Daniel Libeskind foi o palestrante do Fronteiras do Pensamento no último 3 de novembro em Porto Alegre. Para uma platéia de quase mil e quinhentas pessoas, a maioria formada por não arquitetos, falou durante uma hora e respondeu perguntas por mais 40 minutos, deixando um encantamento no ar. Aplaudido de pé durante vários minutos, era visível o entusiasmo das pessoas ao final da conferência. O que se passou? Como pode a arquitetura despertar tanto interesse num país que tem a maior dificuldade de citar um segundo nome de arquiteto brasileiro?
Polonês-americano, nascido em 1946, Libeskind parece ter sido predestinado a surpreender. Ainda jovem, depois de ter engatilhado uma promissora carreira de pianista largou tudo em favor da arquitetura. Depois de anos de ensino e realização de projetos teóricos que nunca se materializaram, em 1989, ganha o concurso do Museu do Holocausto, em Berlim. Um pouco depois de terminada a obra em 2001, ganha o concurso do Ground Zero, para substituir as torres gêmeas alvejadas pelo terrorismo em Nova Yorque. Duas obras carregadas de significados simbólicos.
Talvez esteja aí o ponto de contato de Libeskind com o grande público. Ele relaciona a arquitetura com o drama do viver, com a memória, transformando seus edifícios em metáforas de tudo isso. A arquitetura para ele vai além da forma, da construção e do programa: ela é uma linguagem, uma forma de comunicação com as pessoas. Na sua comunicação ele pode usar símbolos diretos, como janelas em forma de letras hebraicas, ou metáforas, como transformar caminhos de alguns personagens em forma de aberturas ou corresponder a altura de um edifício a uma data específica. Essa linguagem o público entende e aplaude. Nem todo mundo, é claro. Sempre tem aqueles que vêem em tudo isso uma forma eficiente de vender projetos. Mas essa é uma visão de que ninguém escapa no mundo contemporâneo, até Cristo e Marx já foram taxados de bons marqueteiros.
Questionado sobre seu relacionamento com o movimento moderno, contou que é fruto desse movimento. Estudou Mies van der Rohe e Le Corbusier, mas desde cedo se rebelou contra a idéia de uma dimensão única para a arquitetura ou para a vida. A “vida é muito rica, muito complexa”. Ele não podia aceitar que houvesse apenas uma resposta para cada problema da humanidade. Era preciso tirar a arquitetura de sua camisa-de-força, deixando-a livre para abraçar diversos pontos de vista, a complexidade e pluralidade da vida.
Durante sua conferência ele já tinha sido bastante enfático em jogar o movimento moderno para um passado de pensamento simplificado e autoritário. Ele prefere falar em liberdade e democracia, dizendo que não aceitaria trabalhar para um governo não democrático onde pudesse atuar como um arquiteto-ditador, que não lhe interessa esse tipo de facilidade. Gosta mesmo do trabalho político que está por trás da elaboração de um grande projeto nas cidades, que envolve a autorização de diferentes níveis de governo, a participação e opinião de diversas entidades e dos cidadãos nos assuntos do seu projeto. Também tem especial prazer, como ficou provado na noite da sua conferência, de falar para públicos multidisciplinares. E o faz muito bem, diga-se de passagem.
sobre o autor
Flávio Kiefer, arquiteto e professor da ULBRA e do pós-graduação da PUCRS.
Flávio Kiefer, Porto Alegre RS Brasil