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GUERRA, Abilio. O véu e a mortalha. Resenhas Online, São Paulo, ano 01, n. 001.15, Vitruvius, jan. 2002 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/resenhasonline/01.001/3264>.


A filósofa Otília Arantes mantém nos últimos anos uma curiosa relação com a instituição arquitetura. Professora na área de pós-graduação da FAU-USP, tem sido sistematicamente convidada para os mais diversos eventos promovidos por Universidades e órgãos representativos da área, mantendo com arquitetos e professores de arquitetura um contato íntimo, o que não necessariamente derivou para um diálogo. Como o que diz coloca em cheque muito do que se faz na "academia" e na "prancheta", talvez seja mais simples aplaudir e silenciar.

O mais recente livro de Otília, com o título sombrio "Urbanismo em fim de linha", é uma coletânea de textos, alguns deles apresentados originalmente em palestras. Nele podemos acompanhar alguns argumentos já trabalhados em textos anteriores, em especial no seu livro "O lugar da arquitetura depois dos modernos", com o qual mantém evidente diálogo, a começar pelo projeto gráfico idêntico. Mesmo caracterizado como tomo II, o livro recém-lançado revela mudanças em algumas avaliações, provocadas provavelmente pela evolução mais recente da arquitetura e não por um redimensionamento teórico.

Em uma redução que nos obriga o espaço disponível, poderíamos arriscar resumir a argumentação de Otília em três premissas básicas. A primeira seria a identidade estrutural entre o projeto moderno das vanguardas arquitetônicas e a modernização levada a cabo pelo desenvolvimento capitalista das forças produtivas. A utopia reformadora presente na origem do Movimento Moderno é tributária da positividade do progresso tecnológico e valores subsidiários – estandardização, padronização, simplificação formal, etc. Essa mácula original tornaria sem sentido as hipóteses de desvio ou deformação da arquitetura moderna em seu desenvolvimento ulterior defendidas pelos "salvadores do moderno".

A segunda premissa é a inexistência de rupturas na evolução da arquitetura moderna, apenas acomodações provocadas pelas metamorfoses sofridas pelo capitalismo. Ou seja, os diversos movimentos arquitetônicos da segunda metade do século, aos quais é dada a rubrica genérica de pós-moderno, são resultantes do desenvolvimento natural da arquitetura moderna. Ao fracassar diante do caos urbano, o mito da planificação urbana global – fruto inconteste do funcionalismo inicial e culminância da utopia modernista – desmorona, deixando solitário o formalismo abstrato. Sem sua dimensão utópica, a arquitetura enreda-se nos encaminhamentos possíveis à autonomia estética assumida, celebrando a "diferença, a efemeridade, o espetáculo, a moda, etc."

A terceira premissa é a contestação de que o ramo brasileiro da arquitetura moderna seja um tipo de regionalismo. A graça, sensualidade e leveza de nossa arquitetura tem sido tratada por louvadores e detratores como características oriundas da falta de base material para a implantação da arquitetura moderna em solo tropical. Para os primeiros, uma prova cabal de nossa originalidade; para os segundos, um desvio irracional que leva à indisciplina programática e aos excessos formais. Otília discorda na base dos argumentos. Para ela a arquitetura moderna brasileira é uma "aplicação fiel das lições modernas num contexto diverso do original". A ausência da utopia em um modernismo fomentado pelo Estado traz à luz do dia o formalismo essencial da Arquitetura Moderna.

Como já deve estar claro para o leitor, estamos diante de uma explicação histórica materialista onde as demandas infra-estruturais do modo de produção determinam a evolução super-estrutural da cultura. Como Otília assume uma determinação rígida, os mais variados encaminhamentos da arquitetura deste século acabam se tornando aos seus olhos apenas representações ideológicas. Alguns movimentos, como o regionalismo crítico de Frampton e as teorias do lugar de Rossi e Gregotti, aos quais ela atribuía em textos anteriores teor crítico e possibilidades de resistência e subversão, tornam-se agora expressões ideológicas das novas acomodações do capital.

Como não pode atribuir à uma má-fé ou ingenuidade universais a sucessão de enganos e quimeras produzidos pelos arquitetos modernos, Otília apela para uma psicanálise difusa. Conceitos como auto-consolo, racionalização, deslocamento, narcisismo, fobia e sublimação são arregimentados para contornar o problema. O mundo anímico humano recebe os impulsos do mundo material e a ele devolve alguma "veleidade compensatória" ou "alheamento" diversionista. Ao negar o caráter eficiente (e não apenas representativo) e intelectivo (e não apenas ideológico ou pulsional) do discurso arquitetônico – o que estaria, no nosso modo de ver, mais ajustado à dialética marxista – Otília nos lega um mundo governado por forças intransponíveis do Capital que, na sua versão globalizante atual, coloniza "as últimas zonas remanescentes de pré-capitalismo": o "Terceiro Mundo" e o "inconsciente". (p 178)

Não há como negar que a argumentação de Otília Arantes é magnífica em sua estruturação e na sua fluência. Ficamos tomados por sua retórica, convencidos da "verdade" que nos conta, uma verdade fria, implacável. Verdade que se encontrava sempre lá, desde a origem, mas que foi sempre acobertada por véus, véus que a autora vai retirando um a um. Não há como dizer, com absoluta segurança, que esteja errada, que a ilusão seja dela e não nossa. Diríamos até que é bem possível que esteja certa e que uma ou outra objeção que aqui fizemos sejam frutos de nossa recusa em aceitar o destino inelutável, afinal o futuro imediato que nos prognostica é terrível em sua irreversibilidade:

"Essa mundialização do capital (...) gera descompassos, segregações, guetos multiculturais e multirraciais, ao mesmo tempo que desterritorializações anárquicas, crescimentos anômalos e transgressivos – verdadeiros focos explosivos que devem esgotar suas energias numa entropia intransitiva, numa guerra interna generalizada, de facções e gangues, enquanto consomem e exportam formas culturais e religiosas cada vez mais sincréticas, criando uma vaga sensação generalizada de reconciliação democrática. Reposição das diferenças que não é senão sublimação cultural, forjando, na ausência de referências sociais objetivas, identidades meramente simbólicas" (p. 187-188).

A sublimação, proposta por Freud como um mecanismo positivo por liberar criativamente as energias represadas por traumas recalcados, converte-se nas mãos de Otília em mecanismo bastardo de produção ideológica. O teor crítico do sonho ou da arte evapora-se diante dessa reiteração da subjugação. Em um mundo assim apocalíptico, onde qualquer proposição se vê transformada no seu contrário, alimentando aquilo que ingenuamente queria combater, não há mais lugar para propostas construtivas para a cidade. É o fim do urbanismo. Esperar novos encaminhamentos do capitalismo ou mesmo sua derrocada final, praticando uma arquitetura de sobrevivência, é o que nos resta. Diante dessa possibilidade, mesmo que verdadeira, parece tão estranho que os arquitetos estejam ignorando suas palavras?

nota

Texto originalmente publicado no Jornal de Resenhas, Discurso Editorial / Usp / Unesp / Folha de São Paulo, nº 48, 13 março 1999, São Paulo SP, p 5.

sobre o autor

Abilio Guerra é professor da FAU PUC-Campinas e editor de www.vitruvius.com.br

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resenha do livro

Urbanismo em fim de linha

Urbanismo em fim de linha

E outros estudos sobre o colapso da modernização arquitetônica

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