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SEGAWA, Hugo. Vilanova Artigas, o renascer de um mestre. Resenhas Online, São Paulo, ano 01, n. 001.21, Vitruvius, jan. 2002 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/resenhasonline/01.001/3258>.


Nas páginas iniciais do livro Vilanova Artigas, a seqüência de imagens registra retratos de um homem sorridente, de um simpático velho a um radiante jovem. A naturalidade dos sorrisos talvez dissimule uma das personalidades mais atormentadas da arquitetura brasileira. E, decerto, uma das mais carismáticas. Se estivesse vivo, estaria completando este ano 83 anos, e com certeza seria o arquiteto brasileiro mais festejado depois de Oscar Niemeyer. Artigas morreu em 1985, prematuramente: Lucio Costa, o criador de Brasília, acaba de completar 95 anos; Oscar Niemeyer comemorou recentemente seus 90 anos, e Oswaldo Bratke, com quem Artigas estagiou, morreu no ano passado, com quase 90 anos de idade. Sua morte, pouco antes de completar 70 anos, significou também uma ausência que o arremessou ao limbo da cultura brasileira. A própria Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, cujo cinqüentenário de criação se comemora ao longo de 1998, e cujo "bonito prédio" (num elogio de Sérgio Buarque de Holanda) é de autoria de Artigas, ainda não programou qualquer evento especial em homenagem ao seu grande professor.

João Batista Vilanova Artigas deve ser considerado a figura central da arquitetura paulista das conturbadas décadas de 1960 e 1970 - e isto sem desmerecer alguns dos mais ilustres colegas de seu tempo, como Rino Levi ou Oswaldo Bratke, mais veteranos, ou Lina Bo Bardi. Um líder natural, professor eloquente e articulado, militante de esquerda, esse perfil lhe granjeou admiração, seguidores e vasta influência. Bem como detratores e adversários. Figura emblemática do ativismo engajado do Partido Comunista Brasileiro, seu discurso espelhou as vicissitudes que marcaram a trajetória das esquerdas brasileiras. Dono de uma retórica mais impetuosa que a esquemática oratória comunista de Niemeyer, Artigas não viveu para acompanhar a queda do muro de Berlim. Um homem que sempre estimou a literatura e a escrita, ele é um dos poucos arquitetos que têm registrado no papel seus posicionamentos intelectuais como cidadão e como artista, e esses textos retratam as ortodoxias e as incoerências de um período pleno de contradições. Por sua franqueza e ímpeto, ele foi criticado por jovens discípulos mais à esquerda, como massacrado pelas alas mais conservadoras. Sua morte precoce não pode ser desvinculada da humilhação de se submeter a uma prova para titulação acadêmica na USP aos 69 anos de idade, apesar de uma veemente vocação de professor, dentro e fora da universidade. A aula pública do concurso foi seu canto do cisne.

Numa década de aparentes esperanças, que se iniciou no Brasil sob o signo da era JK e a construção de Brasília, Vilanova Artigas foi o grande ideólogo de uma arquitetura dita progressista, de forte tintura nacionalista e compartilhando o desenvolvimentismo da época - tese abraçada também pelas esquerdas, até o golpe de 1964. O arquiteto foi o responsável pela clareza e pela força ideológica em torno dos conceitos de projeto e desenho, linhas mestras da reorganização curricular implantada em 1962 na FAU-USP, e da qual o prédio na Cidade Universitária é uma materialização inconclusa. Ao sustentar a noção de projeto como desígnio, intento, como demonstração de soberania, e o desenho (não como representação, mas no contexto do termo inglês design) como um instrumento de emancipação política e ideológica, Artigas estabeleceu um arcabouço conceitual prontamente assimilado ou discutido por seus pares e estudantes, norteando toda uma estrutura de ensino de arquitetura que formou várias gerações de arquitetos paulistas e também contaminou os currículos de cursos fora de São Paulo na passagem para os anos 1970.

As formulações teóricas e ideológicas do grupo em torno de Vilanova Artigas buscavam fundamentar teses-utopias que, longe de corresponder apenas a teorias arquitetônicas tradicionais, elevavam a questão a uma dimensão da ética política e social. Nunca antes no Brasil houve um esforço tão claro de correlacionar uma série de teses com realizações concretas - como as muitas obras projetadas pelo próprio Vilanova Artigas, ou as de colegas mais jovens como Paulo Mendes da Rocha, Fábio Penteado, Carlos Millan, Júlio Katinsky, João Walter Toscano, Abrahão Sanovicz, Marcos Acayaba e outros. Ética e estética nunca estiveram tão em evidência. Uma estética com ética, uma ética com estética - jogos de palavras que rondaram as discussões e a prática da arquitetura em São Paulo naqueles anos 1960/1970.

Alguns fatores propiciaram um meio fértil para a discussão e legitimação desse ideário: 1) as condições políticas de discussão e ação das esquerdas, até março de 64; 2) o arquiteto era um profissional de prestígio social, e a arquitetura era um tema presente no debate público cotidiano em função da construção de Brasília; 3) o domínio de uma tecnologia própria constituía uma das questões programáticas do nacional-desenvolvimentismo da época e São Paulo, como o mais importante centro industrial do País, qualificava-se como principal pólo de pesquisa nesse âmbito; 4) os cursos de arquitetura em São Paulo, diferentemente do Rio de Janeiro, derivaram das escolas de engenharia, configurando uma maior familiaridade à arquitetura enquanto questão tecnológica. A industrialização da arquitetura era um tema recorrente, como signo possível de domínio tecnológico numa discussão que não se limitava às fronteiras brasileiras. Nesse sentido, o concreto armado monopolizou as especificações, enquanto material de ampla disponibilidade no País, sem a concorrência dos sistemas metálicos - na ocasião, não tão acessíveis à construção civil. Mas além de um sistema construtivo, o concreto era uma tecnologia que efetivamente conheceu grandes avanços nas pranchetas brasileiras e, graças à deferência de Oscar Niemeyer e sua apologia do material como suporte ideal para suas elaborações plásticas, o concreto aparente se tornou a metáfora de progresso tecnológico da arquitetura e da engenharia brasileiras nos desenhos dos arquitetos paulistas. Há um lugar-comum de identificar a arquitetura de grandes estruturas em concreto aparente como produtos ou derivações da chamada "escola paulista" de arquitetura - essa denominação que parece abrigar muita coisa sem revelar nada. Na realidade, uma simplificação que não leva em conta a elaboração ideológica por trás dessas obras identificáveis como "paulistas" - que devem ser vistas como uma continuidade da arquitetura moderna feita pelos cariocas nos anos 1940 e 1950 tendo como expoente Oscar Niemeyer e que, passada por uma releitura paulista, transformou-se noutra manifestação, sem perda da essência e da exuberância que caracteriza a arquitetura da qual derivou.

Aposentado compulsoriamente em 1969 pela Universidade de São Paulo, Vilanova Artigas pairou como um mito entre os estudantes e jovens arquitetos ao longo de seus 12 anos de ausência do prédio que projetou. Ao retornar em 1981, foi tão celebrado como combatido. Aquela figura de estatura física pequena que nos últimos anos de vida circulava pelas rampas e corredores da escola, sempre rodeada por velhos e novos discípulos, parecia lutar contra uma veneração desmedida. Estudantes daqueles poucos anos de retorno contam como "o velho", ou "o professor", como era carinhosamente chamado, queixava-se dos alunos que simplesmente o imitavam em seus trabalhos escolares. Mas os tempos eram outros. O Brasil não era mais o país do futuro simbolizado pela construção de Brasília. O Brasil do milagre econômico iniciava a sua derrocada, os sonhos desenvolvimentistas ruíam. Na arquitetura, o pós-modernismo anunciava a morte da arquitetura moderna e de todas as intenções redentoras que o movimento moderno da arquitetura intentou alcançar. Vilanova Artigas morreu em 1985, e, com ele, toda uma utopia arquitetônica de transformações simbolicamente o acompanhou.

A edição de Vilanova Artigas deve ser recebida com alguns superlativos. Primeiramente, celebrar o esforço conjunto do Instituto Lina Bo e P. M. Bardi e a Fundação Vilanova Artigas em materializar uma obra que reúne em um livro parte essencial da produção arquitetônica do grande mestre paulista - antes dispersa em inúmeras revistas e publicações avulsas -, e sem pretender ser uma "obra completa". Nesse sentido, o Instituto Lina Bo e P. M. Bardi aposta numa saudável pretensão de desenvolver uma coleção contemplando os grandes arquitetos brasileiros, cujo passo inicial foi a monografia de carreira internacional sobre Lina Bo Bardi, e cujo segundo volume se dedica a Vilanova Artigas. Para os mais velhos, este livro poderá ser uma revisita, e para os jovens, uma introdução e uma aproximação prática a textos e 62 projetos de arquitetura dos mais de 600 desenvolvidos pelo mestre paulista em 50 anos de carreira. Em boa hora temos esse verdadeiro resgate de realizações e idéias que, neste final de milênio, devem ser vistas não como o fracasso da modernidade, mas um caminho vislumbrado por um intelectual engajado em sua realidade, e que, no panorama atual da arquitetura mundial, constitui a retomada de algumas posições embaçadas pelas críticas às vezes inócuas das tendências pós-modernas.

O livro, todavia, deve ser lido com atenção e algumas precauções. À exceção de uma página reproduzindo um comentário de 1950 de Lina Bo sobre Vilanova Artigas, todos os textos estão escritos na primeira pessoa, isto é, caracterizam-se como depoimentos pessoais. Não se trata propriamente de uma autobiografia - como a festejada edição de Lucio Costa, há dois anos, ou como hoje os mais ilustres arquitetos se propõem a editar -, porque a publicação não contou com a participação do homenageado em sua organização e nem foi escrito com tal finalidade. Trata-se do padrão editorial da coleção, na qual se estabeleceu como modelo a monografia de Lina Bo Bardi, cuja estrutura é autobiográfica - mas, diferentemente, Lina ainda em vida esboçou o projeto de seu livro.

Parece forçado formatar um livro de um expoente como Vilanova Artigas espelhando a personalidade de outra figura forte, como Lina Bo. Os problemas daí decorrentes são complicados: a "autobiografia" na verdade é uma colagem de textos, depoimentos e outros fragmentos de várias fontes e épocas sem a necessária auto-reflexão de quem a escreve. Os editores corretamente advertem os leitores dessa operação literária, mas a agradável e interessante linearidade resultante dessa combinação subtrai do leitor o caráter polêmico, contraditório e implacável do intelectual Artigas. Suas posições raivosas dos anos 50 - quando ele afirmava que Le Corbusier era representante do imperialismo - não eram as mesmas nos anos 60. Numa reconciliação, ele chamava o mestre franco-suíço de "grande arquiteto". Nessa linha de privilegiar depoimentos pessoais, tornou-se inevitável que uma ponderável parte dos 62 projetos publicados no livro não sejam acompanhados de explicações - porque o arquiteto não deixou registros literários para todas as suas obras.

A norma dos escritos na primeira pessoa impôs uma limitação insuperável: como contextualizar o pensamento e obra de Vilanova Artigas? No único livro do arquiteto publicado em vida, Caminhos da Arquitetura (São Paulo, LECH, 1981), é o próprio autor que, na introdução, relativiza suas posições políticas e culturais ao longo de sua combativa trajetória. Neste volumoso Vilanova Artigas que ora é editado, não se pode ter a presunção de que os textos são auto-explicativos, ou que os leitores estão cientes do contexto dos escritos e dos desenhos do mestre (aliás, em parte alguma do livro se esclarece que as plantas e cortes desenhados a mão livre são do próprio punho do arquiteto). Nas circunstâncias, uma explicação mais pormenorizada do conteúdo do livro (na terceira pessoa, mesmo) seria um grande serviço aos que se introduzem nas polêmicas posições do mestre, que podem acorrer às pistas sugeridas para outras investigações.

Publicar um livro sobre Vilanova Artigas foi e sempre será uma tarefa de grandes responsabilidade, principalmente pela enorme cobrança que há ao se tratar de uma figura de sua importância e da mitologia que se criou à sua volta. Artigas já foi estudado em algumas dissertações de mestrado, inúmeros ensaios, e sempre haverá mais e mais a se dizer. Os próprios editores estavam conscientes das limitações do livro que editaram e, não como uma desculpa pelas lacunas e imperfeições desta publicação, Vilanova Artigas é sobretudo um incentivo para o aprofundamento das análises sobre um controvertido mestre da arquitetura brasileira[texto originalmente publicado no Jornal da Tarde com o título "O arquiteto da transformação", Caderno de Sábado, Sábado, 07 de março de 1998. Reprodução proibida sem autorização do autor]

leia também"A moderna morada paulista", de Abilio Guerra, sobre o mesmo livro

sobre o autor

Hugo Segawa é arquiteto, professor do Departamento de Arquitetura eUrbanismo da Escola de Engenharia de São Carlos da Universidade de SãoPaulo.

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resenha do livro

Vilanova Artigas

Vilanova Artigas

Marcelo Carvalho Ferraz, Álvaro Puntoni, Ciro Pirondi, Giancarlo Latorraca and Rosa Artigas (Orgs.)

1997

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original: português

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