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architexts ISSN 1809-6298


abstracts

português
O artigo analisa a iluminação como elemento de projeto em espaços de exposição, a partir de dois estudos de caso: o museu Guggenheim de Nova York e a Fundação Iberê Camargo, afim de entender como a iluminação impacta a experiência espacial dos usuários.

english
The article analyzes lighting as a design element in exhibition spaces, based on two case studies: the Guggenheim Museum in New York and the Iberê Camargo Foundation, in order to understand how lighting impacts the spatial experience of the users.

español
El artículo analiza la iluminación como elemento de proyecto en espacios de exposición, a partir del museo Guggenheim de Nueva York y la Fundación Iberê Camargo, a fin de entender cómo la iluminación impacta la experiencia espacial de los usuarios.


how to quote

KOHLMANN, Andrya Campos. A iluminação como elemento de projeto em espaços de exposição. Estudos de caso: Museu Guggenheim NYC e Fundação Iberê Camargo. Arquitextos, São Paulo, ano 21, n. 250.03, Vitruvius, mar. 2021 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/21.250/8018>.

Museu Guggenheim de Nova York, 1959. Arquiteto Frank Lloyd Wright
Foto Andrya Kohlmann

O presente artigo se propõe a analisar o tema da iluminação como elemento de projeto em espaços de exposição. A partir da análise de dois estudos de caso – o museu Guggenheim em Nova York e a Fundação Iberê Camargo em Porto Alegre – o objetivo seria entender como o uso de diferentes abordagens e estratégias relativas à iluminação em projetos de arquitetura são responsáveis pela geração de resultados diversos em termos de espacialidade, impactando assim a experiência dos usuários.

O interesse pelo tema surge a partir da importância que a luz assume dentro não só da concepção arquitetônica, mas principalmente na relação com o corpo humano. Diversos estudos recentes demonstram a importante conexão existente entre saúde e luz natural. Através do conceito de ciclo Circadiano (1), sabe-se que o corpo é regulado em intervalos de 24 horas baseados prioritariamente na informação luminosa. Ao recebermos a luz, a convertemos em sinais elétricos que são interpretados pelo cérebro e impactam a produção dos hormônios que controlam as atividades biológicas. Ou seja, a iluminação natural é essencial para o regulamento do corpo humano (2).

Ainda, o interesse pela questão da luz na arquitetura, deriva do entendimento de que ela não se configura apenas como uma necessidade física ou um aspecto funcional e quantitativo – de resposta a parâmetros de iluminância estabelecidos por normas – mas também, e principalmente, como elemento ativo na criação de atmosfera (3) e emoção. Segundo Martau e Kubasky: “O embasamento teórico sobre as questões relativas ao caráter dos objetos arquitetônicos demonstra uma relação estreita entre a luz, como dimensão perceptível da arquitetura, e a criação de espaços, uma criação pluridimensional que responde aos espaços perceptivos da mente humana” (4). Diversos autores, como Pallasmaa e Pérez-Gomez, estudam a importância de elementos sensoriais, entre eles a luz, na influência da experiência espacial e na criação de relação e significado entre usuário e espaço (5). Segundo o arquiteto finlandês:

“Toda experiência tocante da arquitetura é multissensorial; qualidades de espaço, matéria e escala são medidas igualmente pelo olho, orelha, nariz, pele, língua, esqueleto e músculo. A arquitetura fortalece a experiência existencial, a sensação de estar no mundo, e isso é essencialmente uma experiência fortalecida de si mesmo. Em vez de mera visão, ou dos cinco sentidos clássicos, a arquitetura envolve vários domínios da experiência sensorial que interagem e se fundem uns com os outros” (6).

Dentre as diferentes tipologias arquitetônicas, talvez os espaços de exposições – museus e galerias – sejam aquelas nas quais a iluminação desempenhe um papel mais emblemático, na medida em que permite a boa fruição do espaço e garante a apreciação das obras de arte. Ao analisarmos o histórico dessa tipologia, veremos que a dicotomia entre a iluminação natural e a artificial está presente desde a invenção da energia elétrica, no final do século 19. O consequente debate a respeito de qual seria o sistema de iluminação mais indicado para esse tipo de espaço, principalmente em relação à preocupação com a preservação das obras, é recorrente, indicando a pertinência de que se aprofundem os estudos sobre o tema.

Desse modo, pretende-se nesse artigo analisar brevemente a temática da iluminação nos espaços de exposição, tomando como estudo de caso dois exemplares icônicos. O Museu Guggenheim de Nova York torna-se um estudo de caso interessante em função das contradições que o envolvem em termos de sua funcionalidade interna – principalmente no que diz respeito às zonas de exibição posicionadas no piso inclinado das clássicas rampas e da entrada de luz natural proveniente de sua grande zenital. Ainda, se analisado do ponto de vista histórico, o museu adquire um valor simbólico por representar uma espécie de epitome da obra de Wright – seu último projeto construído e seu único edifício em Nova York. Já a Fundação Iberê Camargo se apresenta como estudo de caso pertinente devido à aclamação da crítica que o projeto recebeu nos últimos anos, com diferentes premiações, entre elas o Leão de Ouro na Bienal de Arquitetura de Veneza em 2002, que o tornam referência na produção arquitetônica mundial. Além disso, levou-se em conta seu destaque – e quase Exclusividade – no panorama da arquitetura icônica na cidade de Porto Alegre. De acordo com Mahfuz: “Após quatro décadas marcadas por uma arquitetura banal ou vulgar na sua maioria, para Porto Alegre a inauguração da Fundação Iberê Camargo – FIC é um fato auspicioso em muitos aspectos” (7). A importância do museu dá-se também, e principalmente, em relação ao contexto histórico no qual está inserido. Além do aspecto arquitetônico, existe a simbologia cultural. Primeiro museu de porte internacional em Porto Alegre, a Fundação Iberê Camargo veio completar a lacuna existente há muito no cenário artístico da cidade, onde faltavam espaços adequados para exposições. Unindo essas questões arquitetônicas e culturais ao fato de que o museu é dedicado a um grande artista local, acaba-se por legimitar o Iberê como ícone dentro da cidade na qual está inserido (8), de modo análogo como ocorre com o Museu Guggenheim em Nova York.

Museus e iluminação

O museu enquanto programa arquitetônico surge em Florença, em 1574, quando Francesco I de Medici resolve transformar um andar de seu edifício de negócios em galeria de arte. Anteriormente, as obras de arte eram pensadas e produzidas sob encomenda para locais específicos, sendo propostas majoritariamente como itens decorativos para as propriedades das classes abastadas e da Igreja. É a partir da proposição da Galleria Degli Uffizi, identificada como a primeira iniciativa para a exposição independente de obras de arte, que as mesmas adquirem um novo caráter e importância cultural (9). Entretanto, o museu como instituição de fato não teve início antes do século 18. Foi com a transformação do palácio real em museu do Louvre, durante a Revolução Francesa em Paris, que a instituição se consagrou como um espaço aberto à fruição pública das obras de arte acumuladas (10). Consequentemente, é nessa época também que surge uma arquitetura dedicada ao programa expositivo, que toma forma primeiramente como esboços de projetos teóricos, propostos por autores como Boulée e Durand. A base da organização desses esboços eram as salas de exposição posicionadas em sequência, inspiradas pela fórmula consagrada e já inspiradora da Galleria degli Uffizi. A consolidação do tipo arquitetônico nos termos que reconhecemos hoje, entretanto, encontraria seu mais consistente protótipo no projeto de Karl Friedrich Schinkel para o Altes Museum de Berlim (1823-1830). Através desse trabalho, Schinkel estabeleceu o padrão para a construção de museus que seria utilizada posteriormente como modelo por mais de cem anos, seguindo a ideia de salas de exposição em sequência, a um percurso linear, onde os visitantes passam de uma à outra de forma quase que automática.

Nesse período, a única fonte de luz possível de ser utilizada nos espaços de exposição era a natural. Com o advento da energia elétrica por Thomas Edison no final do século 19, surge uma ampla gama de novas possibilidades a serem exploradas na iluminação artificial. Ao mesmo tempo, esse avanço tecnológico colabora para que surjam movimentos conservacionistas colocando em questão os eventuais efeitos negativos da iluminação natural sobre as obras de arte, indicando uma maior conscientização em termos de preservação histórica. Na década de 1920, a partir da publicação da revista Mouseion, essa tomada de posição ganha força e o predomínio da busca pela conservação das obras de arte acaba por tendencialmente limitar a aplicação da luz natural em espaços expositivos. A partir da Segunda Guerra Mundial, essa tendência se torna ainda mais intensa e a luz natural é praticamente eliminada dos espaços de exposição (11). Uma razão adicional para essa atitude predominantemente conservadora era a falta de confiança dos profissionais em relação às possibilidades do uso correto da luz natural. O argumento da época era de que o uso da luz artificial trazia um maior controle sobre os efeitos de iluminação e formas de exposição dos quadros, revelando também o espirito de uma época em que a ideia de progresso e avanço tecnológico se apresentavam inerentemente unidas (12). A verdade é que muitas das qualidades da luz natural que a tornam extremamente atrativa – como a percepção da passagem do tempo, as mudanças dos efeitos de iluminação ao longo do dia e a visualização mais confortável e natural das obras de arte – eram desperdiçadas a partir desse posicionamento excludente.

Nas primeiras décadas do século 20, com a ascensão do movimento moderno, novos modos de organização espacial foram incorporados no projeto de museus. O projeto do Museu Sem Fim de Le Corbusier, assim como a National Gallery em Berlim de Mies Van de Rohe, são exemplos da nova estética e principalmente do novo sistema de visitação desejado. Segundo Kiefer: “Uma alteração importante na forma do museu modernista vai ser a simplificação de seus espaços internos. As circulações e as salas de exposição se integram num continuum espacial. A fluidez e transparência são as marcas dos museus desse período. Fluidez e transparência que a maior parte das vezes inclui também os espaços exteriores desses edifícios” (13). Nesse momento, fica clara a intenção de integrar o interior dos espaços de exposição com o ambiente exterior. Essa tendência é visualizada também na produção brasileira. O Museu de Arte de São Paulo – Masp em São Paulo e o Museu de Arte Moderna – MAM no Rio de Janeiro são clássicos modernistas que introduzem esse conceito a partir do uso de planos contínuos de vidro. Através dessas iniciativas, portanto, retoma-se a questão da entrada de luz natural nos espaços de exposição.

Em termos de organização espacial e partido arquitetônico, surgiram, mais recentemente, espaços com crescente tendência à neutralidade e flexibilidade para a exposição de obras de arte. São comuns entre os museus e fundações a exibição de exposições temporárias, que podem possuir características físicas e de fruição distintas ao acervo permanente. Desse modo, esses espaços neutros – caixas brancas – surgem como forma de se adaptar a diferentes necessidades expositivas. São os famosos containers conforme sugerido por Montaner (14). Portanto, atualmente, a tendência para iluminação de espaços de exposição é justamente o desafio de compreender a dicotomia existente entre a luz natural e a artificial. Se por um lado deve-se controlar a penetração da luz natural visando a manutenção e preservação das obras de arte, por outro lado é extremamente importante a busca por agregar essa iluminação nos projetos, de modo a assegurar uma percepção satisfatória, agradável e mais completa dos espaços e objetos. Como citado na introdução desse artigo, muito do caráter arquitetônico do museu, da sua aura ou atmosfera, dependem da luz para a criação de uma experiência espacial significativa ao usuário.

A luz na obra de Wright e Siza

Ao analisar a obra de Frank Lloyd Wright (1889-1959), fica evidente a importância da interpretação da luz como elemento projetual. O primeiro aspecto que deve ser ressaltado na sua produção é a crescente tendência ao tratamento das janelas como planos de luz, diferindo da solução tradicional do classicismo predominante no final do século 19, que se caracterizava pela solução de janelas como perfurações ou vazios em um sólido. Enquanto a janela classicista está nitidamente subordinada ao perímetro maciço que delimita o espaço interior do edifício, a solução que Wright passa a adotar indica uma tendência à abstração do espaço como composto por planos independentes postos em relação – concepção espacial que viria a ser a base compositiva do espaço modernista. Exemplo da aplicação desses conceitos é a Robbie House (1910), residência em Chicago, onde o perímetro da área social é formado por superfícies envidraçadas. Wright atingiu o ápice dessa estratégia compositiva em sua Casa da Cascata (Falling Water, 1939), onde a iluminação natural torna-se parte intrínseca da edificação e a residência se dissolve na paisagem. É interessante também analisar ao longo de sua obra a interpretação que Wright propunha para a iluminação, considerando-a sempre a partir de um caráter simbólico. Desde o início de sua carreira, ele trabalhou a luz como um elemento central em seus edificios, buscando trazer expressividade para os espaços que projetava. No Edifício Larkin (1906), por exemplo, o grande átrio central é iluminado do alto determinando uma atmosfera comunitária, onde não há diferenciação entre funcionários e cargos e cujo resultado é um espaço igualitário (15). Outro projeto que se destaca em termos da solução de iluminação proposta, e que de fato se conecta muito com o partido utilizado posteriormente no Guggenheim, é o Unity Temple em Chicago (1908). Do mesmo modo que no museu nova iorquino, o templo se organiza ao redor de um espaço central que é banhado por uma luz zenital através de uma membrana transparente. Para acessar esse núcleo, o visitante passa por um espaço de ingresso baixo, uma zona de compressão proposta justamente afim de gerar um impacto ainda maior ao acessar o amplo espaço central, que parece se dilatar superiormente em direção ao infinito.

Diferentemente da relação direta com a luz vista na obra de Wright, seja no sentido da ampla conexão com o exterior, seja no sentido de caracterização de emoções, Siza trabalha a iluminação através de um entendimento mais complexo e sutil da mesma. É recorrente em sua obra (1959_) a preocupação com a promenade architecturale (16) conectada à iluminação, conforme evidenciado na edição da revista El Croquis dedicada ao arquiteto: “Os prédios de Siza em seu melhor são como campos de forças e energias ativadas pela luz” e “Intensidade de luz e o sentido de arredores são controlados pelo cuidadoso posicionamento de janelas e zenitais. Em seu melhor, os prédios de Siza deleitam na variedade da promenade architecturale, e nas ambiguidades de percepção permitidas por linhas convergentes ou divergentes” (17). Através de zenitais de formatos diversos ou de planos contínuos em diferentes composições, ele transforma a sombra e o contraste entre claro e escuro em elementos centrais de suas obras – como é visto, por exemplo, no Museu de Serralves (1991-1999). Nesse projeto, a partir da utilização de uma iluminação zenital proposta como uma mesa invertida, com os pés fixados no teto, cria-se uma espacialidade única e forte, emblemática não só na arquitetura de Siza, como na arquitetura em geral. A zenital contínua e dividida em módulos quadrados iguais, parece claramente ser precursora da zenital e da iluminação artificial que seria posteriormente proposta no Iberê. Com efeito, parece que na obra do arquiteto português, os pontos focais são escolhidos e demarcados claramente, de modo a suscitar emoções individuais nos visitantes e usuários de suas edificações.

Guggenheim x Iberê

A primeira analogia clara existente entre os dois edifícios é em relação à sua morfologia. Tanto no Museu Guggenheim quanto na Fundação Iberê Camargo, há um volume principal que se destaca do restante do prédio. Esses volumes são sólidos, praticamente fechados ao exterior e apresentam faixas horizontais que correspondem às rampas e passarelas internas em sua composição estética. Mesmo que no Guggenheim essas faixas sejam helicoidais e no Iberê irregulares, nos dois casos existem volumes rígidos entrecortados por elementos que agregam movimento à composição.

Fundação Iberê Camargo, Porto Alegre, 2003. Arquiteto Álvaro Siza
Foto Andrya Kohlmann

Em termos de partido arquitetônico, as edificações partem de um mesmo conceito: organização ao redor de um amplo espaço livre central ou periférico, circundado por rampas e passarelas. Esses vazios se prolongam ao longo de todo o volume, ou seja, configuram-se como grandes átrios com atividades acontecendo em seus perímetros. A estes volumes principais são agregados anexos – rotunda menor no Guggenheim e volume térreo no Iberê – onde se encontram as funções de apoio dos museus.

Museu Guggenheim de Nova York, esquema de partido, 1959. Arquiteto Frank Lloyd Wright
Foto Andrya Kohlmann

Fundação Iberê Camargo, esquema de partido, Porto Alegre, 2003. Arquiteto Álvaro Siza
Foto Andrya Kohlmann

Existe também semelhança em termos de dimensões e de escala. Os dois blocos principais possuem altura de 29m e 25,2m, respectivamente. Considerando-se as duas rotundas conectadas pela barra horizontal no Guggenheim como um volume contínuo visto desde o térreo, tem-se uma largura muito semelhante ao bloco principal do Iberê, com 48m e 41,5m. Ambas edificações possuem aberturas no nível térreo que possibilitam conexão e escala mais agradável ao pedestre. Esses dois volumes possuem ainda anexos, vertical no Guggenheim (45,7m ou 150 pés) e horizontal no Iberê (40,5m). Em relação ao programa, os dois prédios possuem um largo de acesso. No Guggenheim, esse largo fica no mesmo nível da rua, enquanto no Iberê é elevado 60cm do passeio público. A finalidade desses espaços é direcionar os fluxos ao volume principal dos museus ou aos volumes anexos. Em ambas as edificações existem lojas e café/restaurante no térreo, além das funções de serviço como sanitários, chapelaria e recepção. Como dito anteriormente, nesse nível encontram-se também os grandes átrios. Já nos pavimentos superiores, encontram-se as rampas e passarelas, os espaços de exposição e as zonas de serviço e circulação. Em relação ao espaço interno, os prédios apresentam configurações análogas: átrio central livre, circulações por meio de rampas ao redor desses vazios e passarelas que, em diferentes graus, conectam os visitantes com a totalidade do espaço interno. Essa semelhança é traduzida por Cláudia Cabral:

“No edifício de Siza, circular não é apenas uma questão de unir o que está separado, mas uma sequência ordenada de eventos memoráveis. Aberta, a rampa é parte do grande átrio, na tradição do Guggenheim de Frank Lloyd Wright, controlando a totalidade do espaço e permitindo múltiplos e variados pontos de vista” (18).

Outra clara similaridade entre os museus está nos percursos de visitação. Tanto no museu Guggenheim quanto na Fundação Iberê Camargo, o percurso imaginado pelos arquitetos e indicado pelos recepcionistas é subir até o último pavimento de elevador, fazendo a visitação em um movimento descendente através das rampas, no caso do Guggenheim, e das passarelas e salas de exposição, no caso do Iberê (19).

A iluminação no Guggenheim e no Iberê

Amante da natureza e defensor de uma estética acima de tudo verdadeira, Wright concebeu o Guggenheim através da utilização majoritária de iluminação natural. Para isso, projetou uma grande zenital superior em vidro, que iluminaria o átrio central – a alma de seu museu – de cima a baixo. Ainda, contrariando a preferência por iluminação artificial em voga na época do projeto, Wright defendeu o uso da luz natural não só para os espaços comuns do museu, mas também para a iluminação das obras de arte ali expostas. Para isso, utilizou-se mais uma vez do conceito de iluminação superior através de aberturas de vidro. Aproveitando o desencontro das rampas, causados pela ampliação do raio da espiral do museu (que começa menor embaixo e vai se ampliando conforme a espiral aumenta em direção à cobertura), ele posicionou aberturas fechadas por vidros, que garantiam a entrada da luz solar, variando conforme o horário do dia e a estação do ano.

Museu Guggenheim de Nova York, esquema de iluminação, 1959. Arquiteto Frank Lloyd Wright
Foto Andrya Kohlmann

 

Para ele, a iluminação artificial possuía um efeito fixo e desonesto, exatamente o contrário do que ele buscava para o seu inovador museu. Wright defendia que uma verdadeira obra de arte deveria ser vista através de variações de luz e condições físicas, como de fato ela estaria sendo observada no momento em que o artista a produziu. Esse posicionamento gerou várias críticas, tanto dos artistas que ali exporiam seus trabalhos, como dos críticos de arte e até mesmo do diretor do Guggenheim na época, James Johnson Sweeney. Após muitas discussões seu conceito foi finalmente aprovado (20). O fato é que, ao longo dos anos, a autêntica configuração do Museu foi se consagrando. Para muitos, assim como era desde o princípio para Wright, o átrio central do museu e sua grande zenital são a alma do Guggenheim. Segundo o historiador de arquitetura John Coolidge “A inesquecível e dominante característica do Museu é o pátio central circular da torre, circundado pelos seis pavimentos de rampas espirais: uma catedral inudada de luz, com uma estrada para o paraíso através de suas paredes circundantes” (21).

Atualmente o museu conta com a iluminação natural projetada originalmente por Wright, assim como sistemas de iluminação artificial, direcionáveis e presos na base de cada um dos níveis de rampas. Esse sistema foi acrescentado alguns anos atrás para garantir iluminação adequada, independentemente das condições climáticas e/ou época do ano. Ao que tudo indica, no Guggenheim foram superadas as divergências entre iluminação natural e artificial e o resultado é um espaço icônico e consagrado, que recebe mais de um milhão de visitantes anualmente.

Museu Guggenheim de Nova York, iluminação natural, 1959. Arquiteto Frank Lloyd Wright
Foto Andrya Kohlmann

Museu Guggenheim de Nova York, iluminação artificial, 1959. Arquiteto Frank Lloyd Wright
Foto Andrya Kohlmann

A Fundação Iberê Camargo, por sua vez, apresenta uma combinação entre iluminação artificial e natural assumida desde o início do desenvolvimento do projeto. Tirando vantagem da evolução da temática da iluminação como campo de estudo e das inovações desenvolvidas em termos de lâmpadas e luminárias, Siza teve mais elementos à sua disposição para explorar as soluções de iluminação de forma conjunta. As salas do último piso recebem iluminação natural e artificial através de zenital constituída por duplo envidraçado, com acesso para limpeza e regulação da luz. O espaço do átrio recebe luz por lanternim situado no terraço e por rasgos em locais específicos, ao longo da parede externa. As salas de exposição por sua vez, poderão estar abertas sobre o espaço do átrio, ou encerradas por painéis removíveis até a altura de 4m, permitindo a entrada de luz natural a partir do átrio e entre essa altura e o teto. No interior das rampas, essa combinação entre iluminação natural e artificial pode também ser vista. A iluminação natural é visualizada través dos rasgos estrategicamente posicionados de forma a direcionar a vista dos visitantes ao entorno circundante e a iluminação artificial é garantida a partir de luminárias embutidas no forro. Seus posicionamentos, através de diferentes inclinações no forro, foram propostas de modo a direcionar o percurso do visitante.

Fundação Iberê Camargo, esquema de iluminação, Porto Alegre, 2003. Arquiteto Álvaro Siza
Foto Andrya Kohlmann

Fundação Iberê Camargo, sistemas de iluminação, Porto Alegre, 2003. Arquiteto Álvaro Siza
Foto Andrya Kohlmann

Em ambos os museus, o térreo é iluminado através do átrio central e dos espaços de exposição a ele adjacentes, como também a partir de rasgos de vidro, que garantem contato do usuário com o exterior.

Considerações finais

Ao analisarmos os dois estudos de caso, vê-se que ambas edificações utilizam e tiram partido da combinação entre a luz natural e artificial na iluminação de seus espaços. A grande diferença visualizada entre os dois edifícios estaria no conceito estabelecido por cada um dos arquitetos em termos da estratégia iluminante proposta. Enquanto no Guggenheim, a partir de um gesto forte, Wright propôs a utilização da luz natural como elemento central da composição – através da grande zenital sobre o átrio – tornando-a um elemento icônico no reconhecimento da identidade do museu, Siza mescla as duas soluções de modo singelo, quase tímido, fazendo com que a iluminação não desempenhe um papel emblemático e ou mesmo norteador na experiência espacial do Iberê (22). De fato, a iluminação é proposta de modo a criar um contraste, uma vez que a ausência de luz no espaço central faz com que as aberturas menores, criadas ao longo do percurso, ganhem maior importância.

Essas estratégias distintas, em realidade, dizem muito a respeito da obra dos dois arquitetos, podendo ser entendidas a partir dos conceitos propostos e utilizados por cada um. Como analisado brevemente no presente artigo, vê-se que Wright buscou em sua carreira expressar a individualidade de cada projeto, oferecendo as bases operativas daquilo que foi convencionada como arquitetura orgânica (23). Mesmo não tendo cunhado o termo, Wright o transformou em uma espécie de filosofia própria, reforçando o entendimento de que todas as partes de uma construção têm relação com o todo, cabendo à finalidade do edifício conceder-lhe caráter. A sua arquitetura, orgânica por definição, tende a envolver todos os sentidos, criando uma relação íntima e profunda entre o espaço e o usuário. Desse modo, todos os aspectos do Guggenheim, tanto formais quanto construtivos, foram propostos de modo a enfatizar essa conexão. Wright conceituou o Guggenheim como um templo à arte, uma edificação que desempenha um condicionamento nos usuários, seja através do piso inclinado que impulsiona o movimento, seja através do vazio central, que direciona os usuários a uma experiência de comunidade e conexão com os outros visitantes. Nesse sentido, a iluminação é essencial na criação dessa atmosfera, na medida em que enfatiza esse espaço central, dando-lhe um caráter simbólico e fascinante, conectando os visitantes entre si e com a natureza, através da visualização do céu como uma superfície infinita.

Já Siza, ao optar por deixar o átrio do Iberê prioritariamente sem iluminação central, seja artificial ou natural (afinal o pequeno rasgo existente na parte superior, junto às rampas, não pode ser considerado como um elemento de iluminação impactante na configuração desse espaço), desloca o foco de atenção dos visitantes para os volumes superiores iluminados sobre as zonas de exposição. Esses volumes são propostos em todos os pavimentos de maneira idêntica, mesmo que no último pavimento este seja configurado como uma luminária zenital e não um sistema de iluminação artificial como nos pavimentos inferiores. Ao optar por essa linguagem, Siza acaba limitando o potencial que a iluminação natural poderia ter. Ao invés de ser um elemento forte, que teria a potencialidade de conectar os visitantes com a natureza, permitindo a visualização da passagem do tempo – como ocorre no Guggenheim – a zenital adquire um caráter artificial, uma simples repetição dos outros pavimentos. Ainda, ao optar por pequenos rasgos – no forro junto à parede lateral como apenas citado e nas rampas através de janelas – localizados em locais específicos direcionados às melhores vistas da cidade, Siza mais uma vez enfatiza o isolamento do interior do museu em relação ao entorno. O próprio deslocamento entre os pavimentos, feito através dos tramos fechados de passarelas tubulares enfatiza essa desconexão espacial. Essa disparidade entre o claro e o escuro, entre o interior e o exterior e o isolamento entre os usuários é recorrente na obra do autor e adquire no Iberê uma dimensão importante. De fato, vê-se que o museu se organiza a partir de contrastes. A própria configuração das passarelas no exterior parece criar uma espécie de átrio negativo, em oposição ao átrio interno.

Nas considerações finais a respeito da presente discussão sobre a iluminação como elemento de projeto em espaços de exposição, é importante retomarmos a questão do debate existente sobre a utilização da iluminação natural para a preservação e manutenção das obras. O essencial ao projetar esses espaços é que a iluminação natural seja utilizada de modo a garantir uma experiência espacial mais rica e uma correta fruição das obras de arte. Como enfatiza Szabo, no caso do Guggenheim, Wright ao propor o emprego da luz natural para o espaço expositivo tem como intenção a valorização das obras de arte, a partir de uma visualização mais completa e natural, assim como a integração do espaço do museu com o exterior (24). Ou seja, a própria configuração do museu permite a utilização dessa solução sem prejuízo à conservação das obras de arte, uma vez que as rampas ficam recuadas em relação à zenital, fazendo com que a luz não entre diretamente nos quadros, assim como os rasgos laterais junto às paredes externas inclinadas são pequenos e controlados, resultando em uma incidência não direta da luz sobre as obras de arte. No Guggenheim, ao contrário dos museus modernistas cujo perímetro é composto prioritariamente por superfícies envidraçadas – como é o caso do Masp e da galeria de Yale projetada por Louis Kahn, que tiveram que acrescentar soluções para o controle e isolamento da entrada da luz natural – existe uma relação positiva e funcional entre os dois sistemas de iluminação. Com efeito, os resultados mais interessantes em termos de iluminação em espaços de exposição parecem ser obtidos em projetos que, como o Guggenheim, mesclem soluções naturais e artificiais, combinando as vantagens de cada uma das mesmas. A iluminação natural proporcionaria uma conexão entre usuário e espaço a partir da interpretação da passagem do tempo e possibilitaria uma experiência espacial mais completa, uma vez que agrega variação e riqueza de efeitos diferentes ao longo das horas do dia e das diferentes estações do ano. Já a iluminação artificial permite uma boa fruição das obras de arte independentemente das condições climáticas e assegura uma manutenção mais rigorosa e eficiente das mesmas.

notas

1
Período de aproximadamente 24 horas sobre o qual se baseia o ciclo biológico de quase todos os seres vivos, sendo influenciado principalmente pela variação de luz, temperatura, marés e ventos entre o dia e a noite.

2
MARTAU, Betina. A luz além da visão. Lume Arquitetura, vol. VII, São Paulo, 2009, p. 62-68.

3
O termo atmosfera foi utilizado por Peter Zumthor em livro homônimo de 2006, onde o arquiteto suíço enfatiza a existência de uma dimensão sensorial na arquitetura, que seria criada por uma série de relações entre o usuário e o espaço, por sua vez estabelecidas através de elementos como os sons, os materiais, as conexões entre interior e exterior e a luz. Ver ZUMTHOR, Peter. Atmospheres. Basel, Birkhäuser, 2006.

4
MARTAU, Betina; KUBASKI, Francielle. Iluminação, caráter e emoção: o papel da luz na concepção da arquitetura para os sentidos. Anais do X Congresso Brasileiro de Pesquisa e Desenvolvimento em Design, São Luis, EDUFMA, 2012, p. 2.

5
PÉREZ-GÓMEZ, Alberto. Architecture and the Crisis of Modern Science. Cambridge, The M.I.T Press, 1985.

6
PALLASMAA, Juhani. The eyes of the skin: Architecture and the Senses. West Sussex, John Wiley & Sons, 2005, p. 41.

7
MAHFUZ, Edson da Cunha. Fundação Iberê Camargo, Porto Alegre. Arquitetura e Construção, n. 171: 48/49, São Paulo, jun. 2008, p. 48.

8
KIEFER, Flávio; CANAL, José Luiz de Mello; FIGUEIRA, Jorge; FRAMPTON, Kenneth; SEGRE, Roberto. Fundação Iberê Camargo: Álvaro Siza. São Paulo, Cosac Naify, 2008.

9
KIEFER, Flávio. Arquitetura de Museus. Arqtextos, Porto Alegre, n. 1: 12/25, 2001/01. <https://www.ufrgs.br/propar/publicacoes/ARQtextos/PDFs_revista_1/1_Kiefer.pdf>.

10
REIS, Antônio. O Guggenheim de Frank Lloyd Wright e a adição de Gwathmey Siegel: Moderno com Moderno. Anais do VII Seminário Docomomo – O Moderno já passado / o passado no moderno reciclagem, requalificação, rearquitetura, Porto Alegre, 2007.

11
SOLANO, Nelson. Iluminação de Museus. Lume Arquitetura, n. 39, São Paulo, 2009, p. 32-42.

12
ROCHA, Eunice. A luz natural na concepção de museus. Tese de doutorado. São Paulo, FAU USP, 2002.

13
KIEFER, Flávio. Arquitetura de Museus (op. cit.), p. 20.

14
MONTANER, Josep Maria. New museums. Nova York, Princeton Architectural Press, 1995.

15
ZEVI, Bruno. Frank Lloyd Wright. Bologna, Zanichelli, 1979.

16
A ênfase na apreciação da arquitetura através do passeio arquitetônico – partindo do ponto de vista do observador em movimento – se dissemina no começo do século 20, a partir do trabalho de Le Corbusier. O conceito da Promenade Architecturale é introduzido pelo arquiteto, a partir de considerações feitas por ele acerca da arquitetura clássica grega e, principalmente, através da influência do trabalho de Auguste Choisy. O termo é utilizado pela primeira vez na descrição da Villa Savoye, em 1928, e pode ser entendido como a experiência de caminhar através de um edifício, sendo um instrumento para a avaliação do modo como se dá a percepção dos espaços nesse determinado percurso.

17
El Croquis, n. 68/69, Madrid, El Croquis, 1994.

18
CABRAL, Cláudia Pianta Costa. No lugar: o desenho de Siza para Porto Alegre. Arquiteturarevista, v. 5, n. 2: 84/91, São Leopoldo, jul./dez. 2009, p. 90.

19
KIEFER, Flávio; CANAL, José Luiz de Mello; FIGUEIRA, Jorge; FRAMPTON, Kenneth; SEGRE, Roberto. Op. cit.

20
BALLON, Hillary; CARRANZA, Luis; KIRKHAM, Pat; LEVINE, Neil; MAREFAT, Mina; SIRY, Joseph; SPECTOR, Nancy; STIPE, Margo. The Guggenheim: Frank Lloyd Wright and the making of the modern museum. Nova York, Solomon R. Guggenheim Foundation, 2009.

21
FRANKEL, Stephen. Frank Lloyd Wright´s Guggenheim Museum: An Architectural Appreciation. Nova York, Guggenheim Museum Publications, 2002.

22
Para um estudo mais aprofundado sobre a comparação entre as duas edificações, principalmente em termos de suas espacialidades, ver a dissertação de mestrado da autora: KOHLMANN, Andrya. Wright e Siza: a qualidade espacial em dois museus. Dissertação de Mestrado. Porto Alegre, Propar UFRGS, 2016.

23
SERGEANT, John. Frank Lloyd Wright’s Usonian Houses. Nova York, Watson-Guptill Publications, 1984.

24
SZABO, Ladislao Pedro. Visões de Luz – O pensamento de arquitetos modernistas sobre o uso da luz na arquitetura. Dissertação de Mestrado. São Paulo, FAU Mackenzie, 1995.

sobre a autora

Andrya Campos Kohlmann é arquiteta e urbanista na UFRGS (2010), pós-graduada em Design de Interiores pela Domus Academy de Milão (2012) e mestre em Teoria, História e Crítica da arquitetura pelo Propar UFRGS (2016). Atualmente cursa doutorado na mesma instituição com pesquisa voltada à performance espacial em arquitetura.

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250.03 iluminação e museologia
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