Considerações
Como edifício público, o teatro é uma referência cultural de grande valor simbólico nas cidades – sua presença urbana, prevalecente e destacada, remonta a séculos.
Espaço tradicional da arquitetura, sempre teve, pela natureza sazonal de suas atividades, uso pontual e intenso em horários específicos, contrapostos a períodos de ociosidade de ocupação.
Na sociedade contemporânea o teatro passa a estender seu uso para além dos horários de espetáculos, incorporando a seus espaços novas atividades e serviços que intensificam a contínua utilização de suas estruturas.
O complexo de teatros de Natal, agregando a suas atividades intrínsecas aquelas de trabalho, estudo, entretenimento, lazer e consumo, deverá, no seu projeto, se configurar receptível às diversas situações cotidianas de encontro e convivência.
Assim, mais que um edifício de referência na cidade, é necessário que o novo complexo incorpore e faça fluir em seus espaços a própria cidade.
Lugar
No centro expandido de Natal, a lagoa nova é um território urbano em gradativa transformação. estabelecimentos comerciais, institucionais e de serviço intensificam suas presenças, enquanto que edifícios verticais de habitação vão construindo uma nova paisagem.
Na hierarquia do sistema viário, a avenida Prudente de Morais, que conecta a área central à zona sul da cidade, é a de maior importância. a avenida Miguel Castro, como distribuidora de fluxos, apresenta o menor número de veículos.
Nesse contexto dinâmico, o projeto para o complexo de teatros de Natal estabelece acessos generosos às três avenidas que o delimitam, sem, contudo, conferir a qualquer delas posição dominante, visto que transformações podem ensejar na área.
Edifício
Com acessos pelas três avenidas que conformam o lote, uma rua interna recebe os percursos urbanos e distribui os fluxos de todas as atividades contidas no complexo. paralela à avenida Miguel Castro, à cota de nível 102,00, conecta as avenidas Prudente de Morais e Romualdo Galvão.
Na rua interna se dispõem seqüencialmente o bar, o restaurante, a sala de exposições, a biblioteca, o café, as lojas e o centro de multimídia. Intercalados por jardins e espaços de convivência, para ela também se abrem as salas dos teatros e seus ambientes comuns de recepção e foyer.
Espaço fulcral do complexo, a rua interna pode abrigar, também, feiras, exposições e eventos.
Um conjunto contínuo de caixilhos ao longo de toda a rua interna, torna permeável e fluída suas transposições e ligações com a cidade. brises em malha de aço estruturados à caixilharia, protegem seu interior do rigor do sol, filtrando a luz e permitindo que sejam revelados seus acontecimentos.
Uma grande cobertura metálica, com beirais longos e delgados, sobre a qual afloram os volumes das caixas cênicas e o corpo que comporta as áreas administrativas e salas de ensaio, protege o espaço da rua interna e dá unidade ao conjunto. os pisos externos contíguos, como prolongamentos das calçadas, são espaços generosos oferecidos ao convívio.
As vagas de estacionamento de veículos, no subsolo, têm seus acessos tanto pela avenida Prudente de Morais quanto pela avenida Romualdo Galvão.
A multiplicidade e pluralidade dos ambientes funcionais, que se expressam em escalas variadas, compõem um espaço urbano de imediato reconhecimento, franco e aberto à fruição do público.
Teatros
Os espaços teatrais, articulados seqüencialmente ao longo da rua interna, assim se distribuem:
Grande Teatro – na esquina das avenidas Prudente de Morais e Miguel Castro, tem acesso independente do restante do conjunto à cota de nível 107,00. com platéia inferior para 1505 pessoas e superior para 530 pessoas, conta com infra-estrutura compatível para abrigar e fluir esse número de espectadores. sua conformação conveniente de teatro italiano permite, sem restrições, que receba adequadamente qualquer tipo de espetáculo.
De seus foyers, abertos para a cidade e para o vazio da rua interna, prolongam-se variadas perspectivas visuais.
Na projeção dos foyers , o corpo contínuo que abriga os ambientes da administração e difusão cultural, diminui o impacto da volumetria cega do grande teatro e define o alinhamento do edifício junto à avenida prudente de morais. as salas de ensaio, sobre a caixa da platéia, abrem-se para as vistas e usos de uma laje-jardim.
Teatro Central – com acesso pela rua interna, de seu foyer alçado a cota de nível 107,00 é possível se ter visão geral dos acontecimentos do complexo.
Capacitado para acomodar 610 pessoas, seu palco, também italiano, só não recebe espetáculos que exijam a utilização de fosso para orquestra.
Espaço Transformável – faceando a avenida Romualdo Galvão, suas entradas se fazem em nível com a rua interna.
Caracterizando-se como teatro experimental, pode ser subdividido em duas salas independentes.
Sua conformação flexível presta-se às mais diversas formas de apresentação e representação. pisos em módulos de 1,20 x 1,20m e forros móveis permitem que seu volume, ao variar em todas suas dimensões, ofereça múltiplas configurações de platéia e cena.as portas localizadas nas quatro faces perimetrais da sala propiciam que os acessos se alternem em função das distribuições desses elementos.
Paredes laterais compostas por painéis ajustáveis controlam a absorção e reverberação do som, adequando os espaços às variações acústicas necessárias aos espetáculos específicos.
Com ocupação variável entre 176 e 468 pessoas, sua possibilidade de subdivisão contempla os requisitos do edital (quatro salas para espetáculos), potencializando usos, otimizando espaços e reduzindo custos.
Modulação
Ordenado por malha modular de 1,25 x 1,25m e seus múltiplos, o edifício expressa uma técnica estrutural que otimiza e flexibiliza os espaços. os pilares que suportam a grande cobertura metálica respeitam essa malha modular, com espaçamentos de 7,50 x 15,00m. esse mesmo espaçamento é também reproduzido nas estruturas que conformam as caixas dos teatros.
A modulação estrutural 7,50 x 15,00 permite a distribuição racional e sem desperdício das vagas de veículos no subsolo.
Conforto Ambiental
A utilização de contínuos panos de vidros (principalmente na face sul) possibilita a transparência para o exterior que revela os acontecimentos e integra todo o complexo com a cidade. sabe-se, porém, que o vidro aplicado em grandes superfícies pode acarretar problemas de insolação e de desequilíbrio térmico aos ambientes.
O partido dessa utilização, a primeira vista paradoxal, pode, no entanto, agregar benefícios ambientais, se conjugando a um sistema coerente de proteção e sombreamento.
Propomos para a cobertura que conclui o complexo beirais generosos que avançam 7,50m para além da linha dos pilares metálicos. distanciando-se 1,25m desses pilares, a caixilharia que define os espaços internos recebe um sistema contínuo de brises em malha de aço inox composta por trama em dois sentidos: um horizontal rígido e outro vertical flexível (que trabalha sob tensão).
A livre e constante circulação de ar nos espaços criados entre os caixilhos e os brises dissipa a carga térmica excedente e preserva o conforto dos ambientes internos.
Em Natal, região quente e úmida, os ventos sudoeste, dominantes e quase constantes, variam entre 2,2m/s a 5,0m/s (de abril a setembro) e de 5,0m/s a 5,2m/s (de outubro a março).
Contando com essa boa e constante ventilação (principalmente entre os meses das médias de temperaturas mais elevadas), propomos venezianas ao longo de todo o encabeçamento da caixilharia, assim como extratores de ar na cobertura sobre os jardins internos. essas aberturas, garantindo o expurgo do ar saturado, concluem um sistema eficiente de proteção térmica sem prescindir da transparência do vidro.
A livre circulação de ar, a luminosidade natural (sem a incidência direta do sol), e a transparência proporcionada, possibilitam condições de conforto com consumo mínimo de energia elétrica. o emprego de equipamentos artificiais de iluminação e de condicionamento (ar condicionado), utilizados dentro de suas necessidades mínimas e imprescindíveis, reduz e aproxima os limites entre o espaço interno (desenhado e construído) e o externo (ambiente natural).
Estruturas
No subsolo, propõe-se um sistema modular de pilares em concreto armado com lajes nervuradas moldadas “in loco”, compondo um tabuleiro de altura única.
Os pilares perimetrais do complexo são metálicos de seção circular em chapa de aço soldado. além da cobertura metálica treliçada que recobre toda a rua interna, esses pilares suportam as lajes nervuradas dos foyers dos teatros e do centro de multimídia. a eles, também, são fixados ao longo de todas as fachadas, os sistemas de caixilhos em alumínio e vidro e de brises em aço inox.
As caixas de platéia e cena dos teatros são em concreto armado. as estruturas de suas coberturas se compõem por treliças metálicas recobertas por telha metálica dupla com poliuretano interno.
Para suportar as salas de ensaio e o jardim sobre a cobertura do grande teatro, a estrutura metálica recebe lajes tipo “steel deck”.
ficha técnica
Autores
Arquitetos Renato Dal Pian e Lilian Dal Pian
Colaboradores
Pablo Chakur, Gabriel Arruda Bicudo, Miguel Felipe Muralha, Filomena Piscoletta e Eleutério Mamoré
Consultor de Estruturas
João Vendramini