Em Cuba, o triunfo da Revolução provocou uma grande atividade construtiva baseada na premissa de dar resposta às grandes necessidades acumuladas na população, mas partindo dos recursos construtivos, econômicos, técnicos e humanos de cada localidade do país; não houve tempo para a teorização, mas apenas para sua execução. Nesses primeiros anos subseqüentes a 1959, “seguindo a tradição de latino-americanismo e internacionalismo tão arraigada na história de nosso continente, numerosos profissionais da arquitetura tem deixado a marca significativa de sua contribuição na criação e defesa da cultura arquitetônica e urbanística da Revolução cubana, como planificadores, projetistas, executores e educadores; alguns já falecidos, como Joaquín Rallo, Javier Maco Gutiérrez, Walter Betancourt, Mauricio Gastón, Alfredo Abregú, Francisco Celis e Carlos Bazzano...” (1)
Walter Anthony Betancourt Fernández, arquiteto norte-americano estabelecido em Cuba desde o ano de 1961, desenvolveu um destacado trabalho na zona oriental de Cuba, aonde realizou obras de singular expressão formal e especiais qualidades espacio-ambientais, nas quais o uso dos sistemas construtivos artesanais, materiais locais como a pedra, madeira, cerâmica e uma extraordinária maestria no uso de figuras geométricas complexas, ricas interseções, efeitos de luz e sombra e uma indissolúvel união entre a arquitetura e o meio, o caracterizam como um excelente criador de uma arquitetura que poderia se denominar orgânica, enraizada por sua vez na tradição cubana. Ressalta nas obras deste criador uma grande maestria na reinterpretação que faz dos elementos tradicionais da arquitetura cubana como os pátios interiores, galerias de tetos inclinados para recolhimento das águas pluviais, relação com o meio circundante, recriação da riqueza que caracterizou a carpintaria construtiva e a serralheria da época colonial.
Estes elementos estão indissoluvelmente ligados a sua arquitetura, não podendo se negar que na mesma se expressa o amplo conhecimento que tinha da arquitetura universal, com especial ênfase na dos Estados Unidos e na cultura autóctone latino-americana. A respeito, Roberto Segre colocou o seguinte “... este sentido de integração entre o universal e o regional e o respeito pelos aportes das tradições populares como parte integrante da cultura arquitetônica está presente na figura do arquiteto norte-americano Walter Betancourt” (2).
No período que o arquiteto trabalhou em Cuba e que compreende as décadas do sessenta e setenta do passado século XX, a indústria de materiais de construção na nação se encontrava em uma relativa crise, o que impulsionou, entre outras razões, este criador a utilizar material cerâmico na maioria das vezes.
Em sua obra não existe um esquema rígido sobre o tipo de cobertura a utilizar, a eleição se submete em maior ou menor grau a considerações avaliadas por sua formação e conhecimento da arquitetura universal, matizada por sua ótica revolucionária e de justa síntese dos valores significativos da arquitetura cubana, o que traz para as suas realizações traços definidos pela identidade regional ou local. Evitou em suas obras a tipificação e estandardização do pré-fabricado como única saída possível, ainda que a faça conviver em alguns casos com técnicas artesanais de marcada expressão plástica.
Na cafeteria “Las Pirámides”, construída no ano de 1966 em Santiago de Cuba, utiliza a cobertura plana nos volumes tronco-piramidais por estarem fora do alcance visual, adquirindo maior importância os muros de tijolo cozido, que definem sua forma, assim como as colunas também do mesmo material, utilizadas nos terraços e perímetro da zona de mesas. Nos terraços, desenvolvidas em diferentes níveis, se utilizam lajes também cerâmicas que tornam mais forte o contraste com o verde da profusa vegetação existente na obra.
O Centro Cultural “Félix Varona Sicilia” no povoado de Velasco, província de Holguín, é uma magnífica mostra do uso destes materiais cerâmicos, neste caso acentuado pela presença de grandes coberturas inclinadas, terminadas com telhas francesas. A planta, de grande complexidade aparente, é formada pela combinação de retângulos, quadrados e trapézios, com destaque para a presença do teatro, do qual disse Luis Lápidus "O clímax da obra de Betancourt é um impressionante teatro isabelino no povoado rural de Velasco. O teatro ... é uma espécie de paradoxal Xanadú caribenha, repleta de referências wrightianas, que já atrai estudiosos e pesquisadores" (3). No volume geral se destaca a torre do urdimento e maquinário do mencionado teatro, toda ela de tijolos expostos e com uma grande roseta de grande colorido, que constitui uma sugestiva exaltação de Cuba. Esta obra se realizou entre 1964 e 1991, inaugurando-se neste último ano, depois de um longo processo de execução, que foi se dilatando pela carência de orçamento e materiais durante extensos períodos de tempo.
A Estação Experimental para o reflorestamento da Sierra Maestra, implantada nas proximidades do povoado de Guisa, província de Granma, conta com coberturas inclinadas acentuadas por sua forma geométrica e fortes ângulos, tendo não apenas pregnância psico-perceptiva, mas também valor formal-volumétrico transcendente na área em que se encontra. Reitera-se nesta obra o uso de telhas francesas, lajes cerâmicas nos pisos e tijolos nos muros. Esta impressionante obra está organizada em cinco unidades funcionais articuladas por extensas galerias e que vão se adaptando à geomorfologia da área. O uso de pátios internos e galerias complementa sua integração ao meio natural onde está inserida esta instalação inaugurada no ano de 1971.
Nas obras deste autor, de forma hábil e curiosa, se permite o acesso a cada um dos lugares, inclusive à cobertura. Os acessos à cobertura estão pensados para que ela seja vista, mas também para que se lhes aprecie em sua justa medida pois as perspectivas a partir destes pontos são parte do conjunto e completam o percurso pela obra.
A vontade do encontro emocional com o passado é uma das características da sensibilidade neo-romântica do arquiteto Walter Betancourt, expressão do desejo de aproximação ao passado mediado pela necessidade de futuro. Realizou assim uma arquitetura útil e funcional porque ao projetar um sentimento, era inevitável o pertencimento do edifício ao lugar.
A impressão de harmonia nas formas arquitetônicas e estruturais é visível no interior e no exterior de seus edifícios. Cada fachada guarda seu valor respeitando as demais, pois a volumetria passa a ocupar lugar de destaque, dadas as inflexões e interseções que se produzem e a liberdade compositiva de sua planimetria, sendo o percurso elemento indispensável para a total compressão de cada uma de suas obras. A luz natural está aproveitada em função de descobrir cada porção dos interiores, utilizando para isso gelosias, cristal em janelas altas, clarabóias e aproveitamento da luz zenital.
O tijolo como módulo de pequenas dimensões e volumetría simples lhe permite gerar um sem número de formas que compostas com engenho fazem observar e apreciar que este material renasce em cada novo projeto, mesmo que seja centenário e tradicional. Lembra em seu uso, os projetos realizados com material cerâmico pelo engenheiro uruguaio Eladio Dieste (4):
- Elevada resistência mecânica;
- Leveza;
- Com igual resistência, o tijolo tem um módulo de elasticidade menor que o concreto, o que dá à estrutura maior adaptabilidade às deformações;
- Envelhecimento nobre;
- Bom isolamento térmico;
- Melhor comportamento acústico.
Também aos materiais se pode atribuir significados, “o tijolo fornece às construções uma escala humana; por ser econômico e fácil de fabricar é usado na arquitetura da casa e do edifício público desde a época babilônica. O tijolo é portador de um selo de amizade” (5).
A criatividade de Walter Betancourt não é limitada por estas condições. Ao contrário, é admirável a estável conjunção entre a concepção dos projetos e o emprego de materiais da região em que se implantam os mesmos. A atividade fecunda deste arquiteto foi estancada por sua morte prematura, ocorrida em 18 de julho de 1978, dia em que comemorava 46 anos de idade, quando se encontrava na plenitude do desenvolvimento de sua própria linguagem de desenho, matizada por uma forte influência da arquitetura orgânica.
Estas três obras possuem a característica comum de fazer uso profuso dos materiais cerâmicos à vista e formam parte da atividade construtiva deste arquiteto que, em sua atividade profissional na região oriental do país, deixou dezessete obras realizadas e outros tantos projetos desenhados em papel (6).
notas
1
SALINAS, Fernando. "Prólogo: aňos de nacimiento". In SEGRE, Roberto. Arquitectura y urbanismo de la revolución cubana. Havana, Editorial Pueblo y Educación, 1989, p. XXI.
2
SEGRE, Roberto. Arquitectura y urbanismo de la revolución cubana. Havana, Editorial Pueblo y Educación, 1988, p. 125.
3
LÁPIDUS, Luis. "Patrimonio y herencia del siglo XX", revista Casa de las Américas, n. 198, ano 1995, p. 152.
4
DIESTE, Eladio. La estructura cerámica. Bogotá, Talleres Litográficos de Escala, Colección Sur, Colombia, 1987, p. 3-6.
5
BAKER, Geoffrey H.. Análisis de la forma. Urbanismo y arquitectura, Barcelona Editorial Gustavo Gilí, 1991, p. 33.
6
Obra de interesse: PÉREZ, Karina; ACOSTA, Denis. "Patología VS Cerámica. Obras del Arq. Walter Betancourt", Trabajo de diploma, tutora Ms. C. Arq. Flora Morcate, Facultad de Construcciones, Universidad de Oriente, Curso 1999-2000.
sobre o autor
Flora de los Ángeles Morcate Labrada é graduada em arquitetura, professora auxiliar de Teoria e História da Arquitetura e Urbanismo, Mestre em conservação e reabilitação do patrimônio edificado, representante do Forum-UNESCO na Universidade do Oriente