É correto falar de um "renascimento" da arquitetura do Rio de Janeiro neste início de século. A recente aparição de quatro guias que cobrem a quase totalidade dos monumentos e principais edifícios produzidos desde o período colonial até o presente, é motivo de júbilo para arquitetos, urbanistas, habitantes da cidade e turistas interessados em seu patrimônio arquitetônico. Nunca, até o presente, foi reunido um corpus documental e informativo de tal magnitude como o elaborado por um numeroso equipo de investigadores, estudiosos e professores, pertencentes à Faculdade de Arquitetura da UFRJ e ao Centro de Arquitetura e Urbanismo da Prefeitura da Cidade de Rio de Janeiro, sob a direção de Jorge Czajkowski. Como culminação da gestão administrativa do Prefeito Luiz Paulo Fernandez Conde – finalizada no ano 2000 –, e do entusiasmado apoio que dera aos estudos de historia, teoria e crítica da arquitetura ao longo de seu mandato, a editora Casa da Palavra acaba de publicar os quatro tomos dedicados à Colônia e século XIX; o ecleticismo; o Art Déco e o Movimento Moderno.
Os ensaios teóricos e a documentação rigorosa da arquitetura de Rio de Janeiro, tiveram um novo ponto de partida na década dos anos oitenta, ao finalizar o opaco período da ditadura militar. Com anterioridade, desde a era Vargas, havia começado o desenvolvimento de um duplo eixo crítico e documental que compreendia, de um lado, a defesa e difusão das conquistas do Movimento Moderno na capital; de outro, a recompilação das fontes arquitetônicas do período colonial. Com a publicação do antológico texto de Lúcio Costa "Razões da Nova Arquitetura" (1936), na Revista da Diretoria de Engenharia da Prefeitura do Distrito Federal, dirigida por Carmen Portinho, e os exemplos de arquitetura moderna que apareceram nos anos quarenta na revista do IAB, Arquitetura e Urbanismo, se manteve viva a chama da vanguarda, até a combativa presença de Módulo, nos meados da década dos anos cinqüenta, dirigida por Oscar Niemeyer. A visão da modernidade carioca foi também divulgada nas publicações de Henrique Mindlin e Paulo F. Santos. Por sua parte, a longa trajetória da Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional do IPHAN, dirigida até 1945 por Rodrigo Melo Franco de Andrade, permitiu a difusão dos estudos históricos e arqueológicos sobre a arquitetura brasileira.
A partir dos anos oitenta surgem dos importantes núcleos de estudos históricos sobre a arquitetura: o Curso de especialização em História da Arte e da Arquitetura não Brasil, na PUC Rio, no qual se integraram Carlos Zílio, Margareth da Silva Pereira e Jorge Czajkowski; e posteriormente, por iniciativa deste último, se criou em 1981 o Núcleo de Pesquisa e Documentação na FAU UFRJ, ambos dedicados, tanto à formação dos jovens críticos e pesquisadores como à criação de bases documentais sobre as obras arquitetônicas da cidade. Parte destes estudos foram publicados na revista dirigida por Jorge Cjaikowski e publicada pela FAU/UFRJ, Arquitetura Revista. Também no IPHAN, batem ares de renovação, destacando-se os trabalhos dos estudiosos Ceça Guimaraens e Lauro Cavalcanti. Não podemos deixar de citar o papel exercido pelo IAB durante a presidência de Luiz Paulo Fernandez Conde, que desde os finais dos anos setenta realizou uma série de debates sobre arquitetura moderna, depois publicados nos Depoimentos. Arquitetura Brasileira após Brasília, editados por Sérgio Ferraz Magalhães e Ceça Guimaraens.
De imediato começam a publicar-se os resultados das pesquisas: Giovanna Rosso del Brenna escreve um elaborado estudo sobre Pereira Passos; Margareth da Silva Pereira e um grupo de colaboradores, aprofundaram sobre a presença de Le Corbusier no Brasil e finalmente, na gestão do Prefeito Júlio Coutinho, sob a coordenação de Giovanna Rosso del Brenna e Irma Arestizábal, se editam seis pequenos guias sobre a arquitetura do Rio de Janeiro. Estruturados por correntes estilísticas, constituem a primeira tentativa de ordenar as principais edificações da cidade, e valorizar sua presença, em particular para os visitantes estrangeiros. Mário Barata redige os textos dos guias da Colônia e Neoclássico; Giovanna Rosso del Brenna elabora o Ecleticismo; Irma Arestizábal, Art Déco e Art Nouveau; Alfredo Brito o tema da arquitetura moderna e Burle Marx apresenta o vínculo do Rio com a natureza. Paralelamente, a empresa João Fortes Engenharia e Index Editora, patrocinou a publicação de uma série de cadernos sobre a história dos bairros da cidade, realizados por uma equipe de pesquisa da UFRJ.
Sem dúvida, o maior impulso alcançado pelas pesquisas e publicações ao longo do século XX se produziu na década dos anos noventa, período que concentra uma coleção de guias e documentos sobre a arquitetura do Rio. Em coincidência com a Eco Rio 92, a Secretaria Municipal de Cultura da Prefeitura, editou o Guia do Patrimônio Cultural Carioca. Bens Tombados. O tema da arquitetura moderna possui um significativo destaque: começa a ser tratado no guia que escreveram Alberto Xavier, Alfredo Brito e Ana Luiza Nobre, editado pela Editora Pini em São Paulo; e teve prosseguimento com os trabalhos de Lauro Cavalcanti, diretor do Paço Imperial, a quem coube, no final da década, a reimpressão em português do livro de Henrique Mindlin e a apresentação da exposição "Quando o Brasil era Moderno", material resumido nos dois guias de arte e arquitetura (1928 –1960), publicados no presente ano (2001).
Sem dúvida, a Prefeitura de Rio de Janeiro, graças à iniciativa de Luiz Paulo Conde, leva a cabo um grande número de pesquisas e publicações, nunca alcançado até então. A criação do Centro de Arquitetura e Urbanismo, pertencente à Secretária Municipal de Urbanismo, sob direção de Jorge Czajkowski e Fernando Sendyk, estabelece na cidade, o principal centro de atividades culturais relacionadas à arquitetura, aglutinando um grupo de pesquisadores jovens e em estreito contato com a Faculdade de Arquitetura da UFRJ. Esta não é uma descrição exaustiva do intenso trabalho desenvolvido pelo Centro e Prefeitura, mas cabe assinalar a significação de algumas exposições antológicas sobre a arquitetura e o urbanismo local: a apresentação da obra completa de Jorge Machado Moreira, resumida no catálogo escrito por Roberto Conduru; a emocionante presença dos desenhos originais de Le Corbusier, realizados durante sua estadia no Rio, na exposição "Le Corbusier. Rio de Janeiro 1929-1936", com curadoria de Yannis Tsiomis, e a espetacular coleção de mapas do Rio de Janeiro, apresentada sob o título "Do Cosmógrafo ao Satélite". Por sua vez, a Prefeitura, em colaboração com o IPHAN e a FAU/UFRJ, iniciou edição em vários tomos das aprofundadas pesquisas realizadas pela professora Sandra Alvim sobre a arquitetura colonial carioca.
A íntima vinculação entre o Centro e a Faculdade de Arquitetura, permitiu realizar esta obra de grande importância que constitui a concretização dos quatro guias de arquitetura do Rio de Janeiro, com uma impecável edição, tanto do desenho gráfico como da qualidade de impressão. Professores e pesquisadores de ambas instituições, coordenados por Jorge Czajkowski e Maria Helena Röhe Salomon, confeccionaram os textos introdutórios e aproximadamente 600 verbetes dos edifícios documentados. As apresentações estiveram a cargo dos seguintes especialistas: a Colônia, redigida por Cláudia Carvalho, Cláudia Nóbrega e Marcos Sá, enquanto o século XIX, esteve sob responsabilidade de Gustavo Rocha Peixoto. Luiz Paulo Conde e Mauro Almada escreveram sobre o Art Déco – único Guia que já havia sido publicado em 1997, raiz do Seminário sobre o Art Déco na América Latina –; por último Roberto Segre tratou do tema da arquitetura moderna.
Estes guias colocam a Rio de Janeiro em pé de igualdade com as diversas cidades do mundo que possuem uma detalhada documentação sobre seu patrimônio arquitetônico, que se iniciaram nas cidades dos países desenvolvidos e na última década alcançaram também a América Latina: quase todas as capitais do Continente possuem significativos guias que testemunham os valores patrimoniais da cidade: recordemos as iniciativas levadas a cabo pela Junta de Andalucía, Espanha, que, em colaboração com os governos dos municípios locais, publicou os guias de Buenos Aires, Montevidéu, Córdoba, Santiago de Chile, Cidade do México e Havana. A estrutura expositiva de nossos guias se baseia na análise das diferentes escalas do projeto, desde o urbanismo até os atributos decorativos dos edifícios. A organização de uma série de percursos por bairros com seus respectivos mapas, permitem ao visitante localizar e visualizar os exemplos em um área determinada. Todos os edifícios estão identificados por uma foto e, em alguns casos, também o desenho da planta. Também estão incluídos monumentos importantes situados em áreas periféricas, com o correspondente mapa de situação. A seriedade da pesquisa realizada se demonstra na série de índices e bibliografias presentes nos guias e, em alguns casos, o resgate de edificações desaparecidas, dado o alto número de monumentos históricos demolidos na cidade ao longo do século XX. Todos os textos possuem sua correspondente tradução em inglês, detalhe pouco comum na maioria dos guias latino-americanos. Pode-se concluir que com esta monumental abordagem, a arquitetura e o urbanismo de Rio de Janeiro, no que diz respeito à sua documentação histórica, alcançaram sua maioridade.
sobre o autor
Roberto Segre, arquiteto e crítico de arquitetura, professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Rio de Janeiro