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architexts ISSN 1809-6298

abstracts

português
Esse artigo busca fazer uma análise dos parques urbanos ao longo da história, suas transformações e permanências, além de sua condição como espaço público.

english
This article analyzes the urban parks along the history, the transformations and continuities, in addition to their condition as a public space.

español
Este artículo busca analizar los parques urbanos a lo largo de la historia, sus transformaciones y permanencias, además de su condición de espacio público.


how to quote

ALBUQUERQUE, Mariana Zerbone Alves de. Parques urbanos. Transformações e permanências ao longo da história. Arquitextos, São Paulo, ano 21, n. 247.03, Vitruvius, dez. 2020 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/21.247/7960>.

Central Park, Nova York. Arquiteto paisagista Frederick Law Olmsted
Foto Patrick Gruban [Wikimedia Commons]

Os espaços públicos apresentam-se como elementos importantes na dinâmica urbana por possuírem funções sociais peculiares no espaço da cidade, funções essas que se transformaram ao longo do tempo. Os parques urbanos possuem uma centralidade na discussão sobre espaço público na contemporaneidade por se caracterizarem como espaços de lazer, contemplação, amenidades, principalmente em áreas de adensamento urbano. Partindo dessa premissa, esse artigo busca fazer uma análise das transformações das formas e funções dos parques urbanos desde sua criação até a concepção de parque em cidades capitalistas.

Os parques urbanos se enquadram como a tipologia mais recente de espaço público, e se reconfiguraram ao longo do tempo de acordo com os interesses e as estruturas políticas e sociais das sociedades relacionadas. Como afirma Milton Santos, “para estudar o espaço, cumpre aprender sua relação com a sociedade, pois é essa que dita a compreensão dos efeitos dos processos [tempo e mudança] e especifica as noções de forma, função e estrutura, elementos fundamentais para nossa compreensão da produção do espaço” (1).

No entanto, para analisar as transformações das formas e das funções dos parques urbanos, foi preciso realizar uma reflexão acerca da concepção de espaço público em diferentes contextos históricos, visto que os parques urbanos se enquadram como uma tipologia de espaço público. Compreender que o espaço público tem uma origem remota, na Grécia antiga, é o ponto de partida para essa análise, contudo os usos, as formas e a compreensão do espaço público vão sendo cambiados ao passo que as cidades se transformam, pois como afirma Lewis Mumford “as dimensões físicas e o alcance humano da cidade estão mudados; e a maior parte das funções e estruturas internas da cidade tem de ser refundida, a fim de promover eficientemente as finalidades maiores que hão de ser servidas” (2).

Neste artigo não se parte da ideia de evolução da cidade ou dos espaços públicos que a compõem, mas sim do que afirma Ana Fani A. Carlos que “existem condições históricas específicas que explicam o surgimento da cidade e suas diferenciações” visto que a cidade é produto do trabalho humano em um sítio específico, influenciado por questões estruturais, sociais, econômicas, políticas, naturais e culturais (3). A autora reafirma essa ideia quando diz que “A história da paisagem urbana mostra os sinais do tempo que nela impregna suas profundas marcas. O mundo é produto do homem, da sociedade e, portanto, o espaço produzido em cada momento será concretamente diferenciado" (4).

O que se percebe é que termos como cidade, espaço público, parque urbano transpassam gerações e estruturas sociais, mas os conceitos e concepções desses espaços se modificam de acordo com os arranjos sociais temporalmente e socialmente. Como afirma Paulo César da Costa Gomes, “tudo muda, a forma física, sua estrutura, seus valores, sua dinâmica, também as práticas sociais, os usos, a estrutura de poder e prestígio social etc.” (5). Raymond Williams afirma que a realidade histórica é variada, e “o que há em comum entre as cidades antigas e medievais e as metrópoles e conurbações modernas é o nome e em parte a função – mas não há em absoluto relação de identidade” (6). O mesmo pode ser dito em relação ao espaço público e aos parques urbanos, pois são partes dessa cidade que se modifica ao longo do tempo.

Os espaços públicos ao longo do tempo

A origem dos espaços públicos se deu na Grécia Antiga, em função da reforma política de Clístenes, surgindo contemporaneamente à democracia grega. Com a reforma houve a substituição da representação política baseada nas tribos gentílicas por uma representação de base espacial, refletindo-se em uma divisão territorial, surgindo assim uma nova categoria do espaço, o espaço público, lugar da nova ordem mundial (7).

Com o desenvolvimento da democracia nas cidades-estado da Grécia, aparecem aí novos elementos urbanísticos que denunciam uma participação muito maior do povo nos assuntos da comunidade. Além dos templos, que representavam para os gregos o cume do seu mundo espiritual, e o maior orgulho da sua criação artística, surgem na cidade vários edifícios dedicados ao bem público e ao desenvolvimento da democracia, geralmente situados à volta da ágora ou praça pública, na qual, em princípio, se encontrava o mercado, e que passou a constituir o verdadeiro centro político da cidade (8).

Assim, na Grécia, o espaço público, representado principalmente pela Ágora era o lugar do reconhecimento da liberdade e da igualdade, condições que permitiam intervir na vida política da polis. João Carlos Correia (9) afirma que no espaço público grego, tal como é descrito por Hannah Arendt, havia uma clara divisão em relação ao mundo da domesticidade, ao universo privado e o espaço público, o qual identificava-se com a Ágora.

Á Ágora é considerada como a origem do espaço público, sendo este um espaço político e de manifestação da democracia, nos moldes da democracia grega deste período. A Ágora, como espaço livre e espaço do encontro político, é um elemento central na cidade denominada por cidade política.

Roma também se encaixa no conceito de cidade política definido por Henri Lefebvre (10) e tem como sua principal referência de espaço público o Foro Romano. Fernando Chueca Goitia (11) afirma que o Foro da antiga Roma foi originalmente um setor da cidade aberto a reuniões públicas. Segundo Lewis Mumford, o Foro era “equivalente romano da acrópole e da ágora, concebidos como uma só coisa” (12). Posteriormente, construíram-se mercados e templos nessa área e passou a ser o centro do governo. A vida na civitas, no espaço público, era uma exigência da liberdade. Se no privado as relações se davam em planos desiguais, no público visava-se à igualdade (13).

A cidade medieval na Europa vai produzir outras formas e funções para os espaços públicos, distinguindo-se da concepção de espaço público construída na Antiguidade tanto na Grécia como em Roma. Este tipo de cidade aparece no início do século 11, porém torna-se mais evidente principalmente nos séculos 12 e 13. Até esse momento a organização feudal e agrária domina completamente. Na Idade Média, o espaço público não exercia tanta força e centralidade na organização das cidades. Público referia-se a questões de interesse geral e, concretamente, a matérias relacionadas com a Administração e o Estado. Segundo Marco António Antunes (14), na Idade Média, senhorial e público eram sinônimos. Publicar significava, sobretudo, requisitar para o senhor.

Referindo-se ao período feudal, Leonardo Benévolo destaca que “a cidade da baixa idade média, quanto forma física do organismo urbano espelha imediatamente a forma política da cidade-Estado; [...] onde os caracteres físicos são examinados em estreita conexão com os caracteres econômicos, sociais e administrativos” (15). Os espaços públicos neste período são fruto de uma organicidade, emaranhados de estradas e praças medievais, em que as formas se relacionam diretamente com a natureza do sítio e são construídas de acordo com o uso, sejam os espaços cívicos ou de convivência comunitária.

O espaço público nas cidades medievais não vai seguir a lógica da cidade política, pois houve uma mudança de estrutura política e social que resultou em arranjos distintos dos existentes na antiguidade. Na alta idade média o espaço público passou a ser o local que proporcionava o acesso, em campo aberto, à fonte e à praça do mercado, o que caracteriza esta como cidade mercantil.

Na Idade Média, com a mudança de estrutura política e social onde a ordem agrícola é central, desapareceu a preocupação com o planejamento de cidades como acontecera na antiguidade. Porém, com os preceitos do Renascimento, o planejamento urbano é retomado, especialmente na Itália, e com o empoderamento da burguesia, o Estado assume-se como organizador do mercantilismo.

Paulo Cesar da Costa Gomes (16), ao analisar as “cidades renascentistas” observa que muitas vezes se vê exposto o raciocínio de que as “Cidades do Príncipe”, o seja as cidades pensadas pelos reis absolutistas, são constituídas pelo espetáculo da potência, ou seja, reformadas e redefinidas, constituindo o arranjo necessário para criar uma nova relação social do poder. Esses arranjos eram pautados no radiocentrismo dos planos urbanos, onde um conjunto de vias são construídas convergindo a um núcleo central, nestes casos, evidenciando os palácios renascentistas, o que determinava especialmente uma relação de hierarquia e interdependência no âmbito urbano a partir da organização espacial. A relativa uniformidade do espaço cria as condições para que socialmente as antigas hierarquias sejam dissolvidas em um novo desenho da cidade, mais geométrico e mais polarizado. É importante destacar que nesse momento os jardins passam a ser importantes representantes de espaço público, tanto na França quanto na Itália, porém a um público restrito ligado à aristocracia que se estendeu à cidade barroca.

A produção de conhecimento com o desenvolvimento da ciência, as novas tecnologias produzidas, o rearranjo político e econômico nos séculos 17 e 18 proporcionaram novas relações sociais e espaços de conivência, os quais interferiram nas dinâmicas das cidades e nas inter-relações entre os citadinos e o uso dos espaços públicos. Segundo João Carlos Correia (17), o termo público significava a existência de um espaço de discussão crítica operado nos salões, cafés, clubes e na imprensa (consequentemente, assiste-se ao surgimento e tematização da opinião pública). Desta forma, no espaço público iluminista, pensado por Habermas, verifica-se uma relativa articulação entre o público e o privado, já que os próprios espaços de reunião dos públicos passam pelo próprio interior das casas, em volta dos salões.

A revolução industrial proporcionou uma modificação fundamental nas cidades nos tempos modernos. Segundo Fernando Chueca Goitia (18), esta revolução deixou as cidades desarmadas perante a tirania dos instrumentos de produção. As fábricas tornaram-se donas e senhoras do solo urbano e suburbano. As cidades industriais tomaram formas e características diferentes nos vários países, mas todos tinham em comum uma realidade fria e atroz, e uma grande densidade na ocupação do terreno, prescindindo-se de espaços livres e pátios. Henri Lefebvre (19) ao analisar a cidade industrial a entende como a não-cidade e a anti-cidade que “vão conquistar a cidade, penetrá-la e fazê-la explodir, e com isso estendê-la desmesuradamente, levando à urbanização da sociedade”, e continuando ele afirma que esta cidade “se povoa com os signos do urbano na dissolução da urbanidade; torna-se estipulação, ordem repressiva, inscrição por sinais, códigos sumários de circulação e de referência”.

O espaço público no século 19 foi bastante renegado em função da Revolução Industrial. Não havia uma relação social intensa entre a maioria dos habitantes das cidades, pois estes tinham apenas a função de produzir. Os trabalhadores moravam em bairros operários, construídos em virtude da necessidade de albergar a mão de obra, onde se desenvolveram condições de vida verdadeiramente ínfimas (20).

Ao lado da cidade industrial levanta-se a cidade burguesa liberal. Em contraposição às trevas do centro industrial, surgiam grandes avenidas de luz, praças ornamentadas, grandiosos edifícios, palacetes e zonas residenciais. A cidade nesse período, segundo Fernando Chueca Goitia (21), é marcada pela dicotomia trevas-luzes, referente à diferenciação das classes sociais, burguesia e proletariado.

O século 19 foi pródigo em buscar soluções radicais para a cidade e a sociedade e não era para menos, tendo em vista a má qualidade da vida urbana, principalmente na Inglaterra. Houve industriais que acharam que tinham que corrigir os males de que havia sido a causa, propondo a cidade-jardim nos subúrbios, baseada no zoneamento funcional e muito verde, além da limitação da população. O subúrbio passou a ser o local de refúgio para os que podiam “se proteger” das mazelas dos centros urbanos. Ao falar dos subúrbios, Lewis Mumford afirma que “a vida no campo parecia a melhor, e quanto mais se afastava da cidade, mas se ganhava em saúde, liberdade, independência. A maior parte dos salubres caracteres dos subúrbios do século 19 fora, na verdade, incorporada à pequena cidade” (22).

Neste período a dicotômica presença e ausência de espaço públicos evidencia a cidade hierarquizada em classes sociais distintas, lutando por espaços, repleta de símbolos e normas de conduta para poder usá-la. Nos centros caóticos a ausência de espaços de convivência, e nos subúrbios da elite espaços aprazíveis com redutos de natureza e tranquilidade. O espaço público passa a ser um elemento indispensável e contraditório da cidade capitalista. Indispensável, pois a estrutura dos espaços públicos, principalmente o sistema viário, é centralizada na lógica de circulação de mercadorias e pessoas no espaço urbano, e contraditório pois os espaços públicos voltados ao lazer contribuem com a hierarquização de uma sociedade de classes, onde o acesso é limitado a algumas parcelas da sociedade, corroborado para a segregação espacial urbana.

Essa lógica industrial vai conduzir as diretrizes que irão configurar a cidade moderna no final do século 19. Este entendimento de cidade tem sua centralidade na Paris do século 19, tendo como viés a ideia da “destruição criativa”, ou seja, a antiga estrutura urbana passa a ser destruída em função da implementação de um novo modelo de cidade, também pautado em uma nova estrutura de sociedade, como base na concepção de modernidade. Segundo David Harvey, “em 1848, algo muito dramático aconteceu na Europa em geral, particularmente em Paris. [...] Antes havia uma visão urbana que no máximo arranhava os problemas da infraestrutura urbana medieval; depois veio Haussmann, que coagiu a cidade a assumir a modernidade” (23).

É no século 19 que o espaço público reassume uma centralidade na dinâmica de uma nova configuração de cidade, tanto nas relações sociais cotidianas, como nas relações de poder que se estabelecem espacialmente. É neste momento, frente a esta ideia de espaço público, que os parques aparecem como elementos de grande relevância nestas novas propostas de cidades, como será analisado no tópico seguinte.

Parques urbanos: de espaços privados a espaços públicos

A história dos parques se confunde com a história dos jardins renascentistas, os quais foram inspiração para criação dos parques na Europa, em especial na Inglaterra. Estes espaços se destacaram em meio às novas ideias paisagísticas, principalmente em países como a Itália, França e Inglaterra. Os jardins ingleses acabaram dando origem aos parques e jardins públicos que tiveram por finalidade refrescar as áreas urbanas. Estes parques inicialmente estavam diretamente relacionados com as reservas de caças inglesas, localizados no entorno dos palácios rurais. A palavra “parque”, como a palavra “floresta”, foi usada originalmente na Inglaterra para identificar uma área privada, em que os ricos, em especial os monarcas, mantinham animais para a caça (24).

A transição da reserva de caça para o parque com tratamento paisagístico não é fácil de localizar no tempo. Há exemplos dos séculos 16 e 17, mas a transformação sistemática se dá basicamente no século 18 em diante. Londres, no século 18, era cercado por muitas áreas privadas para a contemplação. Este projeto se deve às ideias românticas de um arcadismo e de exposição de riqueza. Lewis Mumford afirma que “água e ar puro, fuga aos ásperos ruídos humanos, extensões abertas para cavalgar, caçar, praticar o arco, caminhar pelo campo – tais são as qualidades que a aristocracia sempre apreciou em toda parte” (25).

Com a criação dos subúrbios modernos no século 13 na Inglaterra, o parque paisagístico passou a ser concebido para recreação. Foi nesse sentido que os campos de caça passaram a ter um tratamento paisagístico, com a finalidade de construir lugares de contemplação, onde a natureza representa o belo. Trata-se de uma natureza manipulada pelo homem, e não mais um elemento natural e espontâneo. O que estava sendo feito por essa nova classe, com um novo capital, novos equipamentos e novos especialistas contratados, era, de fato, uma reposição da “natureza” de modo a adaptá-la a seu ponto de vista. Estes de fato eram espaços privados, divergindo da concepção atual de parque urbano como espaço público.

No século 18, o significado da palavra parque foi ampliado e modificado gradualmente para compreender uma parte de terra cercada, utilizada para alguma finalidade recreativa, podendo ser parques nacionais, de lazer, ou de contemplação. Os mais abastados eram acostumados a usar parques para todos os tipos de finalidades sociais.

No começo do século 19, as novas cidades da Grã-Bretanha pareciam o caos. As pessoas comuns tinham sido forçadas a sair das suas terras, e se refugiaram nos centros urbanos, trabalhando intensamente, sem direito ao lazer. Em contraponto, pode-se mesmo dizer que os parques construídos no século 18 constituem o ápice da arte rural burguesa, não estando presentes na paisagem urbana neste momento, mas sim suburbana, cercando as cidades.

Contudo, no final do século 19, ainda na Inglaterra, cria-se uma nova concepção de parque, mais acessível à população que vivia nos centros urbanos. Estes parques tinham a recreação como principal função, com o intuito de minimizar os conflitos sociais urbanos gerados pelas péssimas condições de trabalho e salubridade. A partir de 1839, segundo Katy Layton-Jones (26), foram criados os primeiros parques públicos urbanos, como o Victoria Park, construído em 1845 em Londres, o qual passou a servir de modelo para a construção de um outro tipo de parque, diferente dos parques suburbanos. A ideia do Victoria Park serviu modelo para a criação de parques públicos em toda parte da Inglaterra, que teve como incentivo para essa ampliação a lei de espaços abertos de 1877 que incentivava a expansão de áreas verdes nos centros urbanos (27). Por volta de 1900, em quase cada cidade surgiu ao menos um, os quais passaram a ser de uso principalmente da população local. Neste momento, seguindo a expansão dos parques urbanos na Inglaterra, houve um impulso para o surgimento destes em diversos países.

Seguindo os moldes do Victoria Park, no final do século 19, nos Estados Unidos, terá início a concepção de parque urbano numa perspectiva mais popular. Não que a intenção fosse pensar diretamente em melhores condições para a classe trabalhadora, mas sim para que os trabalhadores pudessem se recuperar da fadiga causada pela rotina no emprego e passassem a ter mais disposição para o trabalho.

Nas últimas décadas do século 19, americanos olhando suas próprias cidades perceberam que necessitavam de parques para criar amenidades no espaço urbano. Eles obtiveram inicialmente seu conceito de parque urbano de soluções tradicionais, com base no estilo inglês, porém passaram a inserir outros elementos paisagísticos e de circulação, como portões ornamentais, jardins formais e áreas de recreação como campos de baseball (28). Diferente dos parques ingleses, estes passaram a ser construídos nos centros urbanos, como uma tentativa de democratização desses espaços. Mas segundo Roy Rosenzweig e Elizabeth Blackmar (29), vários interesses motivaram o início da construção de parques, principalmente em Nova York, tais como gerar lucro, redefinição das classes sociais, exaltar o culto a cidade e ampliar a valorização imobiliária.

O exemplo que serviu de modelo para vários outros parques que foram construídos nos Estados Unidos foi o Central Park de Nova York. Uma obra com objetivos bem definidos, de contemplação, recreação e prática de esportes, desenvolvida por Frederick Law Olmsted.

Apesar desse parque estar localizado no centro da cidade de Nova York, este ainda se configurava como uma área elitizada, por ser de difícil acesso à classe trabalhadora que tinha suas habitações distantes do centro. De acordo com Rosenzweig e Blackmar (30), regras formais e prescritas controlavam o acesso ao Central Park, além de que regras informais e códigos de condutas sociais podiam determinar quais grupos sociais poderiam usar o parque e quais eram ou não benvindos. A pessoas teriam que saber se comportar de forma “apropriada” nesses espaços. A ideia de parque público não se referia a ser aberto a todos, mas sim uma área de propriedade e responsabilidade a gestão pública.

Em meados do século 19 emerge o movimento americano dos parques chamado The Reform Park, que teve início com o movimento para implantação de parques no interior das cidades, chamado de Small Parks Movement. Este movimento foi marcado por quatro períodos: jardins contemplativos, parques de vizinhança, áreas de facilidade recreativa e o sistema de espaços livres (31).

O modelo dos Jardins Contemplativos, pautado no modelo do Central Park, prevaleceu por um período de cinquenta anos, que compreende 1850 a 1900. Os reformistas transcendentalistas eram a favor de lugares extensos, abertos, verdes a fim de introduzir a população aos cenários naturais, as quais dão relevância aos rigores de seus trabalhos.

Os jardins contemplativos estavam sempre localizados na borda da cidade onde a terra era mais barata, mas a posição periférica foi considerada também como uma maneira de se distanciar da vida da cidade, e além disto, os projetistas discutiam que os parques em uma outra paisagem quebrariam a ilusão bucólica (32). Contudo, de acordo com Rosenzweig e Blackmar (33), este tipo de espaço público continuava restrito a parcela mais abastada da população, principalmente porque a classe trabalhadora tinha que percorrer um grande trajeto para poder chegar a essas localidades.

Posteriormente aos jardins contemplativos surgiu um novo momento dos parques no contexto americano, de 1900 a 1930, chamado de Parques de Vizinhança. Esse modelo é conectado ao movimento modernista, responsável pela criação do playground, com foco no estilo utilitário da paisagem (34). De acordo com Rosenzweig e Blackmar (35) esse movimento foi resultado de uma demanda popular, organizada politicamente por imigrantes e pela classe trabalhadora que queria ter acesso a espaços públicos de recreação nas proximidades de suas residências. Estes grupos pressionaram os planejadores e o poder público solicitando áreas recreativas em seus bairros. Neste período discutiu-se que as necessidades recreativas deveriam ser encontradas diariamente em locais próximos, ao invés da realização de excursões ocasionais para os subúrbios da cidade. A ampliação da concepção de parque, deixando de ser compreendido apenas como jardim de contemplação, mas incluindo novas tipologias como o playground, com os parques de vizinhança, marcou a mudança mais afiada na história americana dos parques até esse ponto.

Galen Cranz (36) afirma que o parque típico da vizinhança era um bloco quadrado ou dois, cercado pelas habitações. Os trajetos no parque da reforma eram retos e em ângulos perfeitos. As estruturas dos parques se assemelham às fábricas adjacentes, edifícios residenciais, e aos edifícios comerciais. Os playgrounds e as quadras esportivas ladeiam o edifício em lotes retangulares. A única restrição para seu uso era o tamanho da área. A grama foi suprimida pela areia, pelos blocos de cimento, e pelos edifícios. Sua posição nos distritos residenciais e a ênfase no exercício físico, na supervisão, e na organização indicam uma aceitação da cultura industrial e de um esforço de racionalização, além de ser uma ferramenta de controle social.

Nos anos 30 do século 20, os administradores abandonaram os esforços idealistas de usar os parques como um mecanismo da reforma social. A recreação foi aceita como uma função municipal e uma instituição estabelecida, melhor que um movimento de reforma. O uso frequente do termo "recreação" veio para servir a todos os grupos de todas as idades, não apenas para as crianças nos ‘playgrounds’. Esta foi uma importante ruptura entre o parque do ‘playground’ e a instalação recreativa emergente. Este novo período “Áreas de Facilidade Recreativa” se estende de 1930 a 1965 (37).

A estandardização da estrutura organizacional, do projeto do parque, e da programação prosseguiu rapidamente nesta época. A fim de economizar recursos financeiros, as plantas do playground foram duplicadas, sem levar em consideração às diferenças em relação à topografia ou às singularidades do local. O equipamento de ginástica, as mesas de piquenique, arquibancadas, e mesmo os centros de recreação foram requisitados em quantidades múltiplas (38). Transformou-se uma tomada singular, com a intenção altamente utilitária.

Dos anos 30 do século 20 aos anos 60, o lado social e os aspectos paisagísticos dos parques de vizinhança desapareceram gradualmente. Sua finalidade original foi esquecida, talvez influenciado pelo sucesso de áreas que forneciam o divertimento para as massas. Tendeu-se a transformar as áreas de esportes e os jogos, em função da facilidade da manutenção, até mesmo as áreas foram cobertas frequentemente com asfalto.

Nos anos sessenta, quando as classes médias estavam saindo dos centros das cidades, os parques passaram a serem percebidos como sendo inseguros e negligenciados. O estigma de parques como locais violentos foi intensificado, pois outras territorialidades se estabeleceram nessas áreas, como encontro de gangues, tráfico de drogas e zona de prostituição (39).

Segundo Galen Cranz (40), após 1965, algum sentimento sobre a importância dos parques, estritamente definido, diminuiu, quando as ideias sobre o significado do espaço livre e verde recolheram a força do novo conceito em que os parques, as ruas, as praças e os lotes vazios faziam partes de um sistema contínuo. Os cidadãos e os profissionais viram todos os espaços não-construídos como fontes físicas potenciais relevantes. Com isto surge o momento do Sistema de Espaços Livres. Boston abriu caminho à ideia do sistema de parques metropolitanos que ligava parques cruzando a cidade com as avenidas e os bulevares, sendo modelo para outras cidades americanas. O novo tipo do parque tinha como característica principal os ambientes livres, enquanto que os equipamentos de ginástica foram abandonados. As formas eram extremamente resistentes, tinham poucas peças móveis, e eram não eram destruídas facilmente, além de uma manutenção mais barata.

Na década de 1970, com o surgimento de uma preocupação ecológica, os parques voltaram a ser elementos indispensáveis no espaço urbano, como espaço verde, ou seja, um reduto de natureza nos centros urbanos. Segundo Katy Layton-Jones (41), essa nova preocupação ajuda na difusão de (re)construção e preservação de áreas verdes em cidades, principalmente nas grandes metrópoles. Deste modo, o que menos passou a importar foi a forma arquitetônica dos parques, mas sim sua função “ecológica” nas áreas urbanas, retomando a visão idílica de tranquilidade e refúgio. Segundo Walnyce Scalise (42), “Com o emergir do movimento ecológico, reivindicações concretas se fazem sentir quanto à qualidade do ambiente urbano”.

Diante desta multiplicidade de tipologias de parques concebida principalmente nos Estados Unidos, o entendimento de parque inglês passou a não ser a única referência. Esse conceito, deste modo, foi se tornando polissêmico, sendo utilizado em diferentes configurações de espaços público, o que dificulta a identificação de uma unidade. Esses diferentes modelos passaram a ser replicados em diversos países, em diferentes formatos e formas arquitetônicas, mas na maioria das vezes com as funções ou de um reduto verde na área urbana, ou como espaços de recreação e contemplação. Como afirmam Karen Jones e John Wills (43), a ideia de parque é um conceito fluido e adaptável, existindo claramente mais de um tipo de parque.

O que se verifica é que o parque urbano se apresenta nos dias atuais como importante espaço público urbano, ainda baseado no lazer e na contemplação, entretanto com características específicas e distintas, de acordo com os interesses locais. Karen Jones e John Wills (44) afirmam que os parques têm funcionado ao longo da história como um paradigma para a recreação em contraponto aos problemas sociais, por evidenciar a área verde como um remédio natural para a alienação da civilização.

Considerações finais

O que se identifica deste apanhado, é que ao longo da história, o espaço público vai sendo percebido de acordo com a estrutura existente no momento e com os interesses dominantes. De forma recorrente e inevitavelmente dependente da estrutura dominante, o espaço está sempre ligado a três elementos, configuração espacial, poder e relações sociais, onde cada um desses possui mais relevância em um determinado momento da história. Na antiguidade o espaço público está mais relacionado ao poder, à determinação do poder, enquanto que na idade média o espaço público é o local das relações sociais e a partir do renascimento dar-se uma maior relevância a configuração espacial, ao planejamento urbanístico desses espaços. Mas em nenhum momento esses três elementos deixam de estar presentes, articulados dialeticamente, inclusive quando se trata especificamente dos parques urbanos.

Esta lógica de corresponder a estrutura de um momento e aos interesses dominantes também é perceptível ao fazer a análise dos parques urbanos. Observa-se que a lição mais importante na história dos parques é a que a forma sempre reflete os objetivos sociais imediatos, uma ideologia sobre a ordem e uma atitude subjacente para a cidade.

A história dos parques pode ser dividida em períodos, mas nenhum modelo desapareceu. Melhor dizendo, cada novidade emergiu ao lado de modelos já existentes, de modo que em algum dado momento, pode-se encontrar exemplos de diversos tipos, pois eles coexistem no espaço. Apesar dos parques urbanos serem hoje uma das principais referências do que se entende por espaço público e democrático, estes não foram idealizados como inicialmente como um espaço de acesso permitido a todos. Como foi possível identificar neste recorrido histórico, os parques urbanos se configuraram durante muito tempo como espaços restritos às classes mais abastadas, e não como locais destinados ou aberto ao público geral. A ideia de parque como espaço livre público só se estabelece no século 20, principalmente por pressão das classes excluídas desse processo.

Mesmo em pleno século 21, os parques, apesar de serem espaços de acesso livre, são dispostos na paisagem urbana como espaços de distinção, por se tratar de um elemento que proporciona amenidades em contraste com os demais espaços de fluxos e de trabalho que compõem a cidade. A apropriação e a simulação de natureza em áreas urbanas presentes nos parques tendem a agregar valor às mercadorias imobiliárias, o que contribui para a configuração social da ocupação das terras citadinas.

Tal como os espaços públicos, as concepções e os conceitos de parques são dinâmicos e específicos de uma realidade delimitada no tempo e no espaço, mas que se relacionam entre si entorno da natureza, contemplação e recreação. Contudo congelar um conceito ou um modelo arquitetônico não abarca a realidade e a relações internas e externas que constroem os diferentes arranjos socioespaciais de cada momento. De fato, na cidade capitalista o espaço público se configura como um espaço de luta de classes.

notas

1
SANTOS, Milton. Espaço e Método. São Paulo, Edusp, 2014. p. 67.

2
MUMFORD, Lewis. A cidade na história. São Paulo, Martins Fontes, 1998. p. 615

3
CARLOS, Ana Fani A. A cidade. São Paulo, Contexto, 2005. p. 57.

4
CARLOS, Ana Fani A. Op. cit., p. 58.

5
GOMES, Paulo César da Costa. A Condição Urbana. Rio de Janeiro, Bertrand Brasil, 2002. p. 21.

6
WILLIAMS, Raymond. O campo e a cidade. São Paulo, Cia das letras, 2011, p. 11

7
GOMES, Paulo Cesar da Costa. Op. cit.

8
GOITIA, Fernando Chueca. Breve História do Urbanismo. Lisboa, Presença, 1982.

9
CORREIA, João Carlos. Novos desafios ao espaço público. Beira Interior, Universidade da Beira Interior, 1999.

10
LEFEBVRE, Henri. A revolução urbana. Belo Horizonte, Editora UFMG, 2004.

11
GOITIA, Fernando Chueca. Op. cit.

12
MUMFORD, Lewis. Op. cit., p. 229.

13
GOMES, Paulo Cesar da Costa. Op. cit.

14
ANTUNES, Marco António. Público, subjectividade e intersubjectividade. Beira Interior, Universidade da Beira Interior, 2005.

15
BENEVOLO, Leonardo. A cidade e o arquiteto. São Paulo, Perspectiva, 2001. p. 14.

16
GOMES, Paulo Cesar da Costa. Op. cit., p. 147.

17
CORREIA, João Carlos. Op. cit.

18
GOITIA, Fernando Chueca. Op. cit.

19
LEFEBVRE, Henri. Op. cit.

20
MUMFORD, Lewis. Op. cit.

21
GOITIA, Fernando Chueca. Op. cit.

22
MUMFORD, Lewis. Op. cit.

23
HARVEY, David. Paris, capital da modernidade. São Paulo, Boitempo, 2015. p. 13.

24
WILLIAMS, Raymond. Op. cit.

25
MUMFORD, Lewis. Op. cit., p. 526.

26
LAYTON-JONES, Katy. National review of research priorities for urban parks, designed landscapes, and open spaces. Londres, English Haritage, 2014.

27
LAYTON-JONES, Katy. Op. cit.

28
ROSENZWEIG, Roy; BLACKMAR; Elizabeth. The park and the people. Cornell University Press, 1992.

29
Idem, ibidem.

30
Idem, ibidem.

31
CRANZ, Galen. Parks as Community Places. Boston: Urban Parks Institute's annual conference, 1997.

32
Idem, ibidem.

33
ROSENZWEIG, Roy; BLACKMAR; Elizabeth. Op. cit.

34
CRANZ, Galen. Op. Cit.

35
ROSENZWEIG, Roy; BLACKMAR; Elizabeth. Op. cit.

36
CRANZ, Galen. Op. Cit.

37
Idem, ibidem.

38
Idem, ibidem.

39
ROSENZWEIG, Roy; BLACKMAR; Elizabeth. Op. cit.

40
CRANZ, Galen. Op. cit.

41
LAYTON-JONES, Katy. Op. cit.

42
SCALISE, Walnyce. Parques Urbanos – evolução, projeto, funções e uso. Revista Assentamentos Humanos, Marília, v. 4, n. 1, p. 17-24, 2002.

43
JONES, Karen; WILLS, John. The Invention of the Park. Cambridge, Mass, 2005.

44
JONES, Karen; WILLS, John. Op. cit.

sobre a autora

Mariana Zerbone Alves de Albuquerque é doutora em Geografia pela Universidade de São Paulo (2009) e mestre em Geografia pela Universidade Federal de Pernambuco (2006). Professora do Departamento de História da Universidade Federal Rural de Pernambuco desde 2010. Publicou O Rural e o Urbano na Região Metropolitana do Recife (Editora UFRPE, 2014).

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