Existe, na publicação da antologia teórica de Kate Nesbitt Uma nova agenda para a arquitetura (1), um princípio de continuidade sobre o que se promulgaria no debate da arquitetura na transição do século 20 para o século 21. Neste livro, cronologicamente, um dos últimos textos foi do arquiteto Peter Eisenman publicado originalmente em 1992 para a revista italiana Domus, e que continha algumas informações sobre o que aconteceria a seguir. “Visões que se Desdobram: Arquitetura na Era da Mídia Eletrônica” (2) traz um breve relato sobre a transformação das mídias mecânicas para a conseguinte era eletrônica-computacional, propondo o espaço-dobra deleuziano como o elemento de afirmação desta realidade afim de superar o grid cartesiano. Para Eisenman, a dobra seria a resposta das demandas sintáticas trazidas pelas mídias eletrônicas e que o desenho, agora não mais projetivo, seria processado através da resposta cada vez maior das novas informações (3).
A continuação proposta por Krista Sykes em 2009 traz um referido prosseguimento do texto de Eisenman que fora publicado em 1993. Nesse novo artigo um outro autor, relevante para as novas tecnologias, propunha uma continuidade da problematização matemática do texto de Eisenman. Trata-se de curvilinearidade arquitetônica: o dobrado (folded), o maleável (pliant) e o flexível (supple) de Greg Lynn. Neste novo artigo o arquiteto analisa as correlações formais de Peter Eisenman consequentes do período da exposição Deconstructivism Architecture do Museu de Arte Moderna de Nova York – MoMA em 1988, com curadoria de Philip Johnson e Mark Wigley, e as implicações informacionais de uma nova cultura arquitetônica. Exatamente neste período dos anos 1990 a produção da arquitetura de Peter Eisenman convergia da iniciante materialidade, marcada pelas influências filosóficas frente aos desafios dos projetos residenciais House IV, VI e X, para uma reflexão pós-material causada pela construção destes seus projetos (4). Esse período é justificado na década de 1980 na transformação da própria metodologia projetual sintática de Eisenman para o pós-estruturalismo de Derrida, colaborador do projeto de 1984 para o Parc de La Vilette, cujo o vencedor seria Bernard Tschumi, explorando similarmente as teorias do filósofo.
Greg Lynn surge neste contexto de produção desconstrutiva partindo da tecnologia digital da informação e da narrativa pop da animação para justificar sua inquietação da arquitetura. Para Lynn, a falta de personificação da sociedade contemporânea é marcada na incompreensão do que a virtualidade deveria ser, e que seria estabelecido no processamento informacional através da matemática paramétrica (5). Influenciado por softwares gráficos do cinema ao entretenimento japonês (principalmente na popularização do videogame e dos animes de ficção científica) Lynn estabelece seu raciocínio de arquiteturas complexas como representações flexíveis, onde este fenômeno é, portanto, passível da transformação programática de seus parâmetros (6).
A gênese da complexidade da forma
Em Archeology of the Digital de 2014 Greg Lynn rastreia as atividades humanas como práticas paleontológicas, buscando uma genealogia da arquitetura digital e suas vertentes. Para o autor, Eisemnan tem papel fundamental nessa mudança de paradigma do analógico para o digital, principalmente em seus projetos das décadas de 1980 e 1990, especificamente suas experiências na Itália. Lynn identifica que, para Eisenman, a revisão da sua própria produção aconteceu na revisitação dos enfrentamentos do exercício da prática formal, encontrando em realizações topológicas do matemático René Thom novas respostas. Thom estuda que o dobramento é um efeito caótico, uma formulação espacial desencadeada por processos diferentes que, surpreendentemente, encontram uma solução (7). Assim a dobra muda subitamente seu espaço de continuidade causando a singularidade de estado no evento – daí o desdobramento. Deleuze percebe isso na arquitetura barroca, mais claramente nas análises formais onde podemos entender este processo como complexidade espacial da subjetividade de seu tempo, algo que tanto topologistas seguidores de Thom quanto de arquitetos seguidores de Eisenman buscam semelhantemente ao seu antagonista, Christopher Alexander, ligado ao dogmatismo anti-derrida do matemático Nikos Salingaros.
Thom, assim como Eisenman, está preocupado nas reais complexidades e como os sistemas se comportam e não na trajetória linear do enfretamento objetivo unilateral. Em seus diagramas da chamada Teoria da Catástrofe fica bastante evidente: soluções são dadas nas formulações da própria complexidade em como o processo é extremado. Thom observou que, diferentemente das situações determinísticas dos sistemas são as pequenas modificações das condições internas que mudam as dinâmicas espaciais. Podemos enxergar esses processos não apenas no campo matemático como também estabelecer conexões com estudos biológicos, termodinâmicos, cibernéticos e outros sistemas que tangenciam a arquitetura (8). No mesmo Archeology of Digital Lynn interpreta seus próprios projetos como formuladores das primeiras experimentações digitais, influenciado tanto pelo desenvolvimento computacional de então (partir do qual Lynn interpreta na dinâmica dos fluídos uma analogia de suas experimentações arquitetura) (9) como na continuação de postulados arquitetônicos dos anos 1960. Paralelamente, essas mesmas inquietações sobre dobra são como resoluções de problemas espaciais arquitetônicos. Elas são, como vimos até agora, enfrentamentos partidos da construção da subjetividade da filosofia de Deleuze e Guattari (10).
Em A Dobra: Leibniz e o Barroco (11), o autor explicita que o efeito de dobramento é, conforme enunciara Leibniz, resultado da problematização da lógica. Filósofo do século 17, Gottfried Leibniz foi importante na contribuição científica a respeito da matemática e da lógica que, para alguns autores, pode ser referida como exemplo de transformação na constituição do pensamento newtoniano de sua época. Para Deleuze, tanto a produção da arquitetura barroca quanto a constituição do pensamento de Leibniz estipulam que a curva é um advento necessário para superar adversidades das estruturas complexas, tal como continuidades de uma transição. Eisenman estabelece essa conexão do dobramento ao entender seus questionamentos planialtimétricos do barroco e rococó como antíteses da racionalidade anterior, pois para ele o dobramento é representado tridimensionalmente tal como suas geometrias complexas.
O dobramento, para Eisenman, questiona perspectivas e eixos cartesianos não diferenciando exterior e interior nem o entendendo alguma clareza formal. Essa nova perspectiva, advinda da complexidade espacial intermídias do barroco, pode ser potencializada pela expansão das tecnologias digitais enquanto as produções de aceleramento espacial das atividades humanas como o ciberespaço e dos novos espaços-dobra. Uma primeira tentativa de exemplificar isto é a famosa tira de Moebius, objeto topológico que seria consumado na produção arquitetônica posterior a publicação de seu artigo de 1992, especificamente nas residências do escritório de Ben Van Berkel do UNStudio.
“Suponhamos por um momento que se pudesse conceber a arquitetura como uma ‘tira de Moebius’, com uma continuidade ininterrupta entre interior e exterior. O que isso significaria para a visão? Gilles Deleuze propôs exatamente essa possibilidade de continuidade com a ideia da dobra. Para Deleuze, o espaço dobrado articula uma nova relação entre o horizonte e o vertical, a figura e o fundo, o dentro e o fora – todas essas estruturas articuladas pela visão tradicional. Ao contrário do espaço da visão clássica, a ideia de espaço dobrado recusa o enquadramento em favor de uma modulação temporal. A dobra não privilegia mais a projeção planialtimétrica, mas uma curvatura variável. A ideia de dobra de Deleuze é mais radical que a de um origami, porque não contem qualquer tipo de sequência linear e narrativa; ao contrário, pensando nos termos da visão tradicional, a dobra contém um caráter não visto” (12).
Sob o ponto de vista da produção de Eisenman podemos observar essa mudança mais aparente depois da materialização com suas primeiras edificações. Se, inicialmente, as considerações do arquiteto se voltavam para a resolução das problemáticas euclidianas e dos sistemas geométricos (influenciado por Hejduk) suas transformações aconteceram através da perspectiva deleuziana e derridiana em que a estruturação dos signos em sistemas e suas desconstruções de significado topológico perpassam na abstração da própria representação, exemplificada aqui em seus projetos europeus como o Cannaregio de 1978 e o Moving Arrows, Eros and Other Errors de 1986. Esta inflexão começa a se acrescentar como dobramento quando o intermédio de dois processos formais fica evidentes: a sobreposição e a desestabilização. Eisenman, percebendo seus efeitos em contraste ao efeito do retilíneo, busca estabelecer a narrativa não-linear a utilizando cada vez mais em seus projetos a partir dos anos 1990. Diferente dos experimentos nos anos 1970, as influências de Derrida nesse dobramento formal contribuem de forma importante em 1983 com o projeto do jardim do Parc de La Vilette, no qual também influencia o ganhador do concurso Bernard Tschumi.
O mais emblemático dobramento de Eisenman surge dois anos após Moving Arrows: o projeto do Aronoff Center em Cincinatti de 1988. Nesta obra o arquiteto utiliza a mesma sobreposição anterior, mas agora colocando a estrutura dobrável como sistema principal sobrepondo planos. É uma problemática vetorial do próprio grid conseguido através das novas representações digitais e de animação da forma. Tal efeito vetorial acontece de forma similar do princípio de instabilidade estrutural nas obras de influência derridiana, pois se considera a diferença como elemento causador de novas formas de perspectiva – utilizando os mesmos questionamentos sobre horizontalidade e verticalidade de Deleuze (13). O dobramento da estrutura de sobreposição estabelece uma ideia de mistura heterogênea, fato este que Lynn interpreta como gênese da complexidade das arquiteturas blob produzidas por ele e arquitetos na década de 1990 (14). O Aronoff Center de Eisenman, assim como o seu Biocentrum em Frankfurt (1987), constitui influências importantes para Lynn, já que ele trabalhou com Eisenman neste último.
Já o projeto Rebstock Park em Frankfurt estabelece todas as transformações ocorridas durante a década de 1980. O dobramento é o efeito capaz de criar múltiplas perspectivas além de outros planos advindos de uma única face, criando um efeito topológico de mudanças contínuas. A proposta de Eisenman deste projeto exemplifica, justamente, a interseção na sua trajetória com o início da concepção arquitetônica de Lynn ao estabelecer a relação tênue entre dobramento e topologia quanto à concepção de múltiplas faces como procedimento processual de sua tecnologia projetual. John Rajchman, filósofo deleuziano que estuda os princípios do diagrama e suas conexões, interpreta em Rebstock Park uma topologia direta deleuziana. Para Rajchman Deleuze entendia a compressão da visão na dobra barroca como transcendência da visão cartesiana. Importante também traçarmos essa conexão com as influências de Rajchman com seu pai, Jan A. Rajchman, notório cientista no desenvolvimento da computação:
“Rajchman ilumina a prática arquitetônica de Peter Eisenman como uma explicação de Le Pli, e ao mesmo tempo é levado a reconsiderar os argumentos originais de Deleuze sobre o espaço barroco à luz das espacialidades alternativas do projeto de Rebstock Park de Eisenman. O aspecto dominante do projeto que atraiu a atenção de Rajchman para o dobramento foi a utilização de um dos diagramas de catástrofes de René Thom no processo do projeto” (15).
Greg Lynn, ao início de sua produção, seguiu justamente estratégias semelhantes ao processo descrito por Rajchman. A inquietação contra a disciplina cartesiana e suas influências nipônicas dos animes e dos softwares de animação convergiu também no processo do dobramento. No projeto Stranded Sears Towers para Chicago de 1992 (dois anos depois do projeto para Frankfurt de Eisenman) e os primeiros esboços das animate forms são exemplos destes processos iniciais de dobramento. Esse projeto podemos considerar como o fundamento de sua concepção, ao passo que a exposição aconteceu anos antes de Peter Eisenman nos anos 1980, já enunciando os novos fundamentos na trajetória projetual como arquiteto.
Do dobramento à geometria topológica complexa
Curado por Philip Johnson e Mark Wigley a exposição Deconstructivst Architecture de 1988 já enunciara que a emergência de novas abordagens na produção arquitetônica era diferente do desconstrutivismo usual. Eisenman, que produzira anos antes a parceria com Derrida, já tendia para outros questionamentos mesmo que ainda vinculado ao dobramento desconstrucionista. Se, durante a década de 1980, a produção de Einseman entra em inflexão ao experimentar novas concepções projetuais desvinculando-se das problematizações da forma em si do objeto, vemos no século 21 o paradigma de uma nova fase. É referida por Greg Lynn como um “afastamento curvilíneo do desconstrutivismo” (16). Seu discurso flerta com o vislumbre de seu tempo sobre as representações digitais e as novas mídias assim com a popularização de softwares de edição de imagem que, sobretudo, faz realizar seus próprios projetos (17). Agora, nesse novo século, sua narrativa se refere à mídia: ao processo informacional de deslocamento entre a objeção de algo desconhecido a algo totalmente conhecido – dobra (18). Para Eisenman, o dobramento é resultado também dessas tecnologias (19).
Logo após a exposição de Johnson e Wigley, Lynn rastreia que a produção de Einseman supera o efeito do dobramento simples, começando a utilizar da curva de geometrias influentes de estudos sobre a produção topológica vigente, principalmente por influência de Deleuze numa leitura sugerida de Derrida. As produções tanto de Lynn quanto de Eisenman, a partir de 1988, passam a problematizar o dobramento utilizando a lisura como efeito das superfícies complexas (20). Remetendo ao le lisse deleuziano, Lynn interpreta que o lisamento é a imposição hierárquica dos desdobramentos da dobra: sua materialidade, performance e estrutura são mais evidentes quando o dobramento é liso (21).
Junto com Guattari, Deleuze vincula seus conceitos como topologias nas publicações Mil Platôs. Para os autores a lisura no dobramento demonstra a continuidade formal pois aparentemente é a manifestação da superfície que a evidencia. Lynn expande o conceito de para a arquitetura destacando o dobramento liso também como maneira de ligar elementos formais utilizando uma mistura que já é, por essência, heterogênea (22). Ambos interpretam as formas complexas como instigantes e que compreendem a manifestação de complexidades conceituais de seu tempo, assim como Peter Eisenman.
“A dobra oferece a possibilidade de uma alternativa ao espaço em grelha que caracterizou a ordem cartesiana. Ela desloca a distinção dialética entre figura e fundo e, ao fazê-lo, ativa o que Gilles Deleuze chamou de espaço liso. O espaço liso contém a possibilidade de ultrapassar ou exceder a grelha. A grelha permanece e as quatro paredes sempre existirão, mas, na realidade, são suplantadas pela dobra do espaço. Aqui não há mais uma vista planimétrica que é deslocada para dar lugar a um espaço seccional. Não é mais possível estabelecer uma relação entre a visão do espaço num desenho bidimensional e a realidade tridimensional de um espaço dobra” (23).
O lisamento, conforme descreve Lynn, é um processo de transformação entre o dobramento e o curvilíneo, pois explicita elementos. Sua textura se tende à curva pois se torna a forma mais contínua do que a simples dobra (24). Ambos os efeitos consequentemente são integradores, pois misturam elementos não relacionados dentro do contexto de continuidade. O aparecimento do curvilíneo em Eisenman é importante pois acontece paralelamente ao início da produção arquitetônica efetiva de Lynn que, de certa perspectiva, tangencia o processo de seu mentor. Isso torna-se um processo evolutivo pois suas superfícies são ainda mais adaptáveis, mais lisas e, especificamente, mais propensas às influências topológicas em que a tecnologias digitais se desenvolveram ao ponto de adaptar as informações ambientais (ou seja, das ações espaciais) e absorver informações da morfogênese, bioinformática, evolução e genética.
“Se existe um efeito arquitetônico do dobramento, é a habilidade de integrar elementos não relacionados entre si em uma nova e contínua mistura. [...] O dobramento não utiliza a agitação nem a fragmentação, e sim uma acomodação de camadas flexíveis. Do mesmo modo, as dobras geológicas consistem na sedimentação de elementos ou depósitos minerais que lentamente se encurvam e se compactam em plataformas de estratos. Esses estratos são comprimidos por forças externas e resultam em camadas mais ou menos contínuas dentro das quais os depósitos heterogêneos permanecem intactos, em graus variados de intensidade” (25).
O desenvolvimento das tecnologias digitais, especificamente na humanização da interface de softwares gráficos, conseguiu abranger não apenas Hollywood com animações em CGI, mas também o setor arquitetônico. O processo de representação digital no dobramento torna-se importante não apenas como justificativa (26), mas posicionamento do conceito (27). O CATIA, que já estava sendo utilizado na indústria de design aeronáutico desde 1979, é uma das consequências famosas juntamente com outros softwares da animação e do setor automobilístico ao qual Wavefront e Alias são usados Lynn para chegar ao dobramento, sendo depois desenvolvidos como Maya pela Autodesk. Em entrevista a Metropolis Magazine, Lynn relembra a problemática solução de Eisenman, após conversar com Frank Gehry, de utilizar o CATIA para conseguir suprir suas demandas espaciais curvilíneas (28).
Lynn e Eisenman apenas entenderam a partir do Biocentrum como solucionar problemas da curva utilizando conteúdos de diversos parâmetros como genética, morfogênese e estruturas biológicas, fato que acarretou no advento da parametrização e no blob no início do século 21. Outro projeto na Alemanha, o Max Reinhardt Haus já evidencia outra escala muito maior, é a transição da dobra para a curva ainda mais complexa, tentando problematizar em dobramento a topologia da fita de Moebius. No Max Reinhardt Haus a fita de Moebius ainda se concentra tal como uma problemática diagramática, não como resolução formal final. A fita apenas apresenta a trajetória de dois cubos que, ao longo de seu desenvolvimento, constituem a torre em si. De acordo com Eisenman, a performance na fita de Moebius representa uma constante mudança não separando dentro e fora, público e privado (29). A continuidade de duas extremidades cria um movimento circular, colocando em questão topologicamente quais são suas superfícies internas e externas.
Eisenman adjetiva seu projeto de bissexual ao contexto formal da edificação, pois já não se interpreta espacialidade por dualidade, mas como dobro/dobra (30). Podemos estabelecer claras conexões dessa topologia bissexual deste projeto com os de Lynn feitos no mesmo período, a considerar as estruturas de Port Authority em Nova York, cujo projeto data de 1994. Nele, a estrutura da ponte é contorcida, dobrada, em forma curvilínea, mais complexa que a estrutura do projeto de Eisenman. Ambos, entretanto, apresentam estruturas topológicas: enquanto em Eisenman constitui a trajetória do cubo, Lynn já a interpreta como forma, com as estruturas mais maleáveis que o dobramento de outras superfícies (31). Este efeito configura um novo contexto imagético. Finalmente, podemos estabelecer o dobramento natural como a interseção comum entre esses arquitetos, pois ambos utilizam das mesmas influências de criação da forma. Enquanto o processo é desvinculado da estratégia de resolução do objeto, os resultados são, para ambos, frutos da criação de parâmetros de novas soluções topológicas e espaciais.
Novos (des)dobramentos em Eisenman e Lynn
No momento de transição entre a década de 1990 para o século 21 na produção de Eisenman e Lynn, é evidente a vetorização para a filosofia de Deleuze e Guattari sobre virtualidade. Paralelamente se desenvolvendo a partir das primeiras redes de computadores nas empresas e no setor de inovação estadunidense, o advento da eletrônica e do ciberespaço se fez claro: o computador se tornou o artefato mais importante da vida social (32). A problematização formal para eles no início do século 21 é suprir de informações a modelagem (parâmetros/parametrização), utilizando diagramações de lógica e contingenciar a gravidade. Tratar de arquitetura começa a se tratar de solucionar elementos de deslocamento de informação.
Ao rastrear o processo diagramático, Lynn interpreta tais questões não como distanciamento do processo formal da arquitetura, pelo contrário, ele se aproxima de parâmetros como meios eficientes de contenção das incongruências do desejo formalista da fluidez. O objeto final, em Lynn, é um resultado de dezenas de procedimentos simulatórios, fazendo do arquiteto um programador. Neste sentido Eisenman assume uma postura estrutural estudando conceitos topológicos através do próprio diagrama, programando para manipular as estruturas de seus processos informacionais. Um dos importantes projetos de Lynn que o diferencia de Eisenman é a Embryological House, onde o autor justamente aplica o conceito de simulação ao estruturar o processo criativo da forma interpretando criticamente as várias simulações por ele criadas. O que se considera neste projeto não é mais o simples curvilíneo. É, depois do processo de fluidez da curva, o seu estágio de liquidez formal. Para Lynn a performance líquida é o estágio onde se pode extrair vários modelos que, sob o julgamento crítico, se escolhe o mais efetivo.
“Talvez, e apenas nesse aspecto, existem muitas oportunidades para a arquitetura sob o influxo livro de Gilles Deleuze, Le Pli. Os tiques formais da dobradura – basicamente formas inexatas e geometrias topológicas – podem ser mais viscosos e fluidos em resposta às exigências. Eles mantêm a integridade formal por meio de deformações que não produzem rompimentos ou cisalhamentos internos, mas pelas quais se conectam, incorporam e se associam produtivamente. Tais sistemas sagazes e viscosos ganham força através de conexões flexíveis que ocorrem por vicissitude” (33).
Com a Embryological House, Lynn ratifica as intenções de dobramento como problematizações biológicas e experimentais, considerando os objetos consequências infinitas de procedimentos simulatórios. Assim como em projetos experimentais do NOX Architecture de Lars Spuybroek e as arquiteturas líquidas de Marcos Novak, as formas de grande complexidade só podem ser concebidas no ciberespaço pois simula e desafia diferentes parâmetros e informações assim como dos efeitos da gravidade e da estrutura cartesianista. Nestas concepções Lynn e Eisenman vertem-se, cada mais, para outras influências de informação. No Archeology of Digital de Lynn, tal pensamento foi genealogicamente rastreado no projeto em que trabalhou auxiliando Eisenman, o Biocentrum, de influência puramente genética no seu processo formal.
Eisenman entende suas inquietações como questionamentos topológicos, e amadurece a sua no projeto Quai Brainly Museum (1997) através de um novo entendimento da fita Moebius. No projeto não se trata agora sobre um formalismo usual, mas sim uma estrutura programática no fluxo de seus sujeitos. Outros projetos como a Bibliothèque de L’IHUEI (1997) em Genebra utiliza a curvilinearidade como elemento de notação das particularidades do sujeito, ligando-se ao conceito aristotélico de topos (dobramentos como topologia e topografia). Tanto Quai Brainly Museum quanto Bibliothèque de L’IHUEI utilizam o projeto como a estrutura formal consistente das realidades formais do curvilíneo. A intenção agora também é curvilínea, tratando agora da flexibilidade e da maleabilidade da curva assim da fluidez.
Não se trata de relacionar forma apenas com as problemáticas de seu tempo e sim de trazer estratégias de realidade para objetos predizerem demandas. Se a fluidez do líquido é o estado final do espaço deleuziano que, remetendo a Leibniz, compreende a adequação da matéria em qualquer meio, essa maleabilidade possibilita novos parâmetros para as demandas. Se o líquido, esconso, resiste à matéria em função da constante de sua contensão a dobra e o curvilíneo são processos de formais de múltiplas variáveis formais que conectam estes dois arquitetos pois preconizam suas próprias formalizações (matemáticas e subjetivas). Lynn refere-se a este estado como “forma animada”, pois ela se adequa às contenções dadas no processo. Esta metodologia foi influente para Eisenman no final da década de 1990, encontrando o ponto tangente em Deleuze, em que o autor aciona essa nova materialidade através de uma nova visão simulatória do espaço.
“Os dois andares parecem inseparáveis: realmente distintos e, todavia, inseparáveis, em virtude de uma presença do alto embaixo. O andar de cima dobra-se com o de baixo. Não há ação de um a outro, mas pertença, dupla pertença. [...]. Mas a pertença nos conduz, a uma zona estranhamente intermediária, ou melhor, original, na qual todo corpo adquire a individualidade do possessivo [...]. Não seria nessa zona, nessa espessura ou esse tecido entre os dois andares, que o alto dobra-se sobre o baixo, embora não se possa saber onde acaba um e começa o outro, onde acaba o sensível e onde começa o inteligível?” (34).
Eisenman, em franca inflexão nessa transição de séculos, já entendia tais manifestações como desenvolvimentos fatalistas das mídias eletrônicas e do computador como protagonistas do que viria a ser o século 21 (35). Lynn, em observância a obra de seu mestre e em consumo direto com a indústria cultural, entende as formas do período como animadas de processos de manifestação das forças de contenção (36). Eisenman considerava que sua produção arquitetônica já refletia tais manifestações ainda que de forma incipiente nos anos 1980. Suas respostas iriam ser conseguidas quanto a lógica curvilínea e sistêmica dos diagramas, quando o processamento de informações pudesse ser executado. Tais considerações são o distanciamento da noção cartesiana do que se tem entendido por racionalidade:
“Meus projetos dobrados são um começo primitivo. Neles, o sujeito entende que ele (ou ela) não mais pode conceituar a experiência no espaço do mesmo modo que fazia no espaço em grelha. Os projetos tentam provar este deslocamento do sujeito em relação ao espaço efetivo: eles contêm uma ideia de espaço presentificado. Uma vez que o ambiente se torna afetivo e é inscrito com uma outra lógica ou uma lógica prototípica, que não é mais traduzível enquanto visão do intelecto, a razão se desvincula da visão. [...] a razão de algum modo se afasta da condição afetiva do ambiente em si e começa a produzir um ambiente que mesmo quando parece não significar coisa alguma” (37).
Com as crescentes problematizações topológicas na concepção arquitetônica o objeto animado, variavelmente, necessita do estado de estase e de inatividade de matéria. Esse é o desafio tectônico que se colocou entre os dois arquitetos. Podemos estabelecer o entendimento destes dois estados como um processo entrópico da matéria e sua materialização. O modelo animado acontece como simulação de dois momentos: no espaço virtual do software com as tecnologias de materialização estanque ou, como dito por Lynn, as tecnologias de estase (38). Estas tecnologias mapeiam a performance e a congelam (a estase) extraindo a partir daí leituras de como concebê-las. A estase se configura como um ponto de ebulição entre o produto final e a simulação gerada em forma sendo o deslocamento necessário para a explicitação de suas ideias e preocupações topológicas que foram advindas de René Thom (39). A dobra é curvilínea se o dobramento adquire formas curvas demais, e líquida se fica mais aparente as forças aos quais a cria daí o processo entre a estase e a inatividade para esse congelamento.
“Um modelo alternativo de tempo e movimento resiste à separação da forma que o anima. Forma pode ser concebida como um espaço de movimento e força virtual ao invés de um equilíbrio ideal de espaço de estase. Por exemplo, discretas coordenadas de pontos fixos definem um objeto em um espaço estático. A trajetória relativa de outros objetos, forças, campos e fluxos de movimentos define um objeto imerso em um espaço ativo de forças. A mudança do espaço passivo, de coordenadas inertes, para um espaço ativo de interações implica num movimento de pureza autônoma de especificidades contextuais. A modelagem na arquitetura em um campo povoado por forças e movimentos é dependente do desenvolvimento de paradigmas anteriores e tecnologias de estase. Estase é um conceito ao qual pode ser intimamente ligado a arquitetura em pelo menos cinco modos importantes: processamento, permanência, utilidade, tipologia e verticalidade” (40).
Projetos como Bruges Concert Hall (1998) na Bélgica e o University of Phoenix Stadium (1997) nos Estados Unidos são exemplos de manifestações diagramáticas como continuidades do desenvolvimento do dobramento, exemplificado na maioria das propostas de ambos na década de 1990. As condicionantes do projeto são transformadas em informações, e, posteriormente, pontos de atração para materialização da forma (41). Em Animate Form (42), Lynn explica concepções de dobra utilizando modelagem da forma com informações e características de sua expressão. Tais métodos são, em suma, não mais forças de visibilidade e das incongruências da realidade, são forças de contenção (43).
A modelagem e a prototipagem são importantes porque muitos arquitetos pós-Eisenman e Lynn adotam e continuarão adotando experimentações conceituais usando forças de contenção e em parâmetros onde diagramação precisa ser gerada. A forma como Lynn e Eisenman estabelecem suas arquiteturas demonstra que a inversão da dicotomia causa/consequência do objeto é mais uma vez importante: se antes o dobramento era manipulação da forma, podemos entender a liquidez como causa da formação do objeto (44). Em comparação ao processo dos dois arquitetos Lynn se beneficia do cálculo como elemento integrador das forças que interagem na forma e seus parâmetros. Já Eisenman tende à subjetividade em seus parâmetros, percebendo como diagramação de forças e seus elementos contextuais condicionam a força. A diagramação é a estratégia que une os dois em seus desdobramentos, visualizando efeitos que provocam essa dobra. Neste caso podemos admitir que existe uma manifestação clara e contínua entre o que acontece topologicamente no espaço e o que se desdobra na multiplicidade do próprio espaço.
sobre o autor
Phillipe Cunha da Costa é doutorando em Urbanismo pelo Prourb e mestre em Arquitetura pelo Proarq, ambos da FAU UFRJ. Possui pesquisa sobre as práticas cibernéticas e da cultura digital no projeto contemporâneo.
notas
1
NESBITT, Kate (Org.). Uma nova agenda para a arquitetura. Antologia teórica 1965-1995. São Paulo, Cosac Naify, 2008.
2
EISENMAN, Peter. Visões que se desdobram: arquitetura na era da mídia eletrônica. In NESBITT, Kate (Org.). Op. cit.
3
Idem, ibidem.
4
EISENMAN, Peter (Org.). Written into the Void: Selected Writings, 1990-2004. New Haven, Yale Press, 2007.
5
LYNN, Greg. Greg Lynn Form. Nova York, Rizzoli. 2008.
6
LYNN, Greg. Archeology of Digital. Los Angeles, Ram Publications, 2014.
7
THOM, René. Structural Stability and Morphogenesis: An Outline of a General Theory of Models. Boulder, Westview, 1994.
8
PASK, Gordon. The Architectural Relevance of Cybernetics. Londres, Architectural Design, 1969.
9
LYNN, Greg. Curvilinearidade arquitetônica: o dobrado (folded), o maleável (pliant) e o flexível (supple). In SYKES, A. K. (Org.). O Campo Ampliado da Arquitetura. Antologia Teórica 1993-2009. São Paulo, Cosac Naify, 2013.
10
EISENMAN, Peter (Org.). Written into the Void: Selected Writings, 1990-2004 (op. cit.).
11
DELEUZE, Gilles. A dobra: Leibniz e o Barroco. Campinas, Papirus, 1991.
12
EISENMAN, Peter. Visões que se desdobram: arquitetura na era da mídia eletrônica (op. cit.).
13
DELEUZE, Gilles. A dobra: Leibniz e o Barroco (op. cit.).
14
LYNN, Greg. Archeology of Digital (op. cit.).
15
LYNN, Greg. Curvilinearidade arquitetônica: o dobrado (folded), o maleável (pliant) e o flexível (supple) (op. cit.).
16
Idem, ibidem.
17
EISENMAN, Peter (Org.). Written into the Void: Selected Writings, 1990-2004 (op. cit.).
18
BENSE, Max. Pequena estética. São Paulo, Perspectiva, 2003.
19
EISENMAN, Peter. Visões que se desdobram: arquitetura na era da mídia eletrônica (op. cit.).
20
LYNN, Greg. Curvilinearidade arquitetônica: o dobrado (folded), o maleável (pliant) e o flexível (supple) (op. cit.).
21
Idem, ibidem.
22
DELEUZE, Gilles. A dobra: Leibniz e o Barroco (op. cit.).
23
EISENMAN, Peter. Visões que se desdobram: arquitetura na era da mídia eletrônica (op. cit.).
24
LYNN, Greg. Curvilinearidade arquitetônica: o dobrado (folded), o maleável (pliant) e o flexível (supple) (op. cit.).
25
Idem, ibidem.
26
EISENMAN, Peter. Visões que se desdobram: arquitetura na era da mídia eletrônica (op. cit.).
27
LYNN, Greg. Curvilinearidade arquitetônica: o dobrado (folded), o maleável (pliant) e o flexível (supple) (op. cit.).
28
RAJAGOPAL, Avinash. Computer Control: The Canadian Centre for Architecture and Greg Lynn uncover the early history of digital design. Metropolis Magazine <https://www.metropolismag.com/design/arts-culture/qa-greg-lynn-architecture-flirtations-computer/>.
29
EISENMAN, Peter. Visões que se desdobram: arquitetura na era da mídia eletrônica (op. cit.).
30
POLVI, Greg. Double, Not Dual: A Contextual and Formal Analysis of Peter Eisenman's Max Reinhardt Haus (Berlin, 1992). Southern California Institute of Architecture, SCI-Arc <http://associatidesign.com/maxreinhardt/gregpolvi.maxreinhardt.pdf>.
31
LYNN, Greg. Curvilinearidade arquitetônica: o dobrado (folded), o maleável (pliant) e o flexível (supple) (op. cit.).
32
SASSEN, Saskia. Escala e Urbanismo num mundo digital global. In SYKES, A. K. (Org.). Op. cit.; POLVI, Greg. Double, Not Dual: A Contextual and Formal Analysis of Peter Eisenman's Max Reinhardt Haus (Berlin, 1992) (op. cit.).; KIPNIS, Jeff. Peter Eisenman: Feints. Milão, Skira, 2006; PICON, Antoine. Digital Culture in Architecture: An Introduction for the Design Professions. Berlim, Birkhäuser, 2010.
33
LYNN, Greg. Curvilinearidade arquitetônica: o dobrado (folded), o maleável (pliant) e o flexível (supple) (op. cit.).
34
DELEUZE, Gilles. A dobra: Leibniz e o Barroco (op. cit.).
35
KIPNIS, Jeff. Peter Eisenman: Feints. Milão, Skira, 2006.
36
LYNN, Greg. Curvilinearidade arquitetônica: o dobrado (folded), o maleável (pliant) e o flexível (supple) (op. cit.).
37
EISENMAN, Peter. Visões que se desdobram: arquitetura na era da mídia eletrônica (op. cit.).
38
LYNN, Greg. Archeology of Digital (op. cit.).
39
THOM, René. Structural Stability and Morphogenesis: An Outline of a General Theory of Models (op. cit.).
40
LYNN, Greg. Greg Lynn Form (op. cit.).
41
EISENMAN, Peter (Org.). Written into the Void: Selected Writings, 1990-2004 (op. cit.).
42
LYNN, Greg. Greg Lynn Form (op. cit.).
43
EISENMAN, Peter (Org.). Written into the Void: Selected Writings, 1990-2004 (op. cit.).
44
PICON, Antoine. Digital Culture in Architecture: An Introduction for the Design Professions (op. cit.).