Na verdade, os arquitetos escrevem muito pouco e aqueles que se entregam à crítica e à história são bastante raros. Daí as lacunas e o esgarçamento de nosso acervo memorialístico alusivo à arte de construir no Brasil – sendo mais pobre ainda na historiografia a respeito. Por isso, se reveste da maior importância este ensaio do arquiteto Hugo Segawa, profissional interessado desde os tempos acadêmicos nessas questões teóricas, críticas e históricas de nossa arquitetura – e sua atuação permanente na imprensa especializada tornou-o grande conhecedor do panorama de nossas construções, sobretudo das obras contemporâneas. Seu trânsito entre colegas em congressos, bienais, cursos e seminários também tornou-o atualizadíssimo.Com o livro "Arquiteturas no Brasil - 1900-1990", Hugo Segawa, com o seu aludido cabedal de conhecimentos, enfrentou a história da arquitetura moderna brasileira e se saiu muito bem. Historiar fatos, procedimentos e realizações recentes com imparcialidade, quando não se tem uma distância ampla necessária à isenção de ânimos, é bastante difícil. Compreender e relatar o que está se passando é tão penoso como resgatar de documentos velhos a verdade dos fatos históricos. Esse é o grande mérito da obra: chegar até o fim do século concatenando e criticando as etapas de nossa arquitetura erudita moderna, estabelecendo as relações havidas com a política e a economia do país sem tomar partido e fazendo juízo de valores extremamente corretos.
Trata-se de um livro eminentemente didático, que prende desde as primeiras linhas, levando o leitor a começar das obras esporádicas dos precursores do modernismo arquitetônico entre nós, como Victor Dubugras, até chegar à definição e constituição da escola carioca inspirada em Le Corbusier. Fala do projeto e da construção do edifício do Ministério da Educação, ocorrência já bastante estudada por outros autores, mas agora narrada e estruturada no texto como um estopim da deflagração da hegemonia da produção dos ex-alunos da Escola Nacional de Belas Artes, partícipes da célebre greve de 1931, quando Lúcio Costa foi destituído da direção do estabelecimento. Hegemonia que se estendeu pelo Brasil todo praticamente. É claro que Segawa enfatiza a revolução iniciada por Oscar Niemeyer na Pampulha, em Belo Horizonte, nos primeiros anos da década de 40, quando, à tectônica tradicional presa a vigas e colunas escravizadas pelo ângulo reto, se opõe a curva definidora de uma nova plasticidade do concreto armado. Daí em diante a arquitetura moderna brasileira teve novos horizontes com a abertura de novas portas. Naturalmente, Segawa fala da "linha" paulista, em que pontificou Vilanova Artigas, arquiteto de grande talento e carisma, que certamente não pode ser taxado de "carioca" devido a eventuais influências, mas que não ficou alheio à celebrada "mea culpa" de Oscar, em 1958, fato analisado com sagacidade. Finalmente, trata o autor da arquitetura do "Brasil Grande", chegando até os anos 90.São 224 páginas que completam com maestria alguns textos esparsos já existentes sobre o assunto, tornando-se um livro imperdível.
[texto originalmente publicado no caderno Mais!, Folha de São Paulo, 24 janeiro 1999, São Paulo SP. Reprodução proibida]
leia também"Arquiteturas no Brasil. 1900-1990", de Ruth Verde Zein, e "A esfinge silenciosa", de Abilio Guerra, sobre o livro de Hugo Segawa
sobre o autorCarlos A.C. Lemos é arquiteto, professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP e autor de "Ramos de Azevedo e Seu Escritório"