


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O relatório extrai de palavras do arquiteto Oscar Niemeyer sua intenção quando da criação do símbolo. O “olho: observa, antevê, prevê, identifica, sugestiona... projeta esperança para o ‘novo’, o desejo do melhor!” (21). Como reforço à ação simbólica da obra, o relatório propõe o funcionamento do Museu no plano real e virtual, com acesso irrestrito via internet, permitindo a “democratização da informação artística e cultural, sem fronteiras sócio-econômicas”. Incorpora, assim, o viés político do novo governo, que tem como objetivo central a inclusão social, sem abrir mão de tornar o Museu “a sala de visitas da cidade” (22).

A proposta trazida por esse relatório coloca em pauta outra questão polêmica: “o mercado da cultura” que, tomando como exemplos The Getty Center, de Los Angeles, e o sempre citado Guggenheim, de Bilbao, aponta para o “grande filão da cultura, como forma de acelerar o desenvolvimento cultural, educacional, turístico, e consequentemente financeiro” das cidades (23).

Ressonâncias socioambientais e fundiárias

A proposta de localização do Museu, no Centro Cívico, não acompanha a motivação das demais cidades que se candidataram à griffe Guggenheim: gentrificar áreas urbanas tidas como degradadas, com projetos de reestruturação mais amplos. Mesmo assim, a intenção de renovação se fez presente na refuncionalização do edifício, trazendo implícita a possibilidade de revalorização do Centro Cívico, que representa um remanescente do planejamento modernista, que criou, no Plano Diretor de 1966, setores funcionais na cidade.


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Poucas alterações aconteceram nas proximidades do novo equipamento, particularmente no que concerne ao adensamento de usos e à dinâmica imobiliária. Entrevistas (24) aplicadas a comerciantes e prestadores de serviços que funcionam nas quadras imediatas ao Museu apontam que, para algumas unidades, como bares, houve apenas mudança no perfil dos frequentadores; para outras, como uma revistaria, uma lavanderia e uma distribuidora de bebidas, houve até mesmo um pequeno esvaziamento, já que parte do público alvo era composta pelos funcionários das Secretarias relocadas. Apontam também que a clientela modificada incorpora poucos turistas e visitantes durante o dia.

Localizado exatamente à frente, um bar antigo e muito frequentado pela juventude nas tardes dos finais de semana, o Basset, logo que foi inaugurado o Museu, fez uma reforma, adotou o amarelo – cor das cerâmicas da torre de sustentação do Olho – e teve a freguesia ampliada. O barOlho, instalado onde antes funcionava uma lanchonete, mais voltada a servir almoço a funcionários, hoje o ponto atende a um consumidor ampliado, tendo remodelado sua fachada e estendido sua área de serviços até os limites da calçada. O bar Menina dos Olhos, mais sofisticado que os anteriores, também afirma não ter sido atraído por essa presença. No entanto, também adotou a referência simbólica no próprio nome, além de que emprestou o significado do Museu e vem dando um tom mais artístico e cultural às atividades programadas para o happy hour, que segundo informam, raramente é frequentado por visitantes do Museu. O mesmo ocorre com os demais que, apesar do Museu estar fechado à noite, esse é o horário de maior movimento, principalmente às sextas e sábados. Isso revela o papel simbólico de um novo produto urbano, induzindo a constituição ou reforçando um ponto de encontro na cidade.

Poucos novos usos passaram a ocorrer nas imediações, destacando-se a localização de um hotel de bandeira internacional, onde também funciona um bar e restaurante. O gerente do hotel, entrevistado, disse que o Museu não foi o motivo da vinda para esse endereço, mas que ele não deixa de ser um ponto de referência que ajuda bastante a atrair hóspedes.

Os comerciantes locais entrevistados sugerem que houve alguma valorização imobiliária no bairro, com a chegada do Museu, mas não arriscam detalhes. Esse cuidado deve-se, talvez, a uma leitura visual que não constata obras expressivas nas imediações. Tal percepção é a mesma dos corretores imobiliários que atuam na região. Para eles, o bairro em si já é valorizado e muito procurado, independentemente da presença do Museu.

Há ainda quem admita que a valorização foi aquém da imaginada. Tomando como exemplo apartamentos de um edifício novo, à venda por mais de dois anos, e ainda com unidades em oferta, Busarello (25) observa que “havia uma expectativa de que o bairro viesse a sofrer um boom de demandas imobiliárias. Esse é um fato incompreensível!”

Desfecho provisório: monumentalidade, competitividade ou democratização da cultura?

Qual teria sido efetivamente a intenção norteadora da tomada de decisões: a coalizão dominante, que articulou as três esferas de governo na materialização do projeto, estaria apostando na democratização da cultura ou no papel da cultura na competitividade urbana? Essa reflexão faz sentido face ao continuo movimento dos arranjos políticos e institucionais na operacionalização do Museu. Há determinados pressupostos, interesses e orientações tão fortemente enraizados que, mesmo que por vezes se calem, não tardam por retomar a centralidade do discurso e da prática política.


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Para a sociedade do espetáculo, na qual a “contemplação e o consumo passivo de imagens substituem o vazio da vida concreta”, a utilização de museus e outros equipamentos culturais vêm confirmando o que Debord (26) chamou de adoção de “mercadorias vedete”, como elementos de produtivização urbana. Para ele, neste momento do capitalismo, seriam esses os sucessores de outros equipamentos ou bens móveis que outrora qualificaram as cidades. O Museu Oscar Niemeyer poderia se inscrever como um desses novos e atuais produtos.

Arantes (27) posiciona a cultura como parte decisiva do mundo dos negócios, sendo ela mesma um “grande negócio”. Situa, ao lado do planejador urbano, o promotor cultural, como os principais agentes das coalizões de elite que mobilizam as políticas urbanas na direção de expandir a economia local, transferindo a riqueza da coletividade para segmentos rentistas. Uma verdadeira “fusão entre os interesses econômicos da ‘cultura’ e as alegações culturais do comando econômico” (28), numa convergência requerida pelo acirramento da competição entre cidades no sistema mundial, pelo acesso a investimentos.

Referindo-se especificamente aos museus, como os “novos monumentos” das metrópoles e até de cidades menores dos países desenvolvidos, Ohtake (29) destaca o papel desses na demonstração da pujança e da riqueza do país, como expressões do poder da cultura enquanto termômetro do desenvolvimento de uma cidade ou uma nação, incorporando um caráter “espetacular”.

Na mesma linha, Sánchez (30) alude que o grande museu-marca serve de “alavanca para a internacionalização da cidade, para sua nova entrada no mapa do mundo, principalmente se a marca do projeto arquitetônico levar a assinatura de algum arquiteto consagrado.” Como ocorre com outros grandes projetos urbanos, projetos culturais dessa dimensão adquirem, assim, diversos significados, pois além de serem apresentados como estratégicos à dinamização de atividades e parcerias, contêm uma representação de futuro, ao virtualizarem atratividade de capitais, e uma dimensão simbólica passível de construir ou recompor a imagem urbana. Colocam-se, então, como “prioridades” na pauta política, engendrando parcerias e estreitando coalizões, e como “projetos motores” no que se refere à reestruturação urbano-metropolitana, mediante uma reconversão da imagem das aglomerações nas quais se alocam (31).

O Museu Oscar Niemeyer, cuja assinatura provém de um renomado arquiteto, desde o lançamento de sua pedra fundamental, gerou a expectativa de que (re)iluminaria a presença de Curitiba no meio nacional e internacional – ou, em outras palavras, no mercado mundial de cidades. Expectativa difundida pelo discurso político, pela mídia e pela recorrência no diálogo popular. Apenas um levantamento minucioso junto a empresas e investidores poderia confirmar, com números, a efetividade dessa presença.

No caso do Guggenheim, sua alocação no Brasil prevê a associação com outros negócios, em contiguidade, proporcionando a criação de um complexo cultural, hoteleiro, de diversão, de negócios e convenções, com escritórios comerciais etc. Essa empresa cultural não tem receio de revelar seu lado comercial, como afirma Ohtake (32), fazendo-se valer não só de contribuições governamentais e da iniciativa privada, na forma de patrocínios que retornam por meio do marketing, como acionando segmentos do setor de comércio e serviços, incluindo transportes, hotelaria, alimentação, turismo, entre outros. Associações dessa ordem viabilizam cada vez mais a monumentalidade do objeto cultural, tornando-o um ícone em um conjunto de ações qualificadoras da atratividade urbana, voltando-os a valorizar determinadas áreas ao capital imobiliário e a novos negócios.

Se no âmbito dos efeitos horizontais do projeto as repercussões podem ser consideradas singelas, há evidências do alargamento dos pactos, da reelaboração da construção simbólica da cidade-modelo, adequada aos quesitos da contemporaneidade internacional. Isso permite concluir que este novo produto, legitimado pelo desempenho de uma função social, tem indubitável relevância no reposicionamento dos atributos urbanísticos de Curitiba.


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Pode-se supor, também, que a fragmentação, o ecletismo, a forma anteposta à função, o triunfo da imagem sobre a substância são elementos identificados que confirmam uma estética que, conforme Harvey (33), pode ser vista como ícone, enquanto sua arquitetura adquire uma nova obrigação expressiva nos marcos urbanos, para os quais a centralidade da forma é mais importante que a efemeridade dos espaços criados.

Pode-se concluir que a reflexão sobre esse grande projeto de Curitiba, do início do século XXI, acabou por revelar alguns elementos do repertório contemporâneo da atualização urbanística do pensamento único das cidades. Os já explorados ingredientes que contribuíram na construção da imagem urbana de Curitiba – como a commoditização do urbanismo central, do apelo ecológico, da qualidade de vida, do resgate étnico, da solidariedade, entre outros – reúnem-se, no momento, à fusão entre interesses econômicos e culturais. Percebem-se fórmulas recorrentemente usadas para realçar os traços expressivos das cidades, dando-lhes prestígio e dotando-as de condições para competir no mercado mundial para a atração de capitais externos.


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notas

1
Toma como referência o estudo de caso realizado pela autora, no âmbito do Convênio “Grandes Projetos Urbanos: o que se pode aprender com a experiência brasileira”, celebrado entre o Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IPPUR-UFRJ) e o Lincoln Institute of Land Policy.

2
CORRÊA, Roberto Lobato. “A dimensão cultural do espaço”. Espaço e Cultura. Rio de Janeiro, NEPEC, ano 1, n. 1, 1995, p. 1-21.

3
HARVEY, David. A Condição Pós-Moderna. São Paulo, Edições Loyola, 1994.

4
SÁNCHEZ, Fernanda e BIENENSTEIN, Glauco. "Competividad, reestructuración urbana y proyectos estratégicos: Camino Niemeyer en Niterói y Museo Guggenheim en Rio de Janeiro”. In: MATTOS, Carlos de et al. Governanza Competividad y Redes: La gestión en las ciudades del Siglo XXI. Colección RIDEAL/EURE Libros. Santiago de Chile, Instituto de Estudios Urbanos y Territoriales, Pontificia Universidad Católica de Chile, 2005.

5
O projeto do Rio de Janeiro associa-se à ocupação da área portuária da cidade, envolvendo a construção de um “edifício-emblema” de caráter cultural, voltado a novas atividades na área do entretenimento. Faz parte de uma perspectiva mais ampla de desenvolvimento urbano, articulando setores de atividades entendidas como “estratégicas”, sobretudo, aquelas vinculadas à aceleração dos circuitos de turismo urbano regional, nacional e internacional (SANCHEZ e BIENENSTEIN. Op. cit.).

6
FIGUEROLA, Valentina. “Concreto, poesia e Niemeyer”. AU. Ano 18, n. 106, jan. 2003, p. 40.

7
FOLHA DE LONDRINA. “Lerner e FHC desprezam custos do NovoMuseu”. Londrina, 23/11/2002, p. 6; FOLHA DE SÃO PAULO. “Nostálgico, FHC inaugura museu. Presidente compara NovoMuseu, de Oscar Niemeyer, ao Alvorada”. São Paulo, 23/11/2002, p. A13.

8
Essa alternativa sábia ocultava, entretanto, aspectos de incomparabilidade. Tomando por base apenas valores, há que se convir que o custo foi de fato irrisório: o Guggenheim Bilbao teve orçamento dez vezes maior; a extensão de uma ala da National Gallery de Washington chegou a custar US$ 96 milhões; os vários projetos culturais da França investiram, em 20 anos, US$ 5 bilhões; ou o Japão, que destinou dezenas de bilhões de dólares à sua política cultural, baseados em recursos governamentais, tendo construído aproximadamente 300 museus entre os anos 1980 e 1990 (OHTAKE, Ricardo. “Os novos monumentos das metrópoles”. São Paulo em Perspectiva, v. 14, n. 4, out/dez, 2000, p. 111-119). Porém, é nesse aspecto que reside a diferença: nesses países, efetivava-se uma política cultural abrangente, e não uma intervenção localizada.

9
HORA DO POVO. “Maior museu da América Latina é reaberto em Curitiba homenageando o seu criador”. Curitiba, 15/07/2003. Disponível em: <http://www.horadopovo.com.br/2003/julho/15-07-03/z91507.htm>. Acesso em 12/12/2005.

10
Site do Museu Oscar Niemeyer <http://www.museuoscarniemeyer.org.br/not_ffarias.htm> . (Acesso em 16/12/2005).

11
IPPUC. “De olho no futuro. Museu Oscar Niemeyer”. Espaço Urbano, n. 4, abr. 2003, p. 45.

12
ULTRAMARI, Clovis et al. “O NovoMuseu Oscar Niemeyer: a obra do arquiteto pelo olho do operário”. Cadernos de Arquitetura e Urbanismo. Belo Horizonte, Ed. PUCMinas, v. 11, n. 12, dez. 2004, p. 176.

13
Idem, p. 178.

14
Idem.

15
GAZETA DO POVO. “Entrelinhas. Curitiba”, 24/11/2002, p. 2.

16
ULTRAMARI, Clovis et al. Op. cit., p. 180.

17
SCHELP, Diogo. “Feito por Niemeyer”. Veja, Edição 1.779, 27/11/2002.

18
HAZAN , Vera Magiano. O papel dos ícones da contemporaneidade na revitalização dos grandes centros urbanos. Arquitextos, São Paulo, 04.041, Vitruvius, out 2003 <http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/04.041/645>.

19
Idem.

20
BUSARELLO, Orlando. “Novo Museu Oscar Niemeyer, carinhosamente, o olho dos paranaenses. Voltado para a esperança, o sonho do lugar de todos”. Relatório apresentado ao candidato ao Governo do Paraná, Roberto Requião, em 2003, p. 1-2.

21
Idem, p. 1.

22
Idem, p. 3.

23
Idem.

24
Foram entrevistados oito estabelecimentos, entre os 20 existentes (6 comerciais e 14 de serviços) com testada para o Museu, ou situados em ruas laterais, porém com muita proximidade. O teor das questões contemplou o motivo da escolha da área, para os instalados posteriormente à inauguração do Museu; a alteração no número e no perfil do frequentador, para os instalados anteriormente; e a percepção quanto à valorização do bairro e dos imóveis na região, para ambos.

25
BUSARELLO, Orlando. “Entrevista ao integrante do Conselho de Administração do Museu Oscar Niemeyer”. (Entrevistado por Rosa Moura). Curitiba, 31/01/2006.

26
DEBORD, Guy. La sociedad del espectáculo. Buenos Aires, La Marca, 1995.

27
ARANTES, Otília Beatriz Fiori. “Uma estratégia fatal: a cultura nas novas gestões urbanas”. In: ARANTES, O.; VAINER, C.; MARICATO, E. A cidade do pensamento único: desmanchando consensos. Petrópolis, Vozes, 2000.

28
ARANTES, Otília Beatriz Fiori. “Berlim reconquistada. Falsa mistura e outras miragens”. Espaço & Debates, São Paulo, v.23, n.43-44, jan./dez. 2003, p. 48.

29
OHTAKE, Ricardo. Op. cit.

30
SÁNCHEZ, Fernanda. A reinvenção das cidades para um mercado mundial. Chapecó, Editora Universitária Argos, 2003, p. 508.

31
SÁNCHEZ e BIENENSTEIN, Op. cit.

32
OHTAKE, Ricardo. Op. cit.

33
HARVEY, David. Op. cit.

sobre a autora

Rosa Moura é doutora em Geografia, pesquisadora do Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social (IPARDES), atuando na Secretaria de Estado do Desenvolvimento Urbano do Paraná; pesquisadora da rede Observatório das Metrópoles

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