Crescentes desafios para o desenvolvimento de áreas verdes
Mundialmente, as cidades estão experimentando rápidas mudanças, resultado de um permanente processo de urbanização. O crescimento das cidades é um processo dinâmico e muito diverso, mas tem uma característica comum: é cada vez mais espaco-intensivo (1), isto é, há uma crescente demanda de espaço para usos urbanos: para acomodar moradias, indústrias, serviços públicos e áreas de recreação, infraestrutura (tratamento de água e esgoto, produção de energia) e construção das malhas de transporte, colocando sob crescente pressão paisagens culturais e naturais.
Um atributo importante no desenvolvimento das cidades, muitas vezes negligenciado, é o cuidado com as áreas verdes. Como a transformação da paisagem continua em ritmo acelerado, cada vez mais se perdem importantes espaços naturais ou os ainda restantes tornam-se verdadeiras ilhas nas “cidades-sem-fim” (endless cities) (2). Na Europa, o processo de urbanização, ocasionado pela necessidade de uma adaptação às condicionantes econômicas, demográficas e à situação política (por ex. o declínio populacional e o aumento da longevidade, desindustrialização, liberalização de mercado, etc.), traz implicações significativas, tanto para o ambiente natural como na composição das sociedades urbanas.
Muitos dos atuais programas de desenvolvimento buscam a melhoria da qualidade de vida no meio urbano. Isso significa, necessariamente, a melhoria do meio ambiente e do equilíbrio ambiental. Áreas verdes são elementos cruciais para alcançar estes objetivos. Elas são os elementos per se naturais dentro do ambiente extremamente artificial em que as nossas cidades se transformaram. Áreas verdes são igualmente relevantes para o bem-estar e as condições de saúde da população, por promoverem a biodiversidade, constituírem importante parte da paisagem urbana, por trazerem benefícios econômicos significativos e formar espaços estruturais e funcionais fundamentais para transformar as nossas cidades em áreas mais agradáveis de viver (3). Áreas verdes podem assim assumir um papel primordial nos esforços para melhorar a qualidade de vida e no desenvolvimento sustentável.
Na maioria das cidades existem, de alguma forma, instrumentos de planejamento que influenciam a quantidade e a qualidade dos espaços verdes, por exemplo, planos diretores. Em muitos casos faltam, entretanto, concepções e visões abrangentes e estratégias apropriadas, que venham a combinar o desenvolvimento e a gestão desses espaços com as políticas mais globais para o desenvolvimento urbano. Frequentes déficits em quantidade ou qualidade em toda a Europa e o baixo valor a eles atribuído exigem estratégias apropriadas para o desenvolvimento e melhoria do sistema verde urbano. Assegurar o desenvolvimento das áreas verdes, mesmo na era do desenvolvimento sustentável, é ainda um árduo trabalho, exigindo muitas vezes um dedicado engajamento pessoal.
O Projeto GreenKeys e seus Participantes
O Projeto GreenKeys desenvolvido para atender as crescentes demandas em oferecer à população condições de vida mais saudáveis em áreas urbanas. Este trabalho envolveu 20 instituições: órgãos de administração pública em doze cidades e oito instituições de apoio científico na Europa: Alemanha, Bulgária, Eslovênia, Grécia, Hungria, Itália e Polônia, que participaram de uma equipe interdisciplinar, de maio de 2005 a agosto de 2008. Uma lista detalhada de todas as instituições e participantes, com dados para contato, está disponível no site do projeto (www.greenkeys-project.net) (4).
GreenKeys foi cofinanciado pela iniciativa INTERREG III B (5) da Comunidade Europeia, com suporte financeiro do Ministério Federal Alemão dos Transportes, da Habitação e Desenvolvimento Urbano. A liderança do projeto ficou a cargo do Departamento de Áreas Verdes e Limpeza Pública do Município de Dresden (Alemanha), e a coordenação científica ficou a cargo do autor deste artigo. As cidades participantes diferem em tamanho, na localização e nas funções. Havia capitais nacionais como Budapeste ou Sofia, capitais regionais como Dresden (Alemanha) ou Bydgoszcz (Polônia) e cidades pequenas como Giulianova (Itália) e Kotel (Bulgária). Essas características tão diversas contribuíram para uma dimensão europeia do projeto. Embora partindo de exemplos de cidades europeias os resultados do projeto podem ser utilizados em quaisquer outras cidades, devido ao seu caráter paradigmático.
Áreas Verdes – Desafios e Benefícios
No projeto GreenKeys uma área verde é definida como um espaço público não-edificado, inserido no tecido urbano, predominantemente caracterizado por uma alta percentagem de solos não impermeabilizados e cobertos por vegetação; podendo esta área ser usada diretamente para a recreação ativa ou passiva da população, e/ou indiretamente, ser importante em virtude dos seus benefícios para o meio ambiente. As áreas verdes podem ser encontradas em uma tipologia variada e com diferentes características. Como espaços criados: jardins, parques, praças e cemitérios arborizados, ou naturais/seminaturais como florestas, áreas protegidas para a conservação da natureza e/ou da paisagem, etc. Verde urbano é a soma de todas as áreas verdes combinadas com a arborização viária constituindo assim o sistema verde urbano.
As áreas verdes são reconhecidas por trazerem valiosas contribuições para o meio ambiente e para o bem-estar social no âmbito urbano. As funções que esses espaços exercem e os benefícios providos são extensivos e múltiplos. Diferentes autores já investigaram e forneceram evidências destas diferentes funções e dos benefícios gerados (6). Essa variedade e multifuncionalidade de uma área verde significa que ela pode prover os mais variados benefícios de maneiras diversas, a usuários diferentes e com resultados diversos. As áreas verdes urbanas têm um papel importante em relação à qualidade de vida de seus habitantes e são essenciais na formação da identidade da comunidade, porque dão forma, pregam o caráter e a imagem de um bairro ou de uma cidade.
Áreas verdes existem numa grande variedade de tipos, estruturas e formas dentro do tecido urbano. O reconhecimento de suas funções, benefícios e valores não significa, entretanto, que o desenvolvimento de áreas verdes goze de uma posição privilegiada na agenda política. As razões para essa pouca influência política podem ser várias - à luz das experiências no projeto GreenKeys, podem ser mencionados:
- Em primeiro lugar, a complexidade dos sistemas ecológicos e sociais, com os seus problemas e interações. Nas áreas verdes, com a sua materialidade física e biológica, processos naturais, mutáveis e dinâmicos incidem sobre o crescimento e a maturação dos elementos vivos. Estes precisam de um longo prazo para se desenvolver plenamente e adquirir alta qualidade. Consequentemente, para tornar mudanças e benefícios visíveis, o fator tempo deve ser observado.
- O fato de que estes espaços, além de ser patrimônio ambiental, representam valores de domínio público. Áreas verdes urbanas são arenas onde a vida coletiva acontece – onde somos todos iguais e onde estamos todos “em casa”. Elas nos ajudam a definirmo-nos como sociedade e têm um papel importante para o bem-estar e a saúde pública. Por ser de domínio público é compreendido – corretamente - como um bem que todos podem/devem usufruir – mas por quem só – incorretamente - a administração pública é responsável.
- Devido a benefícios imediatos e uma constante má distribuição dentro das malhas urbanas, a maioria das cidades e seus habitantes ficam satisfeitos com a simples existência de um espaço verde, sem questionar as suas qualidades. Muito frequentemente, esses espaços são fruto de um imediatismo alimentado por atos políticos, de projetos paisagístico-arquitetônicos pobres e sem adequação ambiental, possuem equipamentos inadequados, padecem de má acessibilidade, têm baixa performance ecológica, etc. Mais atenção deve ser dada à qualidade dos espaços, pois quanto maior a sua qualidade, mais a população os valorizarão.
- Quando um espaço verde se degrada, oferecendo má qualidade (por exemplo, baixo desempenho ecológico), é pouco provável que venha a ser “fechado”. Ao contrário, um museu ou uma piscina depredados devem ser fechados por razões de segurança e risco à saúde, o que constitui um motivo potencial para uma contestação local.
- O processo de desenvolvimento do verde urbano é vulnerável a muitas circunstâncias tangenciais. Enquanto o crescimento das cidades gera fortes pressões no uso do solo comumente não há nenhum interesse financeiro direto de acionistas, investidores ou loteadores no desenvolvimento de áreas verdes ou espaços públicos em geral.
- As áreas verdes são consideradas um fator custo, especialmente no que se refere às exigências de manutenção. Os benefícios ecológico-ambientais são difíceis de serem expressos monetariamente e os econômicos que estas podem propiciar frequentemente não são conhecidos e, consequentemente, não são levados em conta nas tomadas de decisões.
Além destes fatores acima mencionados há dois outros desafios para os quais ainda devem ser encontradas soluções adequadas:
Mudanças climáticas
Nos últimos anos, o conhecimento no que se refere a mudanças climáticas e as suas consequências progrediu substancialmente, confirmando a suposição de que o aquecimento global se deve às atividades humanas, especialmente a emissões de gases de efeito estufa. Uma boa estrutura verde apresenta a possibilidade de rearranjar espaços urbanos e suburbanos para melhor adaptá-los às consequências negativas das alterações climáticas e do superaquecimento dessas áreas no futuro.
A alteração climática global é um desafio multissetorial, com implicações na economia, na sociedade, na ecologia, no meio-ambiente e nas esferas científicas, e concerne a todas as cidades. Há uma urgente necessidade de desenvolver estratégias e medidas para abrandar e adaptar os efeitos destas alterações. Adequar as estruturas urbanas aos efeitos da mudança de clima é um longo processo. Nesse intuito, existe igualmente a necessidade de conectar todas as partes interessadas e relevantes, a fim criar programas sustentáveis.
Promoção da saúde pública
Há uma intrínseca relação entre o acesso à uma verde e a sua qualidade com as atividades físicas da população. A saúde física e psíquica, o desenvolvimento social, o sentimento de bem-estar e de qualidade de vida de cada cidadão são geralmente estimulados quando estes passam o tempo ao ar livre (7).
Áreas verdes não é somente o habitat para plantas e animais, mas também funcionam como lugares da recreação e lazer, servindo para neutralizar os fatores urbanos estressantes, como ruído, calor e poluição do ar. O exercício do lazer e da recreação em espaços adequados funciona como antiestressante, já que as pessoas relaxam com o contato com os elementos naturais nessas áreas.
O lazer em áreas verdes tem também uma função “amortecedora“, em uma era marcada pelo desenvolvimento tecnológico e social rápido. Estes espaços igualmente ajudam a aliviar as causas de tensão, como ambientes superpovoados, pressão de tempo e a perda de sentido da vida. O atual estilo de vida sedentária favorece o excesso de peso. A obesidade da população pode igualmente ser abordada através da provisão de lugares ao ar livre, mais adequados às atividades desportivas ativas e à aptidão pessoal. Os parques são lugares ideais para promover o exercício saudável, mas uma pessoa, principalmente aquela com excesso de peso, não se sentirá atraída para lá, a menos que a qualidade do parque seja razoável (8).
Por este motivo, os espaços verdes constituem um recurso importante para planejar e desenvolver um ambiente construído mais saudável. A qualidade do ambiente urbano depende muito da qualidade dos espaços verdes, e estes têm que ser agradáveis, ter equipamentos adequados, seguros e serem facilmente acessíveis.
GreenKeys – Esforço comum na abordagem dos desafios
Abordar problemas e desafios no desenvolvimento de áreas verdes num esforço comum foi uma meta pré-definida pelo Projeto GreenKeys. O nome do projeto revela igualmente seu programa: Desenvolver o verde urbano como um elemento chave para cidades mais sustentáveis.
Concretamente, GreenKeys aspirou a cinco resultados e produtos:
- Propor uma estrutura conceptual para formular e adotar uma estratégia para os espaços verdes urbanos, e desenvolver ferramentas de suporte para apoiar a execução desta tarefa.
- Com o intuito de criar novas ou melhorar áreas verdes já existentes aplicar novas ideias e abordagens na implementação dos projetos-piloto. Especialmente a participação ativa das comunidades no processo foi incentivada, numa tentativa de oferecer oportunidades para aumentar a capacidade da comunidade de articular-se (community capacity building and empowerment).
- Examinar minuciosamente as experiências ganhas e compilar os resultados no manual GreenKeys @ Your City - A Guide for Urban Green Quality para um uso além dos participantes no projeto. Este manual, contendo o conhecimento científico e técnico adquirido no projeto, foi criado para funcionar como um assistente de planejamento no desenvolvimento de espaços verdes. Ele também é entendido como um Tool for Talking - uma ferramenta para incentivar e reforçar a comunicação, através de incentivos para a aprendizagem sobre as complexas interações e as necessidades dos cidadãos, exigências ambientais e a distribuição dos espaços verdes.
- Baseado na premissa de que áreas verdes urbanos podem ser mais bem desenvolvidas se houver uma melhor sustentação por órgãos nacionais e pela União Europeia, e apoiado nas experiências analisadas, o Projeto GreenKeys formulou recomendações para a formulação de estratégias políticas para as administrações públicas, tanto a nível local, nacional ou comunitário. A análise de documentos atuais da política urbana da União Europeia, bem como de alguns países membros, mostra que o tema sustentabilidade urbana pelo menos já faz parte da agenda política, embora esta se refira indiretamente ao desenvolvimento de áreas verdes. São completamente inexistentes políticas urbanas que visem explicitamente espaços verdes a nível nacional ou europeu. As recomendações de GreenKeys foram extensamente discutidas dentro do projeto, bem como com os participantes da conferência de encerramento, que ocorreu em abril 2008 em Sofia (BG). Essas recomendações estão incluídas no manual GreenKeys.
- A formulação de estratégias para o verde urbano é um processo de aprendizagem que deve ser incentivado pelo intercâmbio transnacional. As atividades da rede criada para facilitar essa tarefa incluíram a análise e a difusão de experiências, técnicas, práticas e das ferramentas necessárias para criar e implementar estratégias urbanas que tenham uma boa relação custo-benefício, sendo assim sustentáveis (9).
Uma Estratégia para o Espaço Verde - Desafios e Potenciais
Como mencionado acima, um dos objetivos principais do Projeto GreenKeys foi desenvolver uma metodologia, com ferramentas de suporte, para criar uma estratégia específica para o desenvolvimento de áreas verdes urbanas. Através da disseminação desta metodologia, há o ensejo de auxiliar outras cidades a tratar melhor e com mais sucesso este aspecto importante do tecido urbano, crendo que este irá elevar a qualidade de vida da população e tornar seu desenvolvimento mais sustentável.
A falta de verbas para a sua manutenção é um problema constante. Esse processo provavelmente não poderá ser revertido sem o suficiente respaldo político e suporte financeiro das autoridades locais ou nacionais e investidores privados. Melhorar as atividades da administração pública e daqueles órgãos responsáveis por assegurar e desenvolver as áreas verdes exige uma abordagem estratégica mais efetiva para garantir o desenvolvimento, planejamento e gerência dos espaços verdes.
Genericamente como estratégia entende-se uma política para atingir determinado número de objetivos específicos. Ela deve compreender o desenvolvimento de um meio apropriado para alcançar esses objetivos e resolver questões emergentes. No caso das áreas verdes, uma estratégia deve incluir uma variedade de políticas ecológico-ambientais, sociais e econômicas. Deve igualmente defender eficazmente esses objetivos contra outras questões de desenvolvimento urbano e do planejamento no discurso político, na tomada de decisões e na distribuição de recursos.
A finalidade de uma estratégia voltada às áreas verdes deve, consequentemente:
- Proteger áreas verdes, espaços livres e áreas de interesse social no presente e no futuro;
- Promover meios de elevar o bem estar da população local;
- Melhorar a qualidade das áreas urbanas e especialmente de vizinhanças; tornar áreas urbanas mais aprazíveis, atraindo, desse modo, mais impostos e recursos.
Uma estratégia deve, portanto, induzir o melhor uso de potenciais e sinergias geradas pelas áreas verdes e antecipar a procura de soluções para futuros conflitos. Em GreenKeys adota-se a seguinte interpretação para uma estratégia: A estratégia para as áreas verdes urbanas estipula uma visão coletiva, visando atender às necessidades da comunidade e fornecer um ponto de referência, tanto para a distribuição de recursos, quanto para planos de ação (10).
Cidades diferem umas das outras, cada uma com suas situações individuais e específicas, tanto territoriais, sociais, culturais e históricas, quanto a respeito de potenciais, oportunidades e problemas. Cada uma difere na sua organização administrativa, recursos financeiros e humanos e legislação de planejamento. Com o respaldo das experiências ganhas pelas cidades envolvidas no Projeto GreenKeys e de práticas diárias, sabemos que não é possível, útil ou mesmo desejável desenvolver o mesmo tipo da estratégia, fazer o planejamento da mesma maneira para cidades diversas. O ponto de partida para o desenvolvimento de uma estratégia dedicada às áreas verdes pode, por exemplo, exigir etapas diferentes em situações diversas. Considerando esse fato, espera-se que cada cidade tenha que encontrar sua própria e individual maneira para criar a sua estratégia. Mas, por outro lado, a fim de desenvolver uma estratégia que seja útil e eficaz, algumas tarefas e alguns elementos são imperativos e necessários em todos os casos.
Reconhecendo estas necessidades comuns, a equipe do Projeto GreenKeys decidiu desenvolver, junto com as cidades envolvidas, um processo para a formulação de uma estratégia que fosse aberto e flexível o bastante para atender situações diferentes, mas que também provesse o suporte necessário para tornar o desenvolvimento da estratégia “simples e possível para todos”. Para desenvolver a metodologia, escolhemos um processo interativo: parceiros científicos, sustentados por suas próprias experiências, análise de literatura e de outros estudos de caso (11) criaram a metodologia, que, usada pelas cidades envolvidas, foi sendo continuamente melhorada. O intensivo intercâmbio entre os parceiros científicos e usuários, principalmente no que se refere a problemas e aos obstáculos enfrentados, resultou num constante aperfeiçoamento e induziu à produção de um conjunto de ferramentas para facilitar o processo.
O modelo desenvolvido pelo projeto é composto por três partes indiferentemente das generalidades ou do grau de detalhes da estratégia a ser formulada. Esse não é um modelo que se deva seguir estritamente, passo a passo, mas sim um guia para criar o próprio processo para formular uma estratégia para as áreas verdes urbanas.
As três partes são:
- Parte inicial (compreende as atividades preliminares);
- Parte analítica (compreende recolhimento e avaliação de informações e dados);
- Parte da ação (formulação da estratégia).
A análise do processo nas cidades envolvidas no projeto criou um imenso arsenal de ideias e possibilidades, o que levou à criação de um “banco de ideias”, o chamado Pool for Strategies. Este visa fornecer uma boa sustentação ou inspiração para outras cidades, na identificação de seus potenciais e no desenvolvimento de seu próprio caminho para formular a sua estratégia. A ideia de criar esse Pool é baseada no reconhecimento que muitas cidades contam com pouca ou com nenhuma experiência ou suporte legal para preparar uma estratégia para o verde urbano e, consequentemente, enfrentam problemas e obstáculos graves desde o início do processo. Ao realizar esta análise, observamos que há problemas comuns, mas também situações imprevisíveis ou inesperadas, que as cidades compartilham em seu trabalho diário. A maioria destas situações não é considerada nem em literatura nem em outras instruções teóricas. Para auxiliar nestes casos, no Pool estão descritas soluções práticas – em alguns casos, completamente inovadoras, que diferentes cidades usaram para resolver problemas e remover obstáculos do processo de formulação da estratégia para as áreas verdes.
No projeto observamos que as mais frequentes dificuldades com as quais as cidades se confrontam na parte inicial do processo de formulação da estratégia são:
- Inexistência de suporte político e/ou público, ou se há, este é muito baixo;
- Problemas na formação do grupo de trabalho para preparar a estratégia;
- Falta de suporte na legislação local;
- Desenvolvimento de visões; e
- Na definição dos objetivos e prioridades.
A maioria das cidades do Projeto GreenKeys foi bem sucedida em encontrar maneiras de superar esses problemas e obstáculos. Foco especial na fase analítica foi posto na definição de índices e padrões locais para o verde urbano e na criação de uma tipologia de espaços verdes. Estes conhecimentos podem fornecer uma sólida base para a formulação da estratégia, especialmente para definir as prioridades e na criação do plano de ação. Mas aqui também foram encontrados problemas. Os mais comuns foram falta de dados válidos e úteis, de recursos financeiros e humanos para colher e analisar os dados. Durante o projeto, foi criado um sistema de monitoramento, e este se mostrou extremamente útil e necessário para apoiar o processo de formulação da estratégia.
A formulação de uma estratégia para o verde urbano para a maioria das cidades europeias é uma novidade, exigindo assim um árduo e intensivo trabalho pioneiro, e para o qual é necessário muito poder de persuasão. Formular uma estratégia para o verde urbano é um processo detalhado, que exige o confronto entre a situação atual e os valores atribuídos, as necessidades da sociedade, junto com suas condicionantes econômicas. Na formulação da estratégia, uma boa organização é imprescindível para que o empreendimento possa ser realmente bem sucedido, junto com uma fundada cooperação entre diferentes órgãos da administração pública, partes interessadas (atores/agentes) e o público em geral.
As experiências adquiridas evidenciam que o desenvolvimento de uma estratégia precisa ser iniciado pelas administrações das cidades. Esta ação deve, por sua vez, contar com o suporte dos governos nacionais e regionais.
Instrumentos de apoio para analisar e para melhorar o desempenho do sistema das áreas verdes urbanas
Tradicionalmente, a avaliação e o desenvolvimento de áreas verdes são caracterizados por um desmembramento setorial dentro da administração pública. Os diferentes órgãos atuam somente em uma determinada esfera de interesse, por exemplo, meio ambiente, desenvolvimento urbano, educação ambiental, etc. Frequentemente, neste tipo de abordagem setorial nota-se a ausência de consenso no que se refere ao desenvolvimento de áreas verdes. Este processo conduz normalmente somente a objetivos quantitativos (p. ex. criar mais espaços verdes), pouco considerando as necessidades da população local, fatores econômicos ou objetivos mais abrangentes do planejamento, ou mesmo aspectos qualitativos para as áreas verdes (biodiversidade, acessibilidade, etc.). Assim, as estratégias emergentes não harmonizam com as circunstâncias locais. Este efeito é reforçado quando outros aspectos do desenvolvimento urbano, como habitação ou infraestrutura, relegam o planejamento e o desenvolvimento de espaços verdes a um segundo plano.
GreenKeys criou uma metodologia para desenvolver, formular e implementar uma estratégia do espaço verde urbano, tendo em vista uma abordagem mais holística do ambiente construído, procurando torná-lo mais saudável, através de melhores áreas verdes. As ferramentas desenvolvidas para prestar suporte a este processo compõem o que chamamos de GreenKeys ToolBox, um set de instrumentos, técnicas e recomendações, construído para melhorar a compreensão das áreas verdes e dar suporte à tomada de decisões para futuros investimentos. A Figura 6 fornece uma visão geral das ferramentas e a sua aplicação no processo de desenvolvimento e gerenciamento das áreas verdes urbanas.
As ferramentas que compõe o GreenKeys ToolBox são:
- O Módulo eLearning é uma apresentação preparada para promover a ideia de desenvolver estratégias para a gestão urbana, tendo como destinatários primários aqueles profissionais que tomam decisões que influenciam o desenvolvimento do verde urbano, mas carecem de informações mais profundas sobre os valores e benefícios que as áreas verdes podem trazer ao ambiente urbano (por exemplo políticos, administradores municipais, etc.). Este módulo, concebido como uma aplicação HTML interativa, funciona em programas de navegação comuns, tanto em Windows® e Mac®, e pode ser usado durante seminários, cursos e oficinas de treinamento, bem como por grupos de discussão.
- O City Profile é um questionário projetado para coletar dados sobre a estrutura geral e da organização de uma cidade com relação à provisão de áreas verdes. Aqui estão compiladas as características ambientais, físicas, constitucionais, institucionais e operacionais da cidade. O conhecimento destas características é imprescindível para a compreensão do sistema local, o que é particularmente útil para entender como o sistema nos domínios do planejamento territorial e na administração urbana é estruturado e de que maneira funciona. O City Profile, uma vez compilado, permite uma autoavaliação, que servirá de base para a estratégia para as áreas verdes e para toda as intervenções nestes espaços. Os dados coletados pelo City Profile, junto com os do Green Space Site Profile, podem ser armazenados no Green Database (banco de dados). Veja abaixo.
- A Strategy Developing Tool foi projetada para auxiliar as autoridades administrativas envolvidas na organização, desenvolvimento, formulação e implementação de uma estratégia para as áreas verdes. Ela serve como guia para dirigir o processo e inclui dois elementos: 1) o ‘Strategy Development Guide' propõe uma estrutura de trabalho e fornece a descrição e exemplos dos elementos do modelo, e 2) uma ‘Overview Table’, para uma visão rápida.
- A Strategy Developing Monitoring Table é um suporte para monitorar o processo de desenvolvimento da estratégia. A sua finalidade principal é verificar e controlar o processo, considerando parâmetros como tempo e conteúdo. Com a tabela obtém-se uma visão global e rápida da situação, do progresso feito, das fases atingidas. Esta visão pode ser apresentada a políticos e ao público, visando ganhar assim o respaldo necessário para obter-se uma estratégia robusta e sustentável.
- O Tool for Public Perceptions and Attitudes towards Urban Green Spaces é um questionário para coletar dados (incluindo aspectos econômicos do verde urbano), opiniões e sugestões dos habitantes sobre áreas verdes existentes. Ele explora atitudes de usos das áreas verdes e outros aspectos acerca do financiamento, manutenção e expansão destas. Estar ciente das opiniões dos usuários é importante, porque essas podem servir de base para a formulação ou a reorientação de políticas relevantes ao verde urbano.
- O Maintenance Guideline serve como referência, orientação e suporte para permitir a criação de estratégias e métodos para a manutenção dos espaços verdes. Nesse guia, estão destacados os aspectos chaves que têm impacto na gestão dos espaços e um número de questões em que é necessário pensar-se quando da formulação de estratégias de manutenção das áreas verdes.
- O Green Space Site Profile é um questionário projetado para auxiliar na organização, monitoramento e avaliação da intervenção em uma área verde nova ou na melhoria de um espaço existente. Ele contém, além da descrição das características do projeto em questão, outras questões sobre o processo de sua implementação e execução, facilitando a avaliação das condições.
- O Green Database é uma aplicação (banco de dados) à base do software Microsoft Access, que incorpora as questões levantadas nos questionários City Profile e Green Space Site Profile. Este permite a elaboração sistemática e eficaz de dados, facilitando uma busca rápida e a produção de informação correlatas, em forma de tabelas e/ou relatórios. A combinação de informações pode ocorrer sobre diferentes projetos, bem como sobre um único projeto, em diferentes períodos de tempo.
- O GreenKeys Monitoring System é um dispositivo para monitorar e controlar uma intervenção (p.ex. execução de uma nova ou melhoria de uma área já existente), e é apropriado para tornar mudanças visíveis. Com 32 indicadores numéricos simples e mensuráveis, este instrumento é de fácil aplicação, e suporta o autocontrole dos objetivos e metas estabelecidos. Desta maneira, além de determinar o progresso também há a possibilidade detectar discrepâncias com antecedência.
As ferramentas City Profile, Maintenance Guideline, Tool for Public Perceptions and Attitudes towards Urban Green Spaces e Green Space Site Profile estão disponíveis em duas versões, a primeira em formato pdf; que permite somente o preenchimento de dados, e em formato MS Word, que permite a adaptação a cada necessidade, quando for o caso. A tabela Strategy Developing Monitoring Table está disponível em duas versões do MS Word. A primeira, como um formulário, onde dados coletados são preenchidos, e a segunda, como fichário, permitindo assim a sua fácil adaptação a diferentes necessidades.
Apoiando a aprendizagem na prática - execução dos projetos-piloto
Seguindo o objetivo dois do projeto, a fim de beneficiar diretamente a população e o ambiente local, foi executado em todas as cidades um projeto piloto. O objetivo aqui era criar a oportunidade para a aplicação de novas ideias ou introduzir novos métodos. Junto com atores locais interessados, as cidades criaram áreas verdes novas ou intervieram em áreas existentes, sempre com atenção voltada às exigências sociais, ecológicas e econômicas.
Exemplos para projetos piloto são:
- Reabilitação de áreas residenciais, melhorando espaços verdes (Xanthi, Budapeste);
- Criação de novas possibilidades para recreação e práticas desportivas em áreas verdes (Volos, Giulianova, Sanok);
- Reutilização de espaços urbanizados e obsoletos, transformando-os em áreas verdes (Leipzig, Nova Gorica);
- Reconstrução de locais históricos (Dresden, Kotel); e
- Ampliação de um jardim botânico com plantas endêmicas (Bydgoszcz), bem como a melhoria de espaços privados com vegetação nativa (Halandri).
Esses projetos piloto foram executados com objetivos combinados: entre tantos, deve-se mencionar o fato de propiciar espaços mais agradáveis para a recreação, desportos e oportunidades de lazer ao ar livre, aumentar a acessibilidade e possibilidade de uso dos espaços, especialmente proporcionando equipamentos para grupos de usuários com necessidades especiais, como idosos, crianças ou adolescentes. Outros objetivos foram incrementar atividades educacionais e/ou culturais e, na maior parte nos casos, melhorar a segurança no uso dos espaços. Comum em todos os projetos piloto foi a participação pública, com o intuito de aumentar a conscientização e reforçar os tecidos sociais. Envolver atores é uma atividade complexa e em muitas cidades faltava qualquer experiência neste campo. Por isso, no Projeto GreenKeys, ela teve que ser intensivamente incentivada.
Mesmo com a provisão de incentivos (orçamento e transferência de know-how) a execução dos projetos piloto nem sempre ocorreu sem problemas ou imprevistos. As situações mais frequentes, classificadas de acordo com a ocorrência, foram:
- Participação pública limitada ou restrita a algumas fases da implementação do projeto piloto;
- Falta de cooperação entre os órgãos e departamentos da administração com responsabilidade e/ou participação no projeto piloto;
- Planejamento insuficiente e/ou gerência deficiente, agravados especialmente pela falta de cooperação entre os diferentes órgãos;
- Recursos humanos insuficientes e tarefas adicionais não programadas;
- Complicações burocráticas e/ou legais, causando atrasos;
- Falta de sustentação política;
- Incidentes de vandalismo;
- Financiamento insuficiente - cada cidade teve um orçamento próprio exclusivo para a execução de seu projeto piloto oferecido pela Comunidade Europeia. Entretanto, este orçamento deveria ser complementado com meios próprios - chamado cofinanciamento, normalmente de 15 a 25% do montante previsto. Disponibilizar esse cofinanciamento se tornou em algumas cidades bastante problemático.
Um aspecto importante na participação pública refere-se à identificação precisa de quem e como envolvê-los, isto é, a análise dos atores e de seus interesses. É necessário saber quem compartilha conhecimento e interesse nas áreas verdes urbanas. Em GreenKeys, o envolvimento de atores nas diferentes fases do projeto induziu a uma maior aceitação dos projetos piloto. As experiências mostram que as partes interessadas devem ser munidas de visão clara e compartilhada, com objetivos realizáveis e indicadores de desempenho para assegurar o sucesso.
Além do Projeto GreenKeys
Acredita-se que com todos os resultados obtidos por GreenKeys, em particular as melhorias feitas com a execução dos projetos piloto nas doze diferentes cidades, a criação do processo de formulação e consulta pública para as estratégias das áreas verdes, o conhecimento e experiência ganhos e transferidos, importante suporte foi criado, assim como a conscientização e o interesse foram aumentados, para permitir às administrações públicas tratarem suas áreas verdes de uma maneira prática e eficiente.
A metodologia e as ferramentas propostas por GreenKeys, embora desenvolvidas com base de exemplos da Europa, podem ser utilizadas em quaisquer cidades e são recomendadas como meios de identificar os agentes locais e de estabelecer uma abordagem ampla para desenvolver, adotar e monitorar a execução de estratégias dedicadas às áreas verdes urbanas. Através desta metodologia, GreenKeys dá suporte à criação de uma visão compartilhada para desenvolver uma identidade forte e sustentável ao futuro de nossas cidades.
Os resultados do projeto estão compilados no manual GreenKeys @ Your City – A Guide for Urban Green Quality, que foi elaborado no intuito de tornar-se uma fonte de inspiração, seguindo a filosofia do projeto: Melhorar o espaço verde é um compromisso de todos e um investimento no futuro. O Manual, bem como todas as ferramentas desenvolvidas, podem ser baixadas no site do projeto: www.greenkeys-project.net.
notas
[Este trabalho é adaptado de Smaniotto Costa, Carlos; Šuklje Erjavec, Ina; “The GreenKeys Approach to Urban Green Space Development”. Conference: Urban Green Spaces - a Key for Sustainable Cities. Sofia, Bulgaria, de 17 a 18 de abril de 2008]
1
United Nations Population Fund. State of the world population 2007: Unleashing the Potential of Urban Growth. New York, 2007
2
O conceito de endless city foi consagrado pelos editores Ricky Burdett e Deyan Sudjic no livro publicado com o mesmo nome em 2008. Eles consideram endless cities aquelas áreas metropolitanas que se alastram infinitamente num eterno sprawl.
3
URGE-Team. “Making Greener Cities – A Practical Guide”. UFZ-Bericht, n. 8 (Stadtökologische Forschungen, n. 37). Leipzig, 2004.
4
Os nomes das cidades aqui usados referem-se ao(s) departamento(s) que participaram ativamente no projeto.
5
O Programa Interreg é uma iniciativa comunitária que visa estimular a cooperação inter-regional na União Europeia. Financiado no âmbito do Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional (FEDER) o programa promove ações de cooperação trans fronteiriça, tais como projetos de infraestrutura, a cooperação entre empresas públicas, ações conjuntas nos domínios de proteção ambiental, educação, planejamento territorial e cultura. III corresponde ao terceiro período de fomento (2000-2006) – atualmente período IV de 2007-2013 e A corresponde a projetos de cooperação trans fronteiriça, B a cooperação transnacional e C a cooperação inter-region. Veja: <http://ec.europa.eu/regional_policy/index_en.htm>.
6
A lista dos benefícios e funções é bastante extensa. Maiores detalhes podem ser vistos no manual do Projecto GreenKeys: GreenKeys @ Your City - A Guide for Urban Green Quality. Na página 10 estão mencionados os mais significativos, bem como outras sugestões de literatura. SMANIOTTO COSTA, Carlos. Ökonomische Argumente für Grünflächenentwicklung. Stadt + Grün 2, p. 13-19, 2007, traz uma lista de benefícios econômicos que áreas verdes podem gerar ao ambiente urbano.
7
de Vries; René. Benefits of Green Space for Physical Activity in Adults. 2007 <http://www.nwph.net/publications>
8
Barber, Alan. Green Future - A Study of the Management of Multifunctional Urban Green Spaces in England. Londres, Green Space Forum. 2005.
9
Para aumentar o intercâmbio de conhecimentos e a transferência de know-how, GreenKeys organizou como um evento de encerramento uma conferência internacional intitulada Espaços Verdes Urbanos – um elemento chave para cidades sustentáveis. Esta conferência ocorreu em Sófia em abril de 2008 e contou com 170 participantes de vários países europeus. Na Conferência, os resultados e as ferramentas desenvolvidas pelo projeto foram apresentados e discutidos, bem como as estratégias para os espaços verdes e os projetos piloto. Outras experiências e projetos de toda a Europa foram coletados e ordenados em um anal, que está disponível para download no site da Conferência: <http://www.greenkeys-project.net/en/conference.html>.
10
Esta definição foi fundamentada em trabalhos realizados pela Commission of Architecture and Built Environment - CABE Space britânica <http://www.cabespace.org.uk>, que conta com uma larga experiência na implementação de estratégias voltadas aos espaços verdes. CABE Space e GreenKeys cooperaram.
11
Aqui devem ser citados o PPG 17 (Planning Policy Guidance Note 17: ‘Open Space, Sport and Recreation’), editado pelo gabinete do Primeiro Ministro Britânico e trabalhos do CABE Space. Green Space Strategies – making the most of your parks and green spaces. Londres, 2004.
sobre o autor
Carlos Smaniotto Costa (PhD) é graduado e doutorado em Arquitetura da Paisagem e Planejamento Ambiental pela Universidade de Hannover/Alemanha. Além de realizar vários projetos paisagísticos, ocupa-se como pesquisador com questões de desenvolvimento urbano sustentável, estratégias para a integração de espaços livres e preservação da natureza, e transformação da paisagem no contexto urbano. É professor, com atuação em ensino e pesquisa nos cursos de pós-graduação em Urbanismo da Universidade Lusófona em Lisboa