São Paulo por fim deixa de ser uma província! Desde tempos imemoriais arquitetos e artistas de nível internacional são convidados pelo poder para incorporar obras ao acervo arquitetônico de uma cidade. Torcemos para que esta abertura própria de cidade grande prossiga. São Paulo merece ser celeiro de grandes obras com resultados indiretos inimagináveis, e isso é bom sem dúvida também para nossa auto-estima como cidadãos.
Espero não apareceram as clássicas e provincianas críticas de que estes fatos tiram trabalho de nossos arquitetos!
Esta contratação traz também outras sensíveis vantagens indiretas à nossa classe, à nossa maltratada classe.
Primeiro: dá-se importância política e valor cultural a uma contratação de arquitetos, fato público divulgado nos jornais! Oba! Uma primeira conquista.
Segundo: o poder público paga o que corresponde a um projeto de grande complexidade e o valor é público e notório! Oba! Outra grande conquista.
Os arquitetos contratados, os suíços Jacques Herzog e Pierre de Meuron, declaram coisas que nós estamos cansados de repetir e de ensinar nas escolas... Arquitetos e seus pensamentos e obras são notícia, os jornais publicam como uma grande novidade. Oba! Outra grande mudança boa para os arquitetos e urbanistas.
Só fico com receio e até com uma ponta de vergonha em pensar que os responsáveis tenham solicitado, como se faz regularmente em nosso dia a dia, um “desconto” porque isto nos tornaria novamente levemente provincianos... Se isto não aconteceu, oba! Outra grande conquista para nós, arquitetos.
O processo foi amparado pela lei federal 8.666/93 em que vale o artigo de notório saber! Oba! Primeira vez que o saber é reconhecido como notório. Muito bom é anotar e conferir o fato deste artigo de lei funcionar mesmo. Mais que muito bom, é extraordinário este antecedente para nós, arquitetos brasileiros.
Ainda espero, mesmo com receio, que os administradores de plantão não mudem o projeto (apenas para afirmar o seu pobre autoritarismo político transitório) sem consultar os arquitetos... Por favor, isto sim nos definiria como – além de provincianos – levemente incultos.
Também espero, com muito receio mesmo, que um projeto desta complexidade e importância, não tenha seus pagamentos repassados por meio das empresas construtoras, submetendo os arquitetos a um “stress”, como estamos normalmente habituados, nós, pobres arquitetos locais.
Por fim espero que este exemplo de contratação pública seja um padrão que desperte em nossos empresários e administradores públicos a consciência de que projetos bem feitos devem ser bem pagos e que projetos bem feitos devem ser respeitados e que a arquitetura foi e será (a história é testemunha) a grande alavanca política (no melhor sentido da palavra) de uma administração pública.
notas
[artigo publicado originalmente no jornal Folha de São Paulo, terça-feira, 04 de novembro de 2008]
sobre o autor
Héctor Vigliecca, arquiteto (Escola de Arquitetura de Montevidéu, 1968), está radicado em São Paulo desde 1975. Participou de mais de 70 concursos nacionais e internacionais, recebendo 41 prêmios. Associado à arquiteta Luciene Quel, é titular de Vigliecca & Associados. Professor da cadeira de projeto na Escola de Arquitetura da Universidade Mackenzie desde 1992, é membro da atual diretoria do IAB/SP.
Héctor Vigliecca, São Paulo SP Brasil