Nos anos 1970, os arquitetos brasileiros procuravam adequar a sua produção arquitetônica ao delicado momento em que vivia o país, marcado, ao menos, por quatro aspectos: os reflexos da crise política deflagrada pelo golpe de 1964 sobre a produção cultural do país; a ampliação e amplificação da problemática urbana nas grandes cidades; os dilemas teóricos da arquitetura brasileira em constituição nesses anos; e os desafios antepostos à prática profissional.
Esses aspectos definiram os contornos de uma arquitetura que se diversificou, na medida em que se afastou do marco constituído pela construção da capital do país e da crise político-ideológica deflagrada a partir 1964 e cristalizada entre 1969 e 1974, embrenhando-se num cenário que, apesar de parecer, em um primeiro momento, aparentemente acrítico, posteriormente revelou questionamentos onde inevitavelmente pesava a experiência anterior. Esta conjuntura foi determinante para a discussão e reflexão de novos dilemas que se impunham – como bem identifica Spadoni(1) – em relação à dependência e resistência.
Esse processo, a um só tempo, de difusão e diversificação, de questionamento e continuidade, fica cada vez mais evidente com as inúmeras pesquisas realizadas nas universidades brasileiras, que tratam da arquitetura produzida pós-construção de Brasília. Estas pesquisas, em termos gerais, revelam, além da diversificação geográfica, o nomadismo dos arquitetos e a dispersão de arquiteturas que chamam a atenção e merecem destaque não somente por seu eventual vínculo com o passado ou sua provável ruptura com ele, mas, sobretudo pela submersão em seu próprio tempo, marcado entre outros aspectos por certo teor de experimentalismo. O caso da Paraíba, e em particular da capital João Pessoa, não é diferente. Inúmeras pesquisas realizadas nos últimos anos, com foco nas décadas de 1950 e 1960, não mostraram apenas a consolidada produção de caráter moderno em fértil terreno, mas também indicaram a profícua obra de arquitetos locais como Mário di Láscio ou Carneiro da Cunha que adentrou nos anos de 1970.
Entretanto, da mesma forma que vem acontecendo em muitas outras cidades, um acelerado – e especulativo – processo de expansão urbana ameaça parte dessa, ainda pouco conhecida e estudada, arquitetura. De fato, no decorrer da pesquisa, foram identificados alguns importantes edifícios construídos nos anos em questão que foram demolidos, descaracterizados e/ou reformados sem nenhum cuidado. Portanto, antes que este conjunto desapareça por completo é importante entendê-lo como parte constituinte da história da arquitetura da cidade.
Questões metodológicas
Para a análise dessa produção foram estudados os projetos residenciais aprovados nos anos de 1970, encontrados no Arquivo Central da Prefeitura Municipal de João Pessoa (PMJP). Além de tornar legível o universo da pesquisa, essa tarefa permitiu o registro digital dos projetos originais, protegendo-os do desaparecimento. Merece destaque também a qualidade expressiva dos desenhos encontrados, como por exemplo, as perspectivas de algumas casas.
Os parâmetros iniciais para escolha dos projetos considerados de interesse para a pesquisa foram aqueles de tipo residencial unifamiliar, que comprovassem a data do projeto ou da construção nos anos 1970, que tivessem a assinatura do profissional arquiteto e que mantivessem todas as pranchas e desenhos correspondentes íntegros, em condições de manuseio. Não foram encontrados os arquivos de 1970 e 1971 e parte do arquivo de 1972/1973/1974 estava incompleto. Assim, o levantamento inicial restringiu-se ao período 1975-1979(2). O primeiro ano da década de 1980 foi incluído na pesquisa, porque era comum encontrar projetos de um ano em pastas de anos posteriores(3). Dos 16.600 processos existentes do período 1972-1980(4), foram examinados 14.550 processos correspondentes ao período 1975-1980. Neles foram descobertos 217 projetos residenciais que atendiam basicamente aos critérios acima enunciados, ou seja, eram habitações unifamiliares, tinham a autoria do profissional arquiteto, foram projetadas ou construídas na década de 1970 e seus desenhos estavam completos.
Redimensionado o universo de pesquisa, foram elaboradas fichas de registro das 217 casas encontradas. Estas fichas de registro permitiam, entre outros, obter a relação de profissionais atuantes na cidade naqueles anos e buscar informações sobre eles a partir de seus registros no CREA. Permitiam também listar os bairros em que as casas objeto de estudo foram construídas dando uma idéia da expansão da malha urbana.
O número final de projetos de interesse para a pesquisa é pequeno quando comparado ao volume de construções realizadas em João Pessoa nos anos 1970. As 217 residências escolhidas na primeira triagem correspondem apenas a 1,30% da produção da construção civil da cidade entre 1975 e 1980. Nesses anos, engenheiros civis e desenhistas assinam a maior parte dos projetos arquitetônicos e apenas alguns poucos projetos de edifícios institucionais, de lazer e residenciais são de autoria de arquitetos. Os diferentes endereços das 217 residências apontaram o eixo em que essas construções se concentraram. Foram assinalados particularmente os bairros consolidados entre o Centro da cidade e a orla marítima: Torre, Bairro dos Estados, Mandacaru, Tambauzinho, Miramar, Tambaú, Cabo Branco, Manaíra e Bessa. A concentração nesse eixo apontava a alteração do uso desses domicílios: muitos deles passavam de temporários ou de veraneio para domicílios fixos. O único bairro em expansão que se apresentava como exceção, por não se localizar nesse eixo era o Cristo Redentor situado entre o Centro da cidade e os Conjuntos Habitacionais populares José Américo e Ernesto Geisel. A explicação para essa excepcionalidade estava relacionada a uma proposta de especulação imobiliária, baseada na expansão da infra-estrutura urbana que se ampliava com a atuação do Projeto CURA, promovido pelo Governo do Estado da Paraíba no final dos anos 1970.
Comparada às décadas anteriores, os anos 1970 assistiu ao crescimento do número de arquitetos atuantes na cidade, vindos de diferentes regiões do país. Na base dessa migração estava a expansão do mercado de trabalho, a criação do Curso de Arquitetura da UFPB e a instalação de agências locais de órgãos federais na cidade. Constatou-se uma extensa lista de cerca de cinqüenta arquitetos atuando na cidade com registro profissional no CREA de Pernambuco, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e São Paulo. Nessa lista destacam-se arquitetos paraibanos experientes como Carlos Alberto Carneiro da Cunha, Mário Glauco di Láscio e Tertuliano Dionísio e jovens profissionais recém-formados em Pernambuco, que na década seguinte, nos anos 1980, projetariam seus nomes no cenário local, como Amaro Muniz Castro, Antonio José do Amaral e Silva, Armando José Ferreira de Carvalho, Expedito Arruda e Régis de Albuquerque Cavalcanti.
Entretanto, dos 217 projetos encontrados no arquivo, um total de 101 foram descartados porque eram repetições de outros projetos reimplantados em diferentes lotes de diferentes bairros da cidade. Estabelecia-se assim o número de exemplares objetos de estudo, 116 residências, cuja análise revelaria as características das experiências desse período em João Pessoa. Delimitava-se também a quantidade de projetos a serem registrados em fichas(5)e o número de casas a serem verificadas em campo e fotografadas(6).
Durante o levantamento fotográfico, a parte de certa dificuldade em observar as construções, devido à altura dos muros que as isolavam do entorno ou a massa de vegetação que encobria o volume arquitetônico, ficou evidente a mudança, ao longo dos anos, da paisagem urbana: a preocupação com a segurança aumentou a altura do muro e inseriu as cercas elétricas; a mureta baixa que, muitas vezes, suavizava a separação do lote privado e a cidade foi substituída pela “fortificação”, pelo muro alto que, no imaginário da população, funciona como uma barreira contra a violência urbana, marcando desta forma um tipo de relação muito diferente daquela que havia nos anos 1970 entre o espaço público e o espaço privado.
Algumas construções, razoavelmente bem conservadas, escondiam as vigas originais de concreto aparente com pintura ou outra forma de camuflagem, como casquilho de tijolo aparente ou cerâmico, atendendo talvez medidas de conservação ou o gosto contemporâneo. Varias demolições foram constatados, particularmente na Orla marítima (Cabo Branco, Tambaú e Manaíra), onde a valorização do solo e a especulação imobiliária são mais intensas. Diversas casas não foram encontradas devido à mudança de nome dos logradouros públicos, particularmente na praia do Bessa, que nos anos 1970 eram identificados apenas como Rua projetada ou outros códigos diferentes dos atuais. Em contrapartida foram encontradas casas em excelente estado de conservação, sem alteração de uso, cuja configuração atual mantém a expressão original encontrada em seu projeto arquitetônico. Portanto, das 116 residências verificadas em campo: 11 casas (9,5%) não existem mais; 46 casas (43,1%) não foram encontradas (mudança de nome dos logradouros); e 59 residências (47,4%) foram encontradas e fotografadas.
Definição de critérios
À luz das análises feitas, e tomando como base as classificações de diferentes autores, entre eles Bastos(7) e Spadoni, foi possível identificar na arquitetura residencial de João Pessoa experiências associadas ao:
1.Legado moderno brasileiro: o conjunto de experiências modernas próprias das décadas anteriores à construção de Brasília,
2.Arquitetura paulista: as experimentações associadas à linguagem moderna dos arquitetos paulistas a partir de 1956 até o início dos anos 1980,
3.Experiências de racionalização e pré-fabricação: presente, de certa forma, nas duas anteriores, mas que ganha maior relevância a partir do início da década de 1970 com o impulso dado nesta direção pelo crescimento econômico do período.
Da observação das 116 casas escolhidas, 86 delas apresentam vínculos diretos com o que chamamos anteriormente de Legado brasileiro, que corresponde às experiências da arquitetura moderna brasileira do período entre 1940-1960, ou às experiências ligadas à Arquitetura moderna paulista a partir dos anos de 1956. Os outros 30 edifícios pertencem ao grupo denominado “residências híbridas”, que apesar de se apoiarem em recursos modernos abundantemente difundidos atendem à “moda” vigente, em muitos casos utilizando elementos de uma arquitetura equivocadamente chamada de neocolonial.
Considerando os três grandes grupos elencados, foram sistematizados alguns dos mecanismos constantes e práticas projetuais presentes na arquitetura estudada e que reaparecem de forma sistemática na cidade de João Pessoa.
Estratégias de organização espacial.
- Desníveis dos pisos. A articulação de diferentes níveis de piso interligados por degraus, escadas ou rampas está, por um lado, relacionada à setorização das atividades e, por outro, à valorização dos espaços internos, uma vez que esses desníveis redundam na variação das alturas dos pés-direitos e enriquecem a configuração final dos espaços;
- Modulação espacial e estrutural. A utilização da modulação na organização espacial e na proposta estrutural visava à racionalização dos espaços e da construção e conseqüentemente a economia de recursos;
- Planta “centrífuga”. A planta centrífuga articula os espaços a partir de um centro privilegiado que forma um sistema integrado com os outros espaços que se afastam desse centro segundo uma hierarquia.
Decisões projetuais recorrentes
- Racionalização da forma. A concepção do espaço moderno, fortemente associada à investigação de novos métodos construtivos, modificou sensível e visivelmente a configuração formal do edifício, ou seja, a ênfase na ortogonalidade e nas formas “puras” eram decisões arquitetônicas apoiadas na racionalidade construtiva;
- “Grande abrigo”. Decisão prévia que define o espaço através de uma única cobertura que por sua projeção delimita um contingente de área para o agenciamento do programa. Solução associada ao concreto armado, vislumbrada em João Pessoa nos anos 1970, mas que somente na década seguinte (anos 1980) transforma-se numa decisão largamente utilizada pelos arquitetos locais;
- Lajes e telhados. A laje plana, inclinada ou “asa de borboleta” é uma das imagens mais difundidas da arquitetura moderna brasileira. Da mesma forma, o movimento dos telhados gera uma expressão dinâmica nas coberturas e valoriza a percepção do edifício. A utilização de lajes inclinadas e telhados de alturas e caimentos variáveis, especificamente em João Pessoa, podem amenizar a temperatura no interior da residência. Especialmente quando há aberturas nos pontos elevados dessas coberturas: favorece a ventilação cruzada, a exaustão do ar quente e a iluminação natural.
Elementos arquitetônicos
- Uso de pilotis. Um dos mais evidentes tópicos do movimento moderno. É um recurso recorrente – com matizes – na tradição arquitetônica moderna brasileira;
- Elementos associados à estrutura. São elementos como os balanços, as empenas cegas, as marquises e os amplos beirais, entre outros, que assumem grande parte do caráter expressivo do edifício. Em alguns casos, têm a função de proteger as aberturas do excesso de insolação e/ou dos ventos que trazem a chuva ou de gerar áreas sombreadas;
- Elementos associados ao controle climático. Diferentes soluções que procuram favorecer a iluminação e a ventilação no interior da edificação, particularmente quando o esquema de implantação não é favorável e não é possível conseguir ventilação “cruzada” e iluminação natural. É um recurso vastamente usado pelos arquitetos modernos brasileiros. Na arquitetura objeto de estudo estes elementos são: sheds, meias paredes, beirais generosos, brises verticais e horizontais e o elemento vazado.
- Grandes aberturas. Esse recurso possibilita uma potente relação com a paisagem e o meio físico e em muitos casos são associadas aos elementos de controle climático.
Materiais e técnicas construtivas
- Uso do concreto aparente. O uso do concreto armado e aparente como material desvendava o processo de execução e deixava à mostra as marcas do processo de “concretagem”, particularmente na estrutura portante. De maneira geral, nos anos de 1970, atribuiu-se à técnica do concreto aparente um caráter de linguagem;
- Elementos pré-fabricados. A utilização de elementos pré-fabricados, como blocos de cimento destinados aos planos de vedação, vigotas de concreto armado para encaixe e sustentação das lajotas cerâmicas que formavam as lajes, escadas helicoidais e similares, faz parte de uma experiência particular, que se distinguiu não tanto pelos seus resultados, mas principalmente pela atenção que dava ao processo de concepção/construção da obra, notadamente ao canteiro de obras.
As primeiras constatações
Buscando ampliar o entendimento sobre a arquitetura residencial objeto de estudo, particularmente a identificação de elementos que a relacionasse às experiências modernas nacionais, foram considerados: os tipos e dimensões dos lotes utilizados, a área de construção das casas, os índices urbanísticos, os esquemas de implantação da edificação no lote, os programas de necessidades e as técnicas e materiais construtivos empregados(8). Depois de sistematizadas as questões referentes à ocupação do lote, ao programa e à técnica construtiva, passou-se a uma segunda fase que pretendeu reconhecer os aspectos constantes identificados anteriormente nos projetos analisados. Entre eles destacam-se: a) decisões que buscam adequar a arquitetura ao meio físico como as grandes aberturas que reforçam a preocupação com a paisagem local e a integração entre interior e exterior; entretanto essa integração, uma clara herança local, é mediada por elementos ou estratégias de adequação às condições climáticas, marcada por fortes pancadas de chuva e vento e por uma insolação implacável; b) decisões que buscam dar movimento ao volume dando ênfase a horizontalidade e um tratamento dinâmico às coberturas; essa expressividade é dada por elementos funcionais como caixas d’água, sheds, ou o volume resultante de armários embutidos, que se manifestam em forma de caixas suspensas e em balanços no exterior, quase sempre, em concreto armado aparente.
Do ponto de vista da organização espacial, o que mais se repete em todas as casas estudadas são os esquemas de planta sempre organizados a partir de um sistema modulado, experiência que tanto define a dimensão do espaço como predestina à locação da estrutura portante; os desníveis de piso, freqüentemente utilizado para diferenciar os setores das casas; os esquemas volumétricos com ênfase na geometrização da forma, na horizontalidade ou nas composições dinâmicas dos telhados inclinados; o tratamento material, dado repetidamente pelo contraste das superfícies claras, normalmente brancas, com a madeira, o concreto aparente, a cerâmica ou materiais naturais como a pedra; grande atenção ao controle climático do lugar e ampla utilização das estruturas de concreto armado.
Algumas experiências, como por exemplo, o conceito do grande abrigo e os elementos pré-fabricados, além de marcar um corpus reduzido de obras, representam as experiências menos repetitivas na arquitetura residencial da cidade de João Pessoa nos anos de 1970, o que dá certa distinção às casas em que se fazem presentes. O grande abrigo, os elementos pré-fabricados e o uso do concreto aparente são experiências mais recorrentes na produção arquitetônica da cidade nos anos 1980.
A constatação anterior nos levou a uma rigorosa análise da organização espacial destas casas e os vínculos com as decisões estruturais. Entre os aspectos constantes, que se alinham aos anteriores, pôde-se identificar: a organização das plantas a partir de uma modulação espacial condicionada pela estrutura, apesar desta ser independente; e, em outros casos, a valorização do centro da planta como pivô centrífugo e organizador do restante dos espaços dispostos ao seu redor. O grande abrigo e a atribuição da expressividade à estrutura, em geral, em concreto armado, também foram recursos recorrentes nas residências estudadas.
Dos 86 exemplares, que procuram sintetizar os tipos de experiências presentes na arquitetura residencial da cidade de João Pessoa nos anos 1970, 06 exemplares condensam as questões até aqui levantadas. Essas 06 residências, além de exemplificar os diferentes tipos de experiências encontradas, cada uma delas está localizada em um bairro diferente da cidade, exatamente nos bairros mais procurados pela população nos anos de 1970 para a construção de suas residências – Bairro dos Estados, Tambauzinho, Manaíra, Tambaú e Cabo Branco. São ainda exemplares assinados por nomes de projeção no cenário profissional da cidade naqueles anos, já consagrados localmente como Mário Glauco Di Láscio e jovens profissionais que ganhariam projeção anos 1980: Amaro Muniz de Castro, Antonio José do Amaral e Silva, Armando Ferreira de Carvalho, Expedito Arruda e Régis Cavalcanti. Cabe ainda destacar que a área de construção destas residências variava entre 150 e 400m², ou seja, atendia a um amplo espectro da classe média, que flutuava entre um lote padrão de 10X30 m e um lote razoavelmente amplo de 20X20m.
Residência Dr. Francisco Xavier (1975) de autoria de Mário Glauco di Láscio. Essa residência se destaca pela generosidade de seus espaços, pela presença de uma área livre de lazer possibilitada por sua elevação do solo e pelo tratamento das superfícies (tijolo aparente, azulejo decorado e pintura branca), elementos associados ao chamado legado moderno brasileiro.
Residência Virgínio Veloso Freire Filho (1979) de autoria de Régis Cavalcanti. A expressão plástica marcada pela racionalização da forma, o tratamento dado às superfícies externas, as molduras em torno das aberturas, os caixilhos de madeira com venezianas móveis e a organização espacial vinculada à planta “centrífuga” são os elementos que outorgam destaque a essa residência.
Residência Laureano Casado da Silva (1977) de autoria de Mário di Láscio. O que chama a atenção nesse caso é a presença das janelas horizontais que circundam praticamente todo o perímetro do edifício e a expressão atribuída à estrutura portante em concreto aparente.
Residência Haroldo Coutinho de Lucena (1979) de autoria de Expedito Arruda. Nesse caso a expressão da estrutura, marcada particularmente pela presença de características da arquitetura moderna paulista de finais de 1960, como a utilização do concreto aparente e o conceito do “grande abrigo”, são os elementos de destaque.
Residência Edísio Souto (1978) de autoria de Amaro Muniz de Castro e Armando Ferreira de Carvalho. Os elementos voltados para o controle climático como definidores de uma proposta formal e uma volumetria marcadamente horizontal são os diferenciais desse exemplar.
Residência Luís Carlos Carvalho (1976) de autoria de Antonio José do Amaral e Silva e Maria Berenice Fraga do Amaral. Finalmente, essa residência se distingue pelo seu caráter experimental, tanto em relação à organização espacial destinada a um usuário distinto identificado com os anos 1970, quanto em relação ao desejo de utilizar elementos pré-fabricados, que anunciavam naquele momento, uma nova forma de construir.
Em um esforço numérico, podemos destacar a seguinte classificação: 33 residências influenciadas pelas experiências associadas a um legado moderno, particularmente do período 1930-1960; 37 exemplares, onde a preocupação com o clima quente e úmido da região pareceu o fator preponderante para a determinação do partido arquitetônico destas residências; 08 casas em que a influência das experiências realizadas pelos arquitetos paulistas dos 1960, principalmente no que diz respeito ao uso do concreto aparente, era o mais evidente; 08 exemplares em que alguma inovação formal e técnico-construtiva era demonstrada, principalmente no que diz respeito ao uso de elementos pré-moldados feitos pela indústria e por uma estética que buscava refletir uma redução dos custos da obra; e 30 casas, em que a experiência moderna era mais perceptível na concepção espacial e na técnica construtiva utilizada, porém a linguagem externa era voltada para interesses comerciais e preferências estéticas de uma clientela em particular.
Podemos dizer que a arquitetura estudada trata de uma produção arquitetônica ainda atrelada às experiências modernas que a precedem. Entretanto, alinha-se ao período de forma generalizada, com sua imagem também associada à exposição do fazer arquitetônico.
Desde a chamada “arquitetura brutalista”, que enfatizava a expressão aparente dos materiais construtivos, até as experiências high-tech, dos anos 1960-1970 (que expunham treliças metálicas, porcas e parafusos, tirantes, dutos, entre outros) a arquitetura como imagem se valorizava ao deixar perceptível a tecnologia construtiva, empregada ou evocada, modificando a estética arquitetônica naqueles anos.
No Brasil, parece ter sido a experiência da pré-fabricação que se encarregou de expor o fazer arquitetônico e difundir o senso estético de uma época, ao deixar aparentes os blocos cerâmicos, as nervuras das lajes, as instalações prediais e o tratamento das superfícies.
Os arquitetos atuantes na cidade naqueles anos pareceram pouco identificados com estes tipos de experiências, ou em realizar experimentações próprias. Pareciam mais familiarizados com o modo de fazer arquitetura como era proposto pelos arquitetos paulistas da década de 1960 ou com as experiências associadas ao legado moderno das décadas anteriores à construção de Brasília.
Embora a arquitetura residencial moderna da cidade de João Pessoa não tenha revelado aspectos inovadores, a “novidade” estava no cenário da atuação profissional da cidade. Quando comparado com as décadas anteriores, os anos 1970 representaram uma expansão do mercado de trabalho para os arquitetos, passando estes a atuar, não somente nos escritórios, em agências reguladoras e na Universidade. Foi neste momento que uma classe média urbana crescente buscava os serviços de arquitetura e via na atuação dos arquitetos locais a forma de concretizar a tão desejada casa moderna.
notas
1
SPADONI, Francisco. A transição do Moderno: a arquitetura brasileira nos anos de 1970. Tese de Doutorado, São Paulo, FAU-USP, 2003.
2
As lacunas deixadas pelo arquivo não comprometeram os objetivos e a qualidade da pesquisa, uma vez que o volume de projetos encontrados constitui uma mostra significativa. Mesmo tendo que restringir-se ao recorte 1975-79, é importante ressaltar que este volume correspondeu a 80% de toda construção civil em João Pessoa nos anos 1970. A decisão de não incluir os anos de 1970 a 1974, permitiu a concentração da pesquisa no manuseio de registros bem conservados, nos quais era possível verificar a expressão arquitetônica das casas em projetos completos, com toda documentação gráfica: plantas baixas, cortes, fachadas e em alguns casos detalhes e perspectivas.
3
Por exemplo, projetos aprovados em 1976 foram encontrados em 1978, projetos aprovados em 1979 foram encontrados em 1980. Os documentos não estavam arquivados por ano de aprovação do projeto, mas pelo ano em que o processo foi encerrado com a entrega da carta de “Habite-se”.
4
Para encontrar projetos arquitetônicos da década de 1970 foi necessário consultar 664 pastas-arquivos, que continham em média 25 processos cada, ou seja, um total de 16.600 processos.
5
Nas fichas estão registradas informações sobre as 116 residências: as residências encontradas, as não encontradas e os óbitos.
6
Considerando que o projeto arquitetônico de cada uma das 116 casas dispunha de uma média de 04 pranchas de desenhos, 464 pranchas foram reproduzidas através de scanner e gravadas em CD. Essas reproduções permitem preservar o material coletado e evitar o desgaste das pranchas originais, bem como torná-las acessível aos pesquisadores e público em geral.
7
BASTOS, Maria Alice Junqueira. Pós-Brasília. Rumos da arquitetura brasileira. São Paulo: Perspectiva: FAPESP, 2003.
8
Para este último ponto (técnicas e materiais) foram levadas em consideração tanto as especificações existentes nos projetos como as especificações destacadas nos boletins de classificação, que definem o padrão da construção a partir dos materiais utilizados. Eles são preenchidos pelo arquiteto ou responsável pela execução da obra e registrados na Prefeitura juntamente com o projeto arquitetônico.
sobre os autores
Ricardo Ferreira de Araújo é arquiteto e urbanista, professor Assistente do curso de Arquitetura e Urbanismo do Centro Universitário de João Pessoa - UNIPÊ, mestre em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (2010), pesquisador e colaborador do Laboratório de Pesquisa Projeto e Memória do Curso de Arquitetura e Urbanismo da UFPB.
Nelci Tinem é arquiteta e urbanista, professora do CAU/UFPB e do PPGAU/UFRN, doutora em “História da Arquitetura, História Urbana” pela ETSAB/UPC e autora de O Alvo do Olhar Estrangeiro (2002) e Fronteiras, Marcos e Sinais (2006).
Marcio Cotrim é arquiteto, urbanista, mestre e doutor pela ETSAB/UPC (2008). Atualemente é professor convidado do PPGAU da UFPB e um dos editores responsáveis pelo Vitruvius Espanha.