A evolução do conceito de paisagem passa pelo conhecimento e consciência do contexto – ambiente – no qual estamos inseridos. Paisagem é como nos sentimos, nos percebemos inseridos nesse contexto. O conceito de paisagem se torna mais abrangente quanto mais aprofundamos o conhecimento e percebemos a correlação e interdependência dos elementos desse ambiente. Porém, os saberes são divididos tendendo a alienação. A verdade é fragmentada como decorrência das ciências especifistas. O paisagista deve fazer a conexão das disciplinas, já que o objeto de pesquisa de cada ciência (seja físico, químico, psíquico,...) é parte integrante do ambiente, interage e interfere na dinâmica desse sistema.
A consciência necessita de parâmetros, de referencial. Consciência é um atributo pelo qual os seres humanos tomam em relação ao mundo (material ou nossas subjetividades) aquela distância em que se criam possibilidades de níveis de integração. Depende da experimentação, da vivência, da experiência própria e pessoal ou de uma experiência social, a nós imposta pela educação. Só existe o belo, o agradável porque o desagradável foi percebido (e vice-versa); tranqüilidade, se experimentado o oposto, etc. A felicidade com que uma criança brinca na vala de uma favela pode ser tão intensa quanto a de uma outra que se banha na piscina de um clube. Uma criança não contempla uma paisagem, pois é paisagem também, em comunhão, inconscientemente. Ela é paisagem e não a deseja para si ou integrar-se a ela. À medida que ela cresce, se conscientiza (estabelece referenciais). Daí nascem os desejos que estão intimamente ligados ao sentimento de posse, complementação, integração, comunhão e, finalmente, o gozo. Desejo está relacionado com o que se perdeu, com o que não se tem, com desarmonia.
A consciência proveniente do empirismo e da ciência é o que nos desagrega, nos desarmoniza e nos separa da realidade. Após essa separação, outro lado passa a existir. A partir daí tudo é reflexo e signos – introjeção/projeção, impressão/expressão das interpretações múltiplas. Paisagem é um estado (um modo de ser e de estar entre as partes de um todo) em um dado momento, e que se comunica. É a manifestação de nossa condição. É circunstância. É a natureza em que nos encontramos. Quanto maior a separação – a distância da realidade – maior a quantidade de signos e mais se comunica. Desejar é querer para si. Comunicar é tornar comum. É tornar íntimo. Material e imaterial (mundo externo e “mundo interno”). A quantidade de informação é inversamente proporcional à cognição da realidade plena. Signos são a base da linguagem que se desenvolve. Antes a comunhão, agora a comunicação do que se interpreta do outro lado. A contemplação é o diálogo entre os dois lados. È a base para a conciliação. Paisagem ideal é sem signos ou reflexos (“No princípio era o Verbo...”), começando pelo silêncio que tudo compreende, para atingir o vazio.
As experiências vividas, percebidas, são normalmente expressas por palavras. Verbo é palavra que designa ação, estado, qualidade ou existência de pessoa, animal ou coisa num determinado tempo, ou seja, verbo designa paisagem. Flexionar é dobrar, curvar, portanto, flexionar o verbo é distorcer seu princípio. Palavra é flexo. Paisagem é reflexo. É o dobrar-se para si. É o espelho que reflete o que a palavra designa. Paisagem é o espelho que nos denuncia.
Conjugar é reunir, juntar. Expressar através das palavras é juntar, é ordenar as flexões do verbo no tempo: presente, pretérito e futuro. Paisagismo é a conjugação de reflexões. O paisagista, através de técnicas, realiza no presente a projeção da introjeção. O futuro do pretérito, já.
Normalmente associamos o conceito de paisagem, de forma imediatista, ao que vemos e tratamos os outros sentidos como “complementares”. Conceito de paisagem não depende exclusivamente da visão. Depende da cognição que contempla qualquer forma de percepção. A visão não nos aproxima da realidade. A luz permite que percebamos a matéria, à distância, pela visão. Quanto mais aproximamos um objeto dos olhos, mais perdemos sua dimensão (menos nos enxergamos num contexto). O objeto que se quer ver, se encostado no olho, pode cegar. Para a percepção através da visão dependemos da distância e não do contato entre substâncias, portanto a visão é dos sentidos o menos íntimo da matéria e o que mais nos remete a subjetividades. Já o som depende do atrito, do contato entre substâncias; a audição é mais próxima. Através do olfato as substâncias se particularizam, se apresentam. O tato encosta e as confirmam. O paladar prepara o ato da consubstanciação.
Paisagem é a manifestação de todas as sensações num reflexo. É o que se vê, o que se ouve, o que se cheira, o que se toca, o que se transforma em nós e nos transforma em paisagem. É um estado.
sobre o autor
Maurício Toledo é paisagista e trabalha na Cambuhy Agricola Ltda.
Maurício Toledo, Matão SP Brasil